Chef vê restaurante 100% vegetal e zero vegan lotar: 'Vai comer brócolis!'
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O que eu faço aqui não é uma cozinha vegana, é uma cozinha de vegetais. E existe um mundo gigante de diferença aí.
É com essa lógica surpreendente a gregos, troianos, carnívoros e veganos que o Tau Cozinha, dos chefs Fabio Battistella e Gabriel Haddad, propõe instigar a curiosidade e o gosto de qualquer um que procura algum novo encantamento na gastronomia — e oportunidades para unir diferentes dietas em uma mesa só.
A proposta, claro, intriga: por que não se vender como vegano? Por que entrar e um negócio 100% vegetal diante de um universo ainda tão dominado pelos ingredientes animais e inúmeras casas específicas em crise?
Foi com isso em mente que Nossa sentou com Fabio em uma das mesinhas do charmoso restaurante — que lotaria em poucas horas numa quarta-feira em plena Vila Madalena.
Hoje, a palavra que eu mais tenho pavor de ser dita aqui dentro é vegano. Porque a palavra vegana afasta, assusta, afugenta as pessoas. As pessoas não querem estar, as pessoas criticam, têm preconceito.

Do RH à boemia - pela cozinha
A cozinha surgiu para Fabio quando ele ainda era da área de RH de uma grande montadora. Dois anos de Itália, mais dois de Inglaterra e uma oferta de promoção (negada) depois, ele ingressaria no mundo das panelas.
Formado cozinheiro pela Cordon Bleu de Londres em 2000, ele "bitolou" na escola francesa.

Você só pensa em estrela e Guia Michelin, só aquela estética francesa. Isso é base de muitas coisas que eu faço na minha cozinha até hoje, mas fiquei um tempo nessas, lembra.
Antes do Tau, foram anos em restaurantes de fora, catering (incluindo o desafiador menu para atletas e delegações dos Jogos Pan-Americanos em 2007) e negócios no Rio de Janeiro (incluindo quatro bares com mais de 100 funcionários). "Era muita vontade e era muita loucura também", conta.
"O primeiro bar que eu abri no Rio representou uma mudança na cena de bares de lá. Eu tinha acabado de morar oito anos na Europa e só tinha botequim. É legal, mas eu queria tomar um drinque bom, ter uma comidinha e não só uma chapa de picanha", lembra.
Por uma vontade pessoal, combinada à oportunidade profissional, em 2008, surgiu o Mesa Bar. E assim foram anos de corre carioca. O que ficou foi uma paixão por boas bebidas — outra marca do Tau, com sua coquetelaria caprichada, fornecedores especiais, como Cia. Do Fermentados, e uma carta de vinhos naturais com curadoria de Lis Cereja.

"Terrivelmente vegano"
A paixão pelos verdes (amarelos, roxos, brancos, pretos... toda a paleta que a natureza proporciona), porém, é recente diante da extensa carreira do chef de 48 anos.
Eu nunca nem tinha pensado em trabalhar até uns 5 anos atrás com cozinha vegetal. Sempre comi carne a vida inteira e em algum momento estava me incomodando a questão animal, ideológica, ética e de saúde também. Fiquei uns dois anos e meio de 100% vegano. Depois, terrivelmente vegano, recorda.
Fabio começou a questionar muitos veganos e hábitos de uma comunidade que pode beirar o fanatismo em alguns momentos e a hipocrisia em outros.
Vale usar bota de couro? E consumir produtos de uma grande rede se supermercados que não tem uma conduta correta com funcionários, que tem seguranças que batem em cachorro? Comer o hambúrguer de planta que tinha aporte de um grande banco pode?

A conta do boom vegano é alta, como disse. Pode fazer bem para o meio-ambiente daqui, mas acabar com a saúde do consumidor dali, graças aos muitos estabilizantes. Fabio percebeu, por exemplo, que em nome dos pratos veganos disponíveis, abrira mão de uma nutrição balanceada, que ignorou intolerâncias em nome do veganismo.
Foi com um curso de Eliane de Azevedo, nutricionista, socióloga, autora e podcaster do Panela de Impressão, que Fabio começou a organizar ideologia e próximos passos.
"Não como creme de leite vegano, hambúrguer vegano. Não ando só com veganos. Não quero ser da galera que segrega, que só faz comida só pra eles. Como disse a Eliane, a melhor militância é o exemplo", conta.
Vejo quem come frango vegano, camarão vegano... assim, vai comer um brócolis! Você é vegano, vai comer uma coisa gostosa, saudável de verdade, crava.
Hoje, Fabio consome carne "quando dá vontade" e mantem uma alimentação 90% vegana, sem culpa. A defesa agora é pela redução do consumo de produtos animais. "Considere mais que refeições vegetais. Isso já vai fazer uma diferença enorme pra todo mundo e pra tua saúde", diz.
Uma cozinha de verdades
De volta a São Paulo, Fabio foi chef-executivo de produção da Cordon Bleu, em que teve como um dos seus alunos mais destacados o agora sócio Gabriel Haddad — que, durante a entrevista, mal aparecia dentro da cozinha aberta, numa implacável concentração.

Durante a onda dos veganos pouco antes da pandemia, a ideia de Fabio era abrir uma sanduicheria vegana. Porém, em 2022, uma série de jantares com receitas vegetais da dupla começou a fazer sucesso e acender uma vontade maior.
Não era hambúrguer de ervilha, moqueca de banana, estrogonofe de palmito. A gente começou a ver que a experiência vegana por aí é o que mais joga contra a comida vegana. Muito do que se via era uma cozinha sem técnica, que imita algo inimitável. Frango vegano não mata vontade de frango, diz.
Já viu algo com o nome de "pareamento de sabores" soar saboroso? Pois é um dos maiores lemas do Tau, como explica Fabio apaixonadamente:
"Pareamento de sabores é quando você quebra os elementos químicos de um ingrediente e combina. Isso vai criando um funil de pareamento de sabores. Depois é só a gente brincar com textura, com método de cocção, apresentação, textura, técnica, o ofício do chef", explica. Arroz e feijão? Sim, a explicação é científica.

Cada prato "precisa ser uma experiência" e "especial", mas não em comparação com um prato de churrascaria. Por ser melhor ou pior? Não. Por dar muito mais trabalho.
Nada bate a textura da carne e no máximo ela está acompanhada de um purezinho e um leguminho. Os nossos pratos não. Lá tem várias coisinhas acontecendo. Não mais difícil, mas mais trabalhosa.

A resposta do público tem sido surpreendente. E a cara dos frequentadores, observada em duas visitas da reportagem, também: longe daquele climão de plantas, móveis de pellets e cara de loja de artesanato, o Tau atrai mulheres jovens, mais velhas, homens descolados também de várias faixas etárias.
"A nossa comida está despertando efetivamente emoções nas pessoas", afirma, citando os campeões katso sando com shitake, tarê de tâmaras e kole verde, além do surpreendente sucesso linguini ao missô pesto e crocante de batata-doce, cuja história está nas caprichadas redes sociais da casa:
Vejo que a gente entrou num lugar que daqui a pouco você vai ver mais restaurantes assim, profecia e torce.
Nos últimos anos, Fabio enumera poucos lugares com proposta semelhante, entre eles o 31, de Raphael Vieira, fechado em 2024 — hoje o chef comanda o Alba, com proposta onívora. "Eu amava, mas ele tava 10 anos à frente", lamenta.
Por enquanto, só "jogam contra" os veganos que fazem questão da bandeira e segregação e a insistente rejeição dos pódios gastronômicos.
Você não vê um restaurante vegetariano ganhando destaque do ano ou um chefe vegetariano como revelação. Só que isso precisa ter mais destaque, mais visibilidade, mais as pessoas olharem não com medo porque a gente tá acabando com o mundo.
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