Entra mais tarde, sai mais cedo: check-in dos hotéis está mesmo diferente?

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Talvez você tenha sentido ou visto nas redes sociais alguém reclamando a respeito nos últimos tempos. Os hotéis estão impondo horários de check-in cada vez tarde e de check out cada vez mais cedo?
No exterior, ou pelo menos nos Estados Unidos, não é mera percepção, mas a realidade.
Segundo Jeffrey Lolli, especialista em hospitalidade e professor da Universidade Widener, nos EUA, trata-se de uma mudança no mercado que começou antes da pandemia, mas que acelerou durante a crise sanitária.
Hotéis no mundo todo tiveram que demitir funcionários, uma vez que o setor foi um dos mais atingidos em uma época em que se viajou pouco ou quase nada. "Agora, esses estabelecimentos têm tido dificuldade em trazer as pessoas de volta, porque é um setor difícil, é um trabalho difícil", ele explicou ao site Thrillist.
Lolli se referia, especificamente, às pessoas em funções de camareira e arrumadeira. Com o fim da pandemia, muitas delas não voltaram aos antigos empregos, pois encontraram trabalhos que pagavam mais e tinham horários menos rígidos. Então, diversos estabelecimentos se adaptaram à nova realidade, preferindo manter equipes menores para reduzir custos de folha salarial.
Uma questão matemática
De acordo com um levantamento do Escritório de Estatísticas do Trabalho, um órgão do governo americano, os hotéis do país empregam, atualmente, 102 mil pessoas a menos no setor de governança (responsável pela limpeza, arrumação e organização) do que antes da pandemia.
Essa realidade se concentra mais nos estabelecimentos simples econômicos. Com menos funcionários de limpeza e arrumação, os hotéis precisam de mais tempo para deixar os quartos prontos para os próximos hóspedes. Logo, quem vai fazer check out precisa sair antes do usual e quem vai fazer check-in acaba tendo o quarto liberado mais tarde.
É a realidade do negócio, por mais que não deixe muita gente feliz. A mão de obra é o custo mais alto em qualquer setor de serviços, incluindo hospitalidade e hotéis, explica Lolli.
Nos estabelecimentos mais caros e refinados, as equipes são maiores, porque a arrumação e limpeza dos quartos acontece todos os dias. Em alguns, inclusive, essa manutenção ocorre mais de uma vez ao dia.
Por isso, sindicatos chegaram a fazer campanha, em 2023, pedindo que hóspedes dos hotéis cobrassem dos estabelecimentos uma faxina diária, não importa o nível da hospedagem. Isso ajudaria a manter empregos e a contrapor o argumento da indústria hoteleira, que vem insistindo na tecla de que não ter arrumação diária é melhor para os clientes.
A situação tem motivado debate. No fórum Reddit, trabalhadores do setor compartilharam histórias pessoais para tentar explicar os bastidores da administração de um hotel.
Um gerente escreveu que, no hotel em que trabalha, todos os funcionários trabalham 40 horas semanais, com dois dias de folga, mas que se o pessoal de limpeza e arrumação tivesse que deixar todos os quartos prontos em menos de duas horas seria preciso dobrar o número de trabalhadores, o que seria inviável.
Um outro confessou que arrumar os quartos em três horas é uma questão de matemática e sorte: é graças aos hóspedes que decidem sair antes e àqueles que sempre chegam no fim do dia que o hotel dá conta de todos os leitos.

Soluções alternativas
Se hotéis mais simples podem se ver em situações em que precisam equilibrar a folha salarial com a flexibilidade dos hóspedes, outros encontram soluções alternativas.
O que não é de hoje: a rede de hotéis butique Standard, do grupo Hyatt, oferece, desde 2016, um serviço em que você pode fazer check-in e check out na hora em que quiser - basta pagar uma taxa adicional.
A inglesa Hoxton e a chinesa Peninsula têm algo semelhante, e de graça. Basta que os hóspedes façam a reserva diretamente no site.
Há também plataformas tecnológicas que trazem alternativas ao modelo tradicional: a Dayuse conecta pessoas que querem um quarto apenas por algumas horas aos hotéis que querem maximizar a ocupação com essas micro-estadas. Já a indiana Brevistay é um marketplace em que hotéis vendem horas, não diárias: o cliente pode escolher se quer ficar três, seis ou 12 horas no quarto.
E no Brasil?
Por aqui, também é comum ver comentários ou reclamações nas redes sociais sobre a tendência de check-ins cada vez mais tarde. Com uma diferença: ela veio acompanhada, em 2024, de uma atualização da Lei do Turismo.
A versão atualizada da legislação permite que cada estabelecimento defina seus próprios horários de check-in e check out de acordo com suas características e necessidades operacionais. Nos dias de entrada e saída do hóspede, a diária é considerada um período de 22 horas.
Para Marcos Vilas Boas, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Estado de São Paulo (ABIH-SP), a atualização da lei serve para trazer segurança jurídica aos estabelecimentos. "Ela atualiza e formaliza uma prática que já era amplamente adotada pelo mercado hoteleiro brasileiro", diz.
Isso porque a versão anterior da lei afirmava que a diária compreendia um período de 24 horas, ou seja, ignorava o tempo necessário de arrumação do quarto após o check out. Então, na prática, os hotéis já vinham considerando a diária de entrada e saída dos hóspedes um período inferior a 24 horas.
Essa lei não se limita a oficializar uma prática antiga. Ela também oferece flexibilidade para que os hotéis possam atender às demandas operacionais e comerciais específicas de cada estabelecimento, considerando fatores como logística, público-alvo e categoria de hospedagem.
Por outro lado, a flexibilidade pode dar vazão ao sentimento compartilhado de que os hotéis estão impondo horários mais tardios de check-in e mais "madrugadores" de check out. "Não temos dados oficiais que confirmem que há uma imposição generalizada de horários cada vez mais tardios de entrada ou mais precoces de saída", diz o diretor da ABIH-SP.
Mas ele reconhece que o impacto da pandemia pode ter trazido mudanças significativas. A covid, afinal, transformou o setor.
"A necessidade de protocolos sanitários mais rigorosos e a redução no quadro de funcionários de limpeza afetaram a rotina operacional de muitos estabelecimentos, especialmente os pequenos e médios. Isso pode explicar ajustes em horários de check-in e check out, visando garantir a qualidade na limpeza e segurança sanitária."
O que há, segundo Vilas Boas, é a maior tendência à flexibilização, como no exterior. "Muitos hotéis estão começando a oferecer serviços adicionais como check-ins antecipados ou check out tardios, como uma comodidade opcional cobrada à parte. Esse movimento é positivo e atende aos hóspedes que buscam maior flexibilidade", acredita.
A generalização dos check outs cedinho pode até ser uma falsa impressão criada pela maleabilidade da nova lei. Mas o "early check-in" é uma tendência que está aí - é só pagar.
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