Teoria do Aeroporto: trend arriscada do TikTok pode fazer você perder o voo

Ler resumo da notícia
Uma nova tendência batizada de Teoria do Aeroporto, que viralizou no TikTok, defende que é possível chegar ao aeroporto faltando apenas 15 minutos para o fechamento do embarque.
Criadores de conteúdo argumentam que não há razão para chegar cedo e acusam os aeroportos de "enganarem" os passageiros ao sugerir uma antecedência considerada exagerada por eles.
No entanto, aeroportos são ambientes complexos e regulados, onde o improviso quase nunca é bem-vindo.
Para quem se arrisca, muitas vezes o resultado é o oposto do prometido pela trend: atrasos, correria, estresse e perda do voo. Além disso, a pressa dos passageiros também afeta funcionários dos terminais, que precisam lidar com confusões no embarque e usuários irritados por não conseguirem mais acesso à aeronave.
A reportagem de Nossa foi abordada por equipes de duas empresas aéreas relatando supostos influencers tentando gravar esse tipo de conteúdo para provar essa teoria.
No entanto, após perderem seus voos, esses influenciadores causaram problemas e transtornos para profissionais e demais passageiros, já que não há previsão de remarcação em casos como esse.
O que é a teoria do aeroporto?
Na prática, a Teoria do Aeroporto sugere que basta o passageiro chegar pouco antes do portão de embarque fechar, já que a maior parte dos processos pode ser antecipada digitalmente. O tempo recomendado pelos defensores da ideia é de apenas 15 minutos. Alguns ainda especulam que o tempo de espera ampliado seria uma estratégia dos aeroportos para lucrar com a permanência dos passageiros nos terminais.
Eles mostram vídeos cronometrando a chegada ao aeroporto, muitas vezes passando direto para o embarque sem sequer correr, sugerindo que todo o tempo recomendado pelos aeroportos é um exagero. Contudo, a tentativa de driblar o sistema nem sempre funciona como o esperado. Com a popularização da ideia, funcionários de companhias aéreas e aeroportos têm notado mais pessoas tentando embarcar no limite do tempo — e ficando para trás.
"Em diversos aeroportos, se todos chegam praticamente no mesmo horário, isso aumenta as filas e causa gargalos operacionais", explica Flávia Maciel Silva, gerente de Gestão da Latam no Aeroporto de Guarulhos (SP).
"Começamos o processo de encerramento do voo uma hora antes da decolagem. Depois disso, não há mais aceitação no sistema", diz a gestora. Ou seja, é preciso estar com o check-in feito com pelo menos uma hora de antecedência em voos domésticos ou mais em voos internacionais.
Após esse procedimento, as malas precisam ser encaminhadas para os aviões e a lista de passageiros precisa ser confeccionada, lembra Flávia. Por isso, chegar em cima da hora pode não ser uma boa ideia.
Antes de ler o bilhete
As empresas aéreas já oferecem diversas facilidades para agilizar as viagens dos passageiros. Na Latam, por exemplo, existe o check-in automático, realizado em todas as compras feitas no site da empresa, reduzindo o tempo de espera nos balcões dos aeroportos.
Na prática, o viajante recebe o cartão de embarque faltando 48 horas no celular e, caso precise despachar bagagem, pode enviar imprimir a etiqueta de identificação e entregar a mala.
No Aeroporto
A infraestrutura dos aeroportos nem sempre colabora para planos de última hora. Em São Paulo, por exemplo, o Aeroporto de Congonhas é conhecido pelo acesso complicado em horários de pico, segundo Raphael Ferreira Hernandez, gerente de segurança da Aena Brasil, concessionária que administra o local.
"Mesmo um trajeto de 5 km pode demorar 40 minutos de carro dependendo do horário e da região da cidade", afirma Hernandez. Segundo ele, há passageiros que chegam com tempo ajustado e não conseguem entrar no aeroporto a tempo por conta do trânsito.
Além disso, nem todos os passageiros conseguem evitar o check-in presencial. Quem precisa despachar bagagem deve comparecer ao balcão da companhia aérea com antecedência. Mesmo com totens de autoatendimento e sistemas automatizados, o despacho de malas demanda tempo, especialmente em horários de grande fluxo.
"O tempo de chegada não é apenas uma recomendação. É o mínimo necessário para garantir que todo o processo funcione", reforça Raphael.
Segurança
Mesmo com o check-in feito e sem bagagem, o passageiro ainda precisa passar pela inspeção de segurança, uma das etapas mais imprevisíveis e importantes antes do embarque. É nessa fase que ocorrem as filas mais longas.
Parte dos atrasos se dá por conta de objetos indevidos na mala de mão (como canivetes) ou da necessidade de revistas adicionais e aleatórias, que podem acontecer com qualquer um, inclusive quem está com o horário apertado.
"A leitura do cartão de embarque, a conferência de documentos, a triagem dos itens levados a bordo e os protocolos de segurança não podem ser reduzidos em nome da conveniência", diz Hernandez.
O próprio desenho dos aeroportos prevê tempo para essa fase. Se houver acúmulo de passageiros — algo comum em picos de operação ou quando há voos de companhias com horários próximos — o tempo de espera na inspeção pode dobrar.
"São procedimentos inegociáveis, que envolvem segurança nacional e proteção de todos os ocupantes da aeronave. Não há como pular ou acelerar essa parte", completa o gerente da Aena.
Em Congonhas, houve uma ampliação na quantidade de aparelhos de raio X disponibilizados, passando de 9 para 16 no total. Ao mesmo tempo, funcionários começaram a passar pela inspeção em outro local, deixando mais equipamentos disponíveis para os passageiros.
Chegando ao portão de embarque
Mesmo após a inspeção de segurança, o passageiro ainda precisa caminhar até o portão de embarque, um trajeto que pode ser muito longo dependendo do aeroporto. Em Guarulhos, por exemplo, dependendo do terminal e do portão designado, esse deslocamento leva facilmente 20 a 30 minutos após a inspeção de segurança.
"A estrutura do aeroporto exige que o passageiro percorra distâncias consideráveis. E, se houver atrasos na inspeção ou se o portão mudar de última hora, o risco de perder o voo aumenta muito", diz Flávia, da Latam.
Nos aeroportos administrados pela Aena, como Congonhas, essa logística também é levada em conta na orientação de chegada antecipada. "Há passageiros com mobilidade reduzida, pessoas com crianças pequenas ou viajantes que não conhecem o terminal. Considerar esse tempo extra é fundamental para garantir uma viagem tranquila", ressalta Hernandez.
O gerente ainda destaca que passar por esses gargalos é inevitável. "Fila você vai ter. Não é que não tenha, você vai ter. Só que a antecedência de chegada vai te permitir fazer os processos com tranquilidade. Se você tiver cometido algum equívoco, você consegue resolver com tranquilidade", conclui Hernandez.
Quanto tempo na prática?
Em Congonhas, o tempo médio para chegar até o portão de embarque pode ultrapassar os 15 minutos relatados na trend. Contando a partir da área de desembarque de carros, temos os seguintes tempos:
- 2 a 5 minutos até o ponto de leitura do cartão de embarque
- 5 minutos, aproximadamente, na fila da inspeção de segurança
- 3 a 5 minutos de caminhada até o portão de embarque
Ou seja, de cara, já são os 15 minutos caso não haja nenhuma intercorrência. Após a inspeção de segurança, por exemplo, os passageiros saem na frente dos portões 3 e 4 de embarque. Entretanto, o terminal vai até o portão 12, além dos embarques remotos, que podem levar mais tempo para serem acessados.
Depende do aeroporto
Os tempos relatados são estimados e variam de acordo com o horário. Em Congonhas, o pico de movimentação na inspeção de segurança ocorre entre 5h e 5h59min, quando cerca de 3.000 pessoas passam pelos aparelhos de raio X.
Em aeroportos menores, como Jericoacoara (CE), há menos aparelhos para realizar as inspeções de segurança. Se todos os 180 passageiros de um mesmo voo tiverem a ideia de chegar faltando apenas 15 minutos para o fechamento do portão de embarque, com certeza irão ficar para trás, já que os aviões não esperam os passageiros.
E se atrasar?
A recomendação das companhias e operadores segue sendo a mesma: para voos domésticos, chegar com pelo menos 2 horas de antecedência; para voos internacionais, 3 horas. Segundo Flávia, os passageiros que, por qualquer motivo, não conseguirem chegar a tempo têm alternativas para minimizar o prejuízo.
Ela afirma ser importante buscar ajuda pelos canais digitais da companhia antes mesmo de chegar ao aeroporto. "Se a pessoa já tiver certeza de que vai perder o voo, ela pode entrar em contato com a empresa pelo WhatsApp ou pelo chat do site e tentar remarcar", orienta.
A agilidade no contato pode fazer a diferença entre conseguir um novo embarque com menos custos ou perder completamente a viagem. "Quanto mais cedo o passageiro aciona os canais de atendimento, maiores as chances de resolver com alguma flexibilidade, dentro das políticas da tarifa adquirida", afirma Flávia.
Em resumo, a ideia de chegar em cima da hora pode até render curtidas nas redes sociais, mas na vida real, costuma terminar com portões fechados e malas ainda no saguão. Se o objetivo é embarcar sem sustos, vale mais confiar nos ponteiros do relógio do que em vídeos do TikTok.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.