De LSD a bruxas: ilha italiana de apenas cem habitantes é repleta de lendas

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Mais remota ilha do arquipélago das Eólias, ao norte da Sicília, a italiana Alicudi tem uma reputação curiosa: ela é uma espécie de lar natural do ácido lisérgico, a droga alucinógena conhecida como LSD.
Um passado de heróis mitológicos, bruxas e drogas
Alicudi se formou pelo extinto vulcão Montangnola há cerca de 150 mil anos, de acordo com estimativas do museu americano Smithsonian, mas só se tornou habitada na Idade do Bronze, entre os séculos 17 e 13 a.C., segundo as evidências arqueológicas mais antigas achadas até então, publicadas em 2020 pela Universidade do Sul da Flórida.

Relatos do historiador grego Diodoro Sículo, que viveu no século 1 a.C., apontam que os gregos começaram a ocupar as Ilhas Eólias logo depois, há pelo menos 3.200 anos. Seu nome, aliás, teria vindo de Éolo. Na mitologia grega, estas ilhas eram habitadas por este filho de Posêidon, que era o deus dos ventos. Já no relato de Diodoro, Éolo, filho de Hipotes, era rei de Lípara e teria recebido o herói Ulisses da Odisseia ali.

No entanto, o processo de colonização de Alicudi e suas vizinhas teria ocorrido volta do ano 580 a.C., de acordo com estudos arqueológicos.

Os gregos teriam chamado Alicudi de Ericusa, a "ilha roxa", por causa da vegetação ao redor da cratera do vulcão extinto. Dali, os colonizadores atacavam etruscos e fenícios. Mas os gregos logo deram lugar aos cartagineses, aliados dos moradores nas Guerras Púnicas contra os romanos. Décadas depois, romanos e, mais tarde, povos bárbaros viriam a ocupar a ilha, como confirmaram fragmentos de cerâmicas da sua costa oriental.

Durante séculos, Alicudi era alvo frequente de piratas e, por isso, os moradores se refugiavam nas casinhas nas encostas — onde vivem até hoje. Ironicamente, na cultura local, a cor roxa que deu nome a Alicudi nos tempos dos gregos é um símbolo de maus presságios. Mas é difícil saber se a má fama não tem a ver com a turbulenta trajetória do vilarejo.

Pesca e agricultura básica, com o cultivo de frutas como o pêssego, eram essenciais para a sua sobrevivência. Mas foi o hábito de produzir o próprio pão que provocou um imbróglio por séculos.

Desde 1600 — época dos primeiros assentamentos modernos — até a década de 1950, os moradores cultivavam centeio, que depois ia parar em suas fornadas de pães, revelou uma reportagem da rede americana CNN em 2017. Por causa do clima abafado e úmido, crescia naturalmente nele um fungo chamado ergot (ou esporão-do-centeio).

Visualmente, ele se parece com um chifre preto que sai da planta, mas os moradores não sabiam que ele era o ingrediente essencial para a produção de uma droga poderosa, o LSD, uma descoberta que só seria feita pelo químico suíço Albert Hofmann nos anos 1940. Com a escassez de alimentos, quem vivia em Alicudi, durante séculos, não deixava de comer todos os dias o pão alucinógeno que provocou histeria em muita gente.

O envenenamento contínuo da população pelo "chifre do diabo" causou ergotismo, uma doença que tem como sintomas gangrenas, convulsões, mania e psicose. As pessoas entravam em transe, perdiam a consciência e descreviam visões: assim, começaram a surgir lendas de mulheres voadoras, chamadas de "maiara", ou "feiticeiras" no dialeto local.

À noite, essas bruxas encaravam espelhos, cobriam seus corpos com unguentos e voavam pelo mar indo às compras em Palermo ou na Calábria. Reza a lenda, elas traziam para casa as comidas e agrados que não existiam em Alicudi.

Mas nem todos os relatos eram assim tão consumistas ou inofensivos. As mais cruéis naufragavam barcos pesqueiros e jogavam olho gordo e maldições em seus inimigos. Quem fazia amizade com elas poderia conseguir benefícios, já que as bruxas poderiam curar bebês de vermes na barriga.

Outros contos mais curiosos envolvem fantasmas que defecavam atrás de arbustos, homens que viravam burros, vacas ou porcos, ou ainda sacos de maconha falantes. Até hoje, de acordo com reportagem da revista Vice italiana, há quem acredite que estas criaturas mágicas existiram e não aceite a teoria do "centeio louco".

A última "maiara" teria morrido em 1948. Tentando entender do que se tratava o secto de humanos voadores, Peppino Taranto, dono do único hotel de Alicudi, o Ericusa, perguntou a um bispo o que acontecia por lá.
Ele me disse que essas pessoas tinham feito um pacto com o demônio para conseguir ter poderes mágicos e voarem, assim como Simão Mago teria feito para confrontar São Pedro no Novo Testamento. Ele foi o primeiro herético do cristianismo, que Dante colocou no Inferno da Divina Comédia. Peppino Taranto à rede americana CNN
Os moradores teriam sido adoradores de Simão Mago (Atos 8:9-24), que teria caído dos céus sobre Roma após orações de São Pedro para que os demônios o abandonassem, segundo textos apócrifos. Algumas das tais bruxas de Alicudi teriam caído de suas janelas tentando voar. As histórias sobre as maiaras, seus maridos que se enciumavam com a vida dupla que elas levavam, ainda persistem.

A ilha, de certa forma, também sobrevive de seu passado místico. A casa onde o centeio era moído e os pães eram produzidos ainda existe e virou uma hospedaria, a Casa Mulino. Pacata e sem carros, o turismo é realmente não só um atrativo para quem vem de fora, mas para quem vive lá.
Os fotógrafos Marrese e Gabriele Chiapparini registraram no livro "Thinking Like an Island" como, fora da temporada, seus cerca de cem moradores só têm diversão indo até o porto e vendo quais barcos chegam. Eles também não abandonam a tradição de sua procissão anual a São Bartolo. E, de certa forma, são guardiões de uma memória coletiva de tempos bem mais loucos.
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