Salvo de ir a leilão, Palácio Capanema reabre renovado ao público no Rio

Obras de arte de Cândido Portinari, Roberto Burle Marx e móveis feitos por Oscar Niemeyer são algumas das peças raras que estarão disponíveis ao público a partir de 20 de maio, com a reinauguração do Palácio Gustavo Capanema, símbolo da arquitetura moderna brasileira, no centro do Rio de Janeiro.

Tombado em 1948, o Palácio tem 27.536 metros quadrados na rua da Imprensa. 60% da área do edifício estará disponível para o público em geral, enquanto os outros 40% serão restritos, onde estarão escritórios do Ministério da Cultura e suas vinculadas. O UOL realizou uma visita guiada ao local nesta semana.

Os jardins do Palácio Capanema são assinados por Roberto Burle Marx
Os jardins do Palácio Capanema são assinados por Roberto Burle Marx Imagem: Divulgação

O prédio estava fechado há uma década. A restauração começou em 2019, com um hiato entre 2020 e 2021. Ao todo, a recuperação e modernização custou R$ 84,3 milhões do governo federal via Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Mais de 100 trabalhadores estiveram mobilizados nos períodos de maior atividade.

O prédio passou por modernização interna, com recuperação de pisos, móveis, luminárias e persianas, além da recuperação dos jardins, feita pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Também foram refeitas as instalações elétricas, sanitárias, hidráulicas e de combate a incêndio.

Na área externa, painel de Portinari recebciona os visitantes
Na área externa, painel de Portinari recebciona os visitantes Imagem: Divulgação

"Azul Lucio Costa"

As caixas d'água do Palácio Capanema, localizadas na cobertura, chamam atenção pelo azul intenso. Esse foi o primeiro elemento que a arquiteta Lina Bo Bardi viu ao chegar ao Brasil, fugindo da 2ª Guerra Mundial.

Imigrantes da época descreveram o azul como símbolo de esperança, já que era visível do porto, onde chegavam os navios.

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Já a inspiração de Lucio Costa para o azul das paredes internas laterais dos pavimentos-padrão do Capanema veio da torre da igreja setecentista de Santa Luzia, tombada pelo Iphan, além de ser uma cor tradicionalmente associada à representação de Nossa Senhora.

As caixas-d'água ganharam tom de azul tão marcante que virou marca-registrada do edifício
As caixas-d'água ganharam tom de azul tão marcante que virou marca-registrada do edifício Imagem: Divulgação

Antes da década de 1980, quando o edifício Capanema passou por outra restauração, Lucio Costa revisitou a obra já concluída e apontou que o azul aplicado não correspondia à tonalidade original que havia idealizado.

O arquiteto solicitou novas tintas e, pessoalmente, preparou a mistura, combinando diferentes pigmentos até chegar à tonalidade desejada.

Esse tom de azul foi, então, padronizado, e sua fórmula transformada em uma versão industrializada, utilizada nas restaurações subsequentes do edifício. A cor, depois replicada por outros arquitetos, passou a ser conhecida como "Azul Lucio Costa".

Mezanino

O mezanino é o espaço mais visitado do edifício. O salão de exposições sempre foi destinado a mostras temporárias, com fácil acesso do público.

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O local é tido como uma "catedral moderna", passando a sensação de monumentalidade por sua escala em relação aos visitantes.

O mezanino, apelidado de 'catedral moderna'
O mezanino, apelidado de 'catedral moderna' Imagem: Divulgação

O Auditório Gilberto Freyre, também localizado no mezanino, foi projetado com piso inclinado. O palco original era muito baixo, e Lucio Costa construiu uma estrutura de madeira sobre o concreto para elevá-lo.

O auditório ainda conserva uma tela retrátil embutida no piso, tecnologia inovadora para a época.

2º andar, o do ministro

O segundo andar do prédio foi o mais alterado ao longo do tempo. O projeto inicial previa um espaço mais compartimentado, representando uma transição da arquitetura tradicional para a moderna.

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Ele havia sido projetado para ter divisões internas, enquanto os pisos superiores adotariam espaços mais abertos.

Originalmente ala de escritórios, o segundo andar hoje abriga áreas de expoisção
Originalmente ala de escritórios, o segundo andar hoje abriga áreas de expoisção Imagem: Divulgação

Durante as décadas de 1980 e 1990, o andar perdeu grande parte dessas divisões para ser adaptado a salas de reunião. A partir dos anos 2000, passou a abrigar áreas de exposição.

Nele, estão algumas das principais obras do edifício, que saltam os olhos, como o mural "Jogos Infantis" e a conjunção de pinturas "Ciclos Econômicos", de Cândido Portinari. O jardim acessível a partir desse pavimento foi projetado por Roberto Burle Marx.

A grande estrela do segundo andar: mural de Cândido Portinari
A grande estrela do segundo andar: mural de Cândido Portinari Imagem: Luís Adorno/UOL

4º andar, móveis feitos por Niemeyer

Na biblioteca localizada no quarto andar, todos os móveis no estilo "pés de palito", de autoria de Oscar Niemeyer, foram restaurados durante a obra.

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Pés-palito: móveis desenhados por Oscar Niemeyer foram restaurados
Pés-palito: móveis desenhados por Oscar Niemeyer foram restaurados Imagem: Divulgação

Nos vidros internos e da fachada, uma leve diferença de cor distingue as peças originais, importadas da Bélgica, das substituídas.

Mobiliário da antiga biblioteca
Mobiliário da antiga biblioteca Imagem: Divulgação

O quarto andar foi pensado com divisões internas específicas para organizar o fluxo de pessoas. É o único pavimento que ainda mantém sanitários voltados para o hall social.

Inicialmente, todos os andares tinham essa configuração. Com o restauro, foram criados corredores internos para acomodar áreas técnicas, como os sistemas de ar-condicionado.

Apenas na biblioteca, os banheiros externos foram preservados.

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8º andar, pavimento-modelo

O oitavo andar, que em 1945 abrigou o Iphan, então dirigido por Rodrigo Melo Franco de Andrade, passa a ser o pavimento-padrão do Capanema.

O mobiliário original desse pavimento foi preservado e traz um significado simbólico, que busca demonstrar o legado do período modernista no Brasil.

 Móveis foram mantidos no oitavo andar: um legado do período modernista
Móveis foram mantidos no oitavo andar: um legado do período modernista Imagem: Divulgação

Figuras como Lucio Costa, Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade e Aloísio Magalhães, que presidiu o Iphan de 1979 a 1983, passaram pelo andar.

Prédio histórico

O Palácio foi construído entre 1937 e 1945, com projeto arquitetônico de Lucio Costa e participação de Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Jorge Moreira, Ernani Vasconcelos, e consultoria do arquiteto franco-suíço Le Corbusier.

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À época, o Rio era a capital da república. Getúlio Vargas queria construir na cidade um prédio para o Ministério da Saúde e Educação. Gustavo Capanema, então ministro, lançou um concurso de arquitetura, mas não gostou do vencedor.

Palácio Capanema: um marco no centro do Rio de Janeiro
Palácio Capanema: um marco no centro do Rio de Janeiro Imagem: Divulgação/Iphan

Le Corbusier recomendou que o prédio fosse de frente para a baía de Guanabara, mas a recomendação não foi seguida. Então, esboçou outro projeto, no centro, onde o morro do Castelo havia sido demolido na década de 1920.

Com 16 pavimentos, o edifício é tido como um dos maiores símbolos da arquitetura moderna do mundo. Além disso, um patrimônio cultural brasileiro.

Em 2021, o então ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a colocar o Capanema na lista de imóveis a serem vendidos em um feirão para a iniciativa privada. Após protestos e repercussão negativa, o governo federal retirou o prédio do "feirão de imóveis".

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