Entre os ovos de Páscoa, os clássicos 'só' de chocolate ainda têm vez?

De um lado, os ovos de Páscoa trufados e de colher, com quantidades generosas de brigadeiro, ganache, caramelo e o que mais a criatividade do confeiteiro permitir. Do outro, os ovos de chocolate maciço, que combinam duas cascas finas e brilhantes de chocolate, que, no máximo, ostentam alguns bombons em seu interior.

À primeira vista, até parece uma concorrência desleal. Porém, mesmo com o sucesso de vendas das versões recheadas, os ovos de chocolate branco, ao leite e amargo, mantêm espaço cativo no portfólio das marcas.

"Os preferidos do público são os recheados, mas, em número de vendas, os clássicos chegam perto", explica a chef chocolatière Renata Arassiro, que comanda a loja de chocolates que leva o seu nome no bairro paulistano do Campo Belo.

Ovo leite, de Renata Arassiro
Ovo leite, de Renata Arassiro Imagem: Divulgação

Existem algumas razões que explicam a preferência pelos ovos de Páscoa mais simples (não simplórios, diga-se de passagem). A começar pelo perfil do consumidor, que vai desde os que não são fãs dos recheios "melequentos" até aqueles que seguem à risca o conceito de "o básico que funciona" — os "chocólatras" também fazem parte desse grupo.

"Geralmente, é um público mais seleto formado por aqueles que apreciam um bom chocolate", diz a confeiteira Martha Castro, da confeitaria Cora Pâtisserie, em Pinheiros.

Outro estilo de consumidor que busca esse tipo de chocolate é o corporativo. "São muito procurados para presentes. Afinal, são capazes de agradar um público maior do que os recheados", explica a diretora de marketing da rede de confeitarias Pati Piva, Julia Piva.

Ao lado de hits da linha de Páscoa da marca, como o puxa-puxa de pistache (casca ao leite com recheio de caramelo e crocante de pistache, R$ 340, 400 g) e o bruxinha de brigadeiro (R$ 165, 200 g), com casca ao leite recheada de brigadeiro cremoso e crocante de amêndoas, o ovo ao leite (R$ 250, 400 g) está entre os dez mais vendidos da marca no período.

Não é tão simples assim

Não se deixe enganar por essa aparente simplicidade dos ovos de Páscoa clássicos.

Continua após a publicidade

É no chocolate puro que se valoriza o trabalho autoral do chocolatier, opina a confeiteira da Cora Pâtisserie.

Ovo Duo Ao Leite, da Cora Patisserie
Ovo Duo Ao Leite, da Cora Patisserie Imagem: Divulgação

No caso dos ovos tradicionais, o apuro técnico tem que ser ainda maior. "É mais difícil de fazer, porque não há recheios e nem coberturas para ofuscar chocolate. A casca tem que ser uniforme, tem que ter brilho. E, para isso, ele precisa ser trabalhado da maneira correta", diz Renata, que tem como marca registrada de seu trabalho a decoração artística que aplica aos chocolates.

Além de opções recheadas como o duo pistache (R$ 385, 450 g), com casca elaborada com blend de chocolate belga dark milk (ao leite com maior percentual de cacau) e recheios de caramelo puxa-puxa de pistache e praliné com massa folhada (inspirado no chocolate Dubai, uma febre recente nas redes sociais), Renata abre espaço para clássicos como o leite (R$ 245, 375 g), elaborado com casca de chocolate belga e recheio de bombons ao leite, de massa folhada, gianduia e Ovomaltine.

Além do trabalho artístico, muitos profissionais agregam valor aos ovos clássicos a partir da escolha do chocolate.

Quando lançamos um ovo puro, ele precisa se destacar de alguma forma daqueles ovos mais tradicionais, explica Martha.

Continua após a publicidade

Por isso, a confeiteira da Cora Pâtisserie escolheu o chocolate brasileiro bean to bar da Mestiço Chocolates, que também produz cacau no sul da Bahia, como base para o ovo duo ao leite (R$ 290, 360 g), elaborado com chocolates 45 e 59% cacau, e recheado com bombons com crocante de biju. "É um chocolate que tem muita personalidade. Além da cremosidade do leite, tem um sabor intenso e frutado ao mesmo tempo", explica Martha.

Chocolates bean to bar

Sem dúvida, a ascensão dos chocolates bean to bar (ou tree to bar, em que as marcas são responsáveis por toda cadeia produtiva, desde o cacau até o chocolate) no mercado brasileiro também impulsionou o segmento dos ovos clássicos. Afinal, o destaque está nas notas proporcionadas pelo próprio chocolate de origem.

Acredito que os ovos de Páscoa tradicionais ainda têm vez. Nós trabalhamos com essas opções justamente porque nos trazem memórias afetivas mais do que qualquer outra coisa, explica Rogério Kamei, sócio da Mestiço.

Além de fornecer chocolate para confeiteiros, a marca comandada por Kamei e sua esposa, Claudia Gamba, produz cacau no sul da Bahia. E também investe em ovos de produção própria, como o 50% com mel e baru (R$ 180, 270g).

No entanto, o mercado dos chocolates bean to bar precisa ultrapassar as fronteiras dos iniciados no chocolate de origem, segundo os produtores.

Continua após a publicidade
Ovo de Páscoa com chocolate branco e café, da Baiani
Ovo de Páscoa com chocolate branco e café, da Baiani Imagem: Divulgação

"O público geral, que não conhece o chocolate bean to bar, geralmente prova algumas opções e leva algumas barrinhas para casa. Só compra ovo de Páscoa bean to bar quem é consumidor desse tipo de chocolate", explica Juliana Aquino, que comanda a marca de chocolates tree to bar Baianí e mantém uma produção do fruto no Vale Potumuju, na Bahia.

Para a Páscoa deste ano, ela traz uma seleção de cascas maciças, como o 65% com cachaça (R$ 89, 150 g) e o ovo café + branco com café (R$ 156, 250 g), em que os chocolates 65% e branco são misturados com café e mesclados na casca.

Ovo chocolate ao leite, da Pati Piva
Ovo chocolate ao leite, da Pati Piva Imagem: Divulgação

Páscoa meio amarga

Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (Abicab), a previsão do setor é produzir 45 milhões de ovos de Páscoa neste ano — 20% a menos do que no ano passado. O motivo está na alta no preço do cacau no mundo todo nos últimos meses.

Continua após a publicidade

"Com as mudanças climáticas, houve uma queda de 40% na produção mundial de cacau. Isso, sem dúvida, impactou o mercado", justifica Juliana.

O lado meio amargo desta Páscoa não está apenas nos chocolates com alto percentual de cacau, mas na flutuação nos preços da matéria-prima dos ovos de Páscoa e de outras guloseimas.

Muita gente diminuiu o teor de cacau, ou aumentou os preços. É uma pena, porque isso vai, aos poucos, minando essa tradição dos ovos de Páscoa feitos somente de chocolate, lamenta Kamei.

É notável o aumento nos preços dos ovos de Páscoa. Enquanto os chocolates da Pati Piva tiveram um aumento de preço que varia entre 5% a 15%, os valores da rede de lojas Chocolat du Jour subiram cerca de 18%.

"A alta do cacau influencia definitivamente no preço final do produto, mas não abrimos mão de cacau e nem de manteiga de cacau em nossa produção", explica a sócia e diretora de marketing Patricia Landmann, da Chocolat du Jour.

A coleção da marca para a Páscoa, com a temática "terra e mar", reúne desde esculturas feitas sob encomenda até o clássico au lait (R$ 189, 230 g).

Continua após a publicidade

Já o confeiteiro Diego Lozano, que comanda o Levena, misto de confeitaria e restaurante em Pinheiros, e também é jurado do MasterChef Confeitaria (exibido pela Band), investiu em versões recheadas para a sua linha de Páscoa.

Existe um mercado para o chocolate de origem, mas o consumidor em massa prefere as opções com recheio, diz ele.

Para a data, Lozano criou uma linha inspirada na sobremesa "isso não é uma banana", criada por ele e que viralizou nas redes sociais no ano passado. Em formato da fruta e à base de chocolate branco, surge em versões como a recheada de ganache de pistache (R$ 250, 330 g).

Ovo Banana com creme de pistache, do Levena
Ovo Banana com creme de pistache, do Levena Imagem: Divulgação

No entanto, alguns enxergam o cenário pelo viés do copo meio cheio. "Com o aumento no preço do cacau, eu vejo um retorno das cascas de chocolate finas e elegantes", acredita o confeiteiro Lucas Corazza, que é um dos jurados do reality show Que Seja Doce (exibido pelo canal pago GNT).

Para ele, pode ser uma oportunidade de valorizar o chocolate de origem.

Continua após a publicidade

"Existem dois públicos: os que buscam volume e os que procuram qualidade e estão preocupados com aspectos como a rastreabilidade do chocolate e não querem sentir tanto o sabor das essências", opina ele, que, neste ano, criou uma linha de ovos de Páscoa em parceria com a rede de confeitarias Dulca.

No que depender da vontade dos confeiteiros, a tendência dos ovos maciços deve crescer nas próximas Páscoas.

"As cascas recheadas têm que ser uma opção, mas não tudo como temos visto. O básico e bem feito ainda é muito bom", comenta a chef e confeiteira Carole Crema, que é entusiasta do clássico ovo ao leite e crocante. "É o meu preferido desde a infância", comenta ela.

Serviço

Cora Pâtisserie
Rua Ferreira de Araújo, 365, Pinheiros| @cora.patisserie

Baianí
baiani.com.br

Continua após a publicidade

Chocolat du Jour
chocolatdujour.com.br

Levena
Rua Artur de Azevedo, 495, Cerqueira César| @levena_sp

Mestiço Chocolates
mesticochocolates.com

Pati Piva
patipiva.com.br

Renata Arassiro Chocolates
Rua Pascal, 1195, Campo Belo | @renataarassirochocolates

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.