'Faltava só um documento': cerco à cidadania italiana frustra brasileiros

"Várias pessoas da minha família, como primos e tios, já têm a cidadania. Então decidimos que também queríamos fazer", contou ela. O processo inicial não foi complicado, pois os parentes já haviam reunido a maioria dos documentos necessários.

A ausência da certidão de nascimento dos avôs, que acabou se perdendo com o tempo, atrasou o processo —o que colocou Caroline e sua família nessa situação. "Meu irmão mora na França e foi até a cidade deles para conseguir um novo documento. Eu estava em contato com uma advogada para pedir ajuda também", explica.

Quando já tinha tudo em mãos, foi pega de surpresa. "Estou aguardando para ver se mudam alguma coisa. Alguns advogados dizem que talvez ainda seja possível conseguir [a cidadania] por vias judiciais, porque há quem alegue que esse decreto-lei é inconstitucional", afirma.

Povo foi às ruas

A brasileira Nátali Lazzari é genealogista e trabalha auxiliando brasileiros a obter a cidadania italiana. No dia em que conversou com a reportagem, ela estava em Roma e havia participado de uma manifestação contra a decisão do governo.

Isso não afeta apenas quem estava com o processo de cidadania em andamento, mas todos os descendentes. Famílias que moram fora da Itália e conseguiram o documento para um filho podem não conseguir para o outro.
Nátali Lazzari, genealogista

Ela conta que a Itália já encara há anos os pedidos de cidadania como um problema, vendo os imigrantes como responsáveis por diversas dificuldades internas. Para Natali, se a questão fosse apenas financeira —ou seja, se o país precisasse de mais recursos para receber essas pessoas—, bastaria aumentar o valor das taxas de solicitação. Atualmente, só para dar entrada no processo na Itália, é necessário pagar 600 euros.

Segundo ela, existe um movimento forte para convencer a sociedade de que liberar cidadanias representa um problema. E o assunto ganhou ainda mais notoriedade após uma reportagem revelar que existiam agências que "vendiam" o documento.

É uma narrativa simplista para um problema complexo. A imigração italiana para países como Brasil e Argentina, por exemplo, representa o maior êxodo da história moderna. Foram 26 milhões de pessoas que deixaram a Itália em busca de outras oportunidades. Eles têm uma espécie de dívida com os latinos.
Nátali Lazzari, genealogista

Sem saber o destino

"Foi muito frustrante [receber essa notícia]. Só não chorei ainda porque sou imigrante [ela mora no Canadá, atualmente], estou sempre trabalhando, e não deu tempo. Parece que minha ficha ainda não caiu", diz Caroline.

Ela e a família ainda não haviam investido muito dinheiro com o processo, mas por pouco não chegaram a contratar um advogado. "Eu já tinha feito até orçamento. Estava analisando a possibilidade de me mudar para o país."

Para ela, o pior é perder o direito de escolha.

Eu tinha direito a isso. Era algo que eu queria deixar para os meus filhos. A cidadania era importante para mim.
Caroline Mendes

A mudança de regra ainda precisa ser aprovada no Parlamento para se tornar definitiva —algo que pode acontecer em breve.

"A chance de revogação é razoável. Mas não há como prever, porque nem imaginávamos que essa mudança iria acontecer. Na Itália, há quem torça para que a medida seja aprovada, justamente para que possam levar o caso à Corte e alegar inconstitucionalidade", afirma Natali. Ela estima que a votação deva ocorrer em maio.