Cão e gato podem conviver? Veja como introduzir novo pet à família

A consultora financeira Marina Prado, 29, está prestes a se casar e se mudar para a casa do noivo, João Pedro, 26. Junto com ela, irá o Bartholomeu, seu cão de 9 anos, que costuma ser arredio na presença de outros animais. O maior desafio do casal não é escolher a cor das paredes da nova casa ou a lista de convidados do casamento, mas sim fazer dar certo a nova configuração da família que eles querem formar. Isso porque João Pedro também tem um animal de estimação, a gata Torvi, que já vive com ele na casa que receberá os novos integrantes.

A aproximação dos animais vem acontecendo progressivamente desde agosto do ano passado, quando cientes do desafio, o casal buscou a orientação de uma veterinária comportamental. "Sabíamos que a adaptação não seria simples, porque o Bartô nunca conviveu de perto com gatos e tem um histórico de agressividade com outros animais. Já a Torvi é muito tranquila, mas o jeito agitado dele acabou assustando ela no começo. Por isso que buscamos ajuda profissional, para nos ajudar a fazer essa aproximação de forma respeitosa e sem estresse", explica Marina.

Esse cuidado que o casal teve, porém, ainda é incomum ou nem sempre é viável. Muitas vezes, a chegada de um novo animal acontece de forma impulsiva, seja para fazer companhia ao pet que já está na casa ou simplesmente por uma decisão afetiva. Em outros casos, a adoção não é uma escolha, mas uma necessidade: o animal pode vir de uma situação inesperada, como a morte de um parente que não tinha mais ninguém para cuidar do pet. Nessas situações, a adaptação pode ser mais difícil, levando a casos em que a convivência fica inviável.

Esse foi o caso da planejadora de eventos Virginia Chagas, 45, que já convivia com dois gatos, Formiga e Marmota, quando, em um momento de fragilidade pela morte do pai, acabou adotando uma filhote que encontrou na rua.

"A Formiga se isolou completamente, criando uma toca dentro do armário. Ela não saía de lá e parou de comer. Tentei isolá-la em outro quarto por um tempo, mas percebi que isso não estava ajudando. No fim, optei por doar a filhote para uma prima, para preservar o bem-estar de todos os gatos da casa", relata Virginia.

Marina Prado e Bartholomeu, seu cão de 9 anos
Marina Prado e Bartholomeu, seu cão de 9 anos Imagem: Arquivo pessoal

De acordo com especialistas, é um equívoco pensar que por serem "apenas animais", a convivência entre os bichinhos de estimação acontecerá de forma natural, sem considerar as particularidades comportamentais de cada espécie.

"Muitas vezes, um cão que aparenta estar 'agressivo' com um novo animal está, na verdade, tentando lidar com suas próprias emoções. Ele pode sentir medo, insegurança. O mesmo vale para cães que brigam por comida ou gatos que disputam a atenção do tutor. O que para nós pode parecer um comportamento inaceitável é, na verdade, completamente natural para eles. Isso não significa que não possamos trabalhar para melhorar a convivência, mas exige paciência e uma abordagem respeitosa", explica Letícia Orlandi, pós-graduada em comportamento animal.

O que levar em consideração?

Se você está pensando em morar com alguém que já tem um animal ou deseja trazer um novo pet para sua casa, o primeiro passo é avaliar se o animal que já vive no ambiente tem todas as suas necessidades atendidas. Segundo especialistas ouvidas por Nossa, não basta apenas garantir alimentação e cuidados básicos — é essencial proporcionar tempo de qualidade e um enriquecimento ambiental, através de brinquedos, mordedores, estantes aéreas, tocas, túneis etc.

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"Mais do que a quantidade de interação, o fundamental é a qualidade desse vínculo, respeitando as necessidades específicas de cada espécie", destaca a veterinária comportamental Ana Luíza Lopes, mestre em manejo comportamental pela Universidade de Lincoln, na Inglaterra.

Além do histórico social dos animais, é essencial considerar fatores como idade e espécies. Geralmente filhotes são mais tranquilos de serem colocados em convivência, enquanto animais adultos são mais inflexíveis. Os gatos tendem a ser mais territorialistas e sensíveis a mudanças de ambiente, enquanto cachorros demandam mais interação com os tutores.

Outro fator diz respeito a experiências negativas que um dos animais possa ter tido com outro ou mesmo o local onde ele residia antes. Por exemplo, um cachorro que viveu solto em uma fazenda pode ter aprendido a caçar pequenos animais. Se ele muda para um apartamento onde há um gato ou mesmo um pássaro, isso pode ser um problema.

Aina Bosch, veterinária comportamentalista pela UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco), defende que quando a adaptação envolve cães e gatos, é essencial priorizar os felinos. Isso porque, enquanto o cachorro pode ser conduzido com coleira e direcionado por meio de passeios e treinos, o gato precisa ter um espaço seguro e exclusivo dentro da casa.

João Pedro e a gata Torvi
João Pedro e a gata Torvi Imagem: Arquivo pessoal

"O ambiente deve passar por um processo de 'gatificação', com a inclusão de estantes, prateleiras e tocas aéreas, garantindo que o gato tenha rotas de fuga e locais seguros para observar o ambiente do alto. Além disso, é fundamental ensiná-lo a utilizar esses recursos antes de introduzir o cão no espaço, para que ele se sinta mais confiante e consiga lidar melhor com a nova dinâmica da casa", explica Aina, que é pós-graduada em etologia clínica.

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Segundo Orlandi, o ideal é separar completamente o novo animal dos que já vivem na casa no primeiro momento. Isso vale para qualquer espécie. "Um erro comum é colocar o animal residente em um cômodo separado e dar a casa toda para o recém-chegado. Isso pode gerar insegurança. O ideal é que o novato fique em um ambiente separado, com todos os recursos necessários —comida, água, caixa de areia (se for gato), locais de descanso e brinquedos", reforça.

Lopes ressalta que a forma como os tutores lidam com o processo de adaptação impacta diretamente o comportamento dos animais, já que eles são muito sensíveis ao estado emocional de seus tutores. "Se o tutor está tenso e inseguro, os animais tendem a ficar mais alerta e estressados. Eles percebem a energia do ambiente e reagem a ela", afirma. Por isso, a veterinária diz que, além de focar na adaptação dos animais, muitas vezes é essencial orientar os tutores, ajudando-os a conduzir o processo com mais calma e segurança, o que pode fazer toda a diferença no sucesso da integração.

Como fazer a adaptação entre animais?

A adaptação entre animais deve ser feita de forma gradual, sem pressa ou ansiedade. O processo deve respeitar o tempo e as necessidades individuais de cada um, garantindo que a introdução ocorra de maneira segura e tranquila.

Separação inicial

Inicialmente, o novo animal deve ser mantido em um cômodo separado, sem contato direto com o residente;

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O espaço deve conter comida, água, brinquedos e um local confortável para descanso;

Evite retirar do animal residente o acesso a áreas que ele já considera suas;

A duração dessa fase varia conforme o comportamento dos animais; só avance quando o novo animal estiver confortável, ou seja, comendo, brincando e dormindo normalmente.

Introdução gradual de odores

Troque panos, cobertores ou objetos entre os animais para que se acostumem com o cheiro um do outro;

Passe a mão em um dos animais e, sem lavar, acaricie o outro, promovendo a troca de odores;

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Posicione os potes de comida e água próximos à porta que os separa, criando uma associação positiva com a presença do outro.

Primeiro contato visual

Utilize barreiras físicas seguras, como telas ou portões, para permitir que os animais se vejam sem contato direto;

Observe atentamente sinais de relaxamento ou estresse, como postura tensa, rosnados ou tentativas de fuga;

Só avance para a próxima etapa quando ambos estiverem tranquilos na presença um do outro.

Interação supervisionada

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Permita encontros curtos e sempre supervisionados;

Certifique-se de que o ambiente tenha rotas de fuga, permitindo que os animais se afastem caso se sintam inseguros;

Recompense comportamentos calmos com petiscos e carinho para reforçar associações positivas.

Expansão progressiva da convivência

Aumente gradualmente o tempo de contato, respeitando o conforto dos animais;

Introduza atividades conjuntas, como brincadeiras ou alimentação paralela, sem forçar interações;

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Continue supervisionando as interações até ter certeza de que a convivência é segura e harmoniosa.

Vai demorar?

As especialistas destacam que o processo de adaptação pode levar semanas ou até meses, dependendo da personalidade e do histórico dos animais. Mesmo com dedicação, a convivência harmoniosa nem sempre é possível, e forçar a interação pode resultar em estresse crônico, comprometendo o bem-estar e a saúde dos animais.

Em casos mais desafiadores, o uso de ferramentas como feromônios sintéticos pode ser uma alternativa eficaz, ajudando a transmitir uma sensação de segurança e conforto aos animais durante a transição. Além disso, a ajuda profissional deve ser levada em consideração.

Para a professora Deise Luz do Espírito Santo, 36, a convivência harmoniosa entre seu cachorro, Floquinho, e seus gatos, Chico e Órion, só foi possível após ela seguir à risca as orientações passadas por uma consultora contratada em 2020. "O que mais me marcou nesse processo foi entender que a integração de animais vai muito além da adaptação entre eles. Envolve repensar o ambiente, a rotina da casa e até a nossa própria forma de viver. Tudo passa por uma transformação para que todos os seres do lar se sintam parte dele, cada um à sua maneira, respeitando suas individualidades e necessidades", diz.

O que não fazer na adaptação entre animais:

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Não force a aproximação. Nunca coloque um animal diretamente para cheirar o outro com a intenção de acelerar o processo. Isso pode gerar estresse e reações negativas.

Jamais tente separar uma briga com as mãos. Isso pode resultar em mordidas e arranhões graves. O ideal é utilizar barreiras físicas, como um pedaço grande de papelão ou um cobertor, para interromper o contato visual e acalmar os animais.

Evite punições. Repreender ou brigar com os animais pode tornar a experiência ainda mais negativa. O foco deve ser reforçar comportamentos calmos e incentivar interações positivas por meio de recompensas.

Fique atento a sinais de estresse:

Se os animais passam a fazer as fezes fora do local em que estavam acostumados;

Alteração nas fezes e na alimentação;

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Muitos bocejos e salivação excessiva em cachorros;

Problemas dermatológicos nos gatos.

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