Mãe de dois, ela pilota avião em voo internacional: 'Um trabalho mental'
Camila Nogueira, 39, pilota aviões em voos internacionais —uma carreira ainda dominada por homens. E é mãe de duas crianças: Júlia, de 9 anos, e Benício de 3.
Conciliar essas tarefas complexas exigiu planejamento e a construção de uma rede de apoio, além de persistência. Nem sempre foi fácil: a trajetória teve altos e baixos, e foram necessárias mudanças de rota para que ela pudesse alcançar seus objetivos.
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'Sonho meio oculto'
Aviões sempre foram a paixão de Camila. Desde pequena, ia com seu pai ao trabalho, no aeroporto, e ficava sentada no hangar vendo as pessoas passarem. O pai trabalhava no setor de cargas.
Como meu pai sempre trabalhou na aviação, talvez existisse um sonho meio oculto. Mas só hoje penso sobre isso.
Camila Nogueira
Durante as viagens de avião em família, ela admirava as comissárias de bordo por estarem sempre bem arrumadas, maquiadas e na ponta do salto.
Na adolescência, quando terminou o ensino médio, Camila não sabia muito bem qual carreira seguir. Foi então que sua mãe, lembrando do seu encantamento pelas comissárias, deu a ideia de que a jovem fosse para o ramo da aviação.
Após fazer cursos, ela entrou aos 19 anos na Latam para exercer a função —que ela amava, mas ainda não era seu propósito final.
Comecei a voar como comissária e fiquei seis anos na função, mas sempre almejando a cabine.
Camila Nogueira
Durante os seis primeiros anos na companhia, se dividiu entre os estudos em aviação e o trabalho. "Minha escala de voos era bastante flexível e isso me permitia estudar."
E, por morar com seus pais, conseguiu financeiramente custear sua educação. Fez faculdade e cursos, além de ter sido instrutora de voos no interior de São Paulo.
Eu venho de uma família que não era abastada, então ser pilota não era uma coisa que passava muito pela minha cabeça pela dificuldade de chegar até isso.
Camila Nogueira
Promoção, maternidade e luto
Em 2011, depois de muito estudo e um processo seletivo interno, a proposta que mudou a trajetória de Camila veio: a possibilidade de promoção para ser copiloto de aeronaves "Narrow Body" (aeronave de único corredor), voando com Airbus em rotas no Mercosul.
Pouco tempo depois, em 2013, casou-se com seu primeiro marido, que também trabalhava no ramo da aviação. E, três anos mais tarde, teve sua primeira filha, Júlia.
Assim que descobriu a gravidez, a felicidade se misturou com um sentimento de preocupação com a saúde de sua mãe, sua maior incentivadora. Durante a gestação de Camila, a mãe adoeceu e morreu dois meses após o nascimento da neta.
Fiquei entre a alegria de estar grávida, que eu queria muito, muito mesmo, e esse luto de perder minha mãe.
Camila Nogueira
Do sentimento profundo de tristeza, nasceu também a esperança de dias melhores. Camila entendeu que a rede de apoio que não teria de sua mãe poderia partir de outro lugar.
Na vida, nada é por acaso, as coisas vão se alinhando e vão se encontrando. E, durante o processo em que minha mãe não estava bem, apareceu uma pessoa que foi como um anjo na minha vida. Ela me ajudava com a minha mãe e, quando minha mãe veio a falecer, passou a me ajudar com a minha filha.
Camila Nogueira
Ela conta também que o programa "Escala Mãe", oferecido pela Latam no retorno da licença-maternidade, também ajudou a fazer com que seu retorno às cabines fosse mais tranquilo. Com escalas de bate-volta, ela conseguiu conciliar sua nova vida.
'Apesar de ser mãe, eu também sou a Camila'
Camila separou-se de seu primeiro marido. E, nas idas e vindas da vida, casou-se novamente. Desse relacionamento veio Benício.
É todo um trabalho, é mental. De saber que, apesar de tudo, apesar de ser mãe, eu também sou a Camila. Eu gosto muito do que eu faço e converso muito sobre isso com meus filhos, mesmo o pequenininho. Falo para eles o quanto isso é importante para mim como pessoa e como profissional.
Camila Nogueira
Em novembro de 2024, foi promovida novamente. Dessa vez, a copiloto passou para a categoria de aeronaves "Wide Body" (de duplo corredor), da frota Boeing 777 e 787 —aviões muito maiores—, para voos internacionais.
A nova rotina exigiu mudanças. Se antes ela podia ir e voltar no mesmo dia, a depender de sua escala, agora, ela pode ficar de dois a quatro dias fora.
A divisão de tarefas com o marido, que também é do ramo da aviação, é fundamental. E eles ainda têm ajuda do pai de Camila, dos sogros e de dona Alice, a babá de seus filhos.
Ela [a dona Alice] ajuda muito nessa parte da educação. O que eu faço nos dias em que eu estou preciso que alguém dê sequência. O foco principal sempre foi o bem-estar deles.
Camila Nogueira
Ela não acredita que a vida de seus filhos, com uma mãe copiloto, é tão diferente da vida dos filhos de quem trabalha em escritório.
Eu acho que é mais difícil para gente como adulto, como mãe, como mulher. A criança em si está ali para o que der e vier. Elas são muito adaptáveis.
Camila Nogueira
As chamadas de vídeo se tornaram aliadas no combate à saudade. O tempo de qualidade entre as escalas de voos também ajuda a prevenir crises. E Camila e a família vivem o dia a dia, sem planejarem um futuro tão distante, mas equilibrando o presente.
As pessoas carregam muita culpa e têm muita dificuldade de pedir ajuda. De pensar 'poxa, eu sou humana também. Eu preciso de ajuda, não tem como eu levar tudo sozinha'. Porque é uma carga muito grande, tanto física, quanto emocional e mental. Então, no final, é só culpa. E era, simplesmente, às vezes, pedir uma ajuda. Não é fácil. Realmente é muito difícil. A gente é muito cobrada em tudo.
Camila Nogueira