Invadir cabine pode dar prisão? As situações que rendem expulsão de voos

Uma passageira brasileira foi contida após tentar se aproximar da cabine do piloto em um voo da American Airlines em Guarulhos. O episódio, ocorrido antes da decolagem para Nova York, levantou questionamentos sobre os limites de conduta a bordo e as consequências jurídicas desse tipo de comportamento.

Um vídeo feito por passageiros — e que viralizou nas redes — mostra a mulher sendo contida por comissários de bordo após tentar se aproximar da cabine do piloto. Imobilizada no chão, ela profere insultos em português contra a tripulação, incluindo xingamentos de cunho homofóbico.

A gravação também capta outros passageiros tentando acalmá-la, enquanto ela alega que somente queria perguntar o motivo do atraso do voo, que acabou decolando com mais de duas horas de atraso.

O que pode acontecer

Nossa ouviu especialistas em direito aeronáutico e em direito do consumidor, que explicam o que diz a lei, quem tem autoridade para agir em situações de risco e quais são as possíveis consequências para passageiros indisciplinados.

Entre as condutas que podem justificar a retirada de um passageiro de um voo, especialistas apontam:

  1. Desobedecer ordens da tripulação: como recusar-se a seguir instruções de segurança, levantar quando solicitado a permanecer sentado.
  2. Agressividade verbal ou física com tripulantes, ou passageiros: insultos, ameaças, empurrões, tentativas de agressão.
  3. Tentativa de acesso não autorizado à cabine de comando: mesmo sem violência, aproximar-se da cabine já é interpretado como risco.
  4. Estado de embriaguez ou comportamento alterado: passageiros visivelmente bêbados ou drogados que causem risco à segurança.
  5. Recusa em seguir procedimentos obrigatórios de segurança: exemplo: não colocar o cinto, não desligar equipamentos eletrônicos, não respeitar sinalizações.
  6. Comportamento que cause tumulto ou ponha em risco a ordem no voo: discussões acaloradas, confusões no embarque, confrontos entre passageiros.
  7. Ações que comprometam a operação segura da aeronave: qualquer atitude interpretada como ameaça à segurança, ainda que não enquadrada nas anteriores.

A legislação brasileira prevê a retirada de passageiros que coloquem em risco a segurança ou a ordem durante o embarque. O artigo 168 do Código Brasileiro de Aeronáutica autoriza o comandante a desembarcar qualquer pessoa que comprometa a operação do voo.

Isso inclui condutas como desobediência à tripulação, agressividade verbal ou física, tentativa de acessar áreas restritas ou qualquer ato que interfira na segurança da aeronave, afirma Leo Rosenbaum, advogado especializado em direito do consumidor e direito do passageiro aéreo.

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Além do respaldo legal, companhias aéreas podem adotar seus próprios protocolos de segurança. Luiza Costa Russo, especialista em direito aéreo, lembra que empresas dos Estados Unidos costumam seguir normas internas mais rígidas, influenciadas por históricos de terrorismo.

"Tudo é uma questão de segurança. A cabine do piloto é uma área inviolável", diz.

Comandante é autoridade

A tentativa de acessar a cabine do piloto, mesmo sem violência, pode ser considerada crime. Para Rosenbaum, a conduta pode ser enquadrada no artigo 261 do Código Penal, que prevê reclusão de dois a cinco anos para quem expuser uma aeronave a perigo. "É um ato que pode dificultar a navegação aérea, ainda que não haja agressão direta", explica.

A autoridade final para decidir sobre a retirada de passageiros é sempre do comandante. Segundo os advogados, o comandante deve avaliar o risco e determinar o desembarque, podendo acionar a Polícia Federal quando necessário. "Por força de todos os diplomas legais que regem o transporte aéreo, a autoridade final é do comandante", afirma Russo.

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Mesmo após o desembarque, o passageiro pode enfrentar desdobramentos criminais e civis. Caso a conduta seja considerada crime, ele pode ser preso em flagrante ou responder a processo. "Também há risco de sanções administrativas, como proibição de voar por até 12 meses, e de ações indenizatórias movidas pela companhia", diz Rosenbaum.

Companhias aéreas também podem buscar reparação por prejuízos causados pelo passageiro. Russo observa que atrasos geram custos operacionais relevantes.

Cada minuto de atraso é uma fortuna para a empresa. Se houver prejuízo comprovado, é perfeitamente cabível uma ação contra o passageiro, afirma.

Já o passageiro pode tentar processar a empresa, mas com chances limitadas de sucesso. Rosenbaum explica que o Código de Defesa do Consumidor permite ações por constrangimento, mas destaca: "Se a retirada foi baseada em risco real, a jurisprudência tende a proteger a companhia".

Casos como esse têm se tornado mais frequentes, segundo os especialistas. A Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas) registrou 735 episódios de indisciplina em voos em 2023, média de dois por dia. Russo atribui o aumento à tensão emocional dos passageiros: "Estamos vivendo momentos muito sensíveis. Falta empatia e equilíbrio nos ambientes coletivos".

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