Que tipo de vinho tinto é bom para tomar gelado no verão?

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Com o calor escorchante, vinhos tintos não vêm imediatamente à cabeça. Mas, respeitados alguns critérios, é possível curtir uns copos geladinhos, especialmente após uma bem-vinda chuva, quando a temperatura fica um pouco mais adequada para humanos.
O principal ponto de atenção é evitar vinhos tânicos. O motivo é simples: os taninos são responsáveis pela sensação de adstringência na boca (aquele amarrado que lembra chá preto). E, quanto mais baixa a temperatura, mais eles sobressaem
O risco é abrir a garrafa com a expectativa de saborear um fermentado de uvas e acabar com a sensação de ter tomado um concentrado de caqui verde.
Outras características às quais ficar atento são justamente a estrutura e o corpo do vinho — e os taninos também têm a ver com isso. Para deixar algumas horas na geladeira, é melhor que ele seja leve, normalmente com aromas puxados para as frutas (embora, às vezes, algum vinho mais terrosinho também venha bem), e que transmita uma ideia de frescor.
Evite, pelos mesmos motivos, vinhos que tenham presença evidente de madeira. Os barris de carvalho importam taninos e estrutura. Melhor deixar aquele Rioja ou Bordeaux para outro dia

O mesmo raciocínio vale para aqueles vinhos que estagiaram por longo tempo em barris (mesmo os velhos, que não deixam característica de madeira no líquido) ou em garrafa. O envelhecimento, que é bom para alguns vinhos, tende a matizar os aromas frutados e frescos. Portanto, se a safra já tiver mais de dois ou três anos, desconfie.
Outra dica: vinhos muito alcoólicos não funcionam. Fique com aqueles que, no máximo, chegam aos 13 graus.
Por fim, refrescância e acidez são quase sinônimos. Aquele vinho anos 90, cheio de corpo e que parece uma compota na boca não é o que estamos buscando nos dias de calor. Prefira aqueles que são agradavelmente ácidos, que fazem você salivar e querer o próximo gole
O diabo é que quase nenhuma garrafa diz no rótulo: "Este é um vinho estruturado, tânico, que deve ser tomado quando o inverno voltar (se voltar, né?)". Mas, com um pouquinho de conhecimento, dá pra fazer escolhas certeiras.
Aqui vão algumas variedades de uvas tintas e denominações que quase sempre são amigas da geladeira:
- Gamay (a uva emblemática de região de Beaujolais)
- País (chamada assim no Chile. Na Argentina, criolla chica, nos EUA, mission, e na Espanha, listán prieto)
- Cinsault
- Frappato
- Trousseau e Poulsard (uvas da região do Jura, na França)
- Lambrusco (esta todo mundo toma gelado mesmo)
- Barbera
- Valpolicella (os mais simples) e Bardolino (denominações do Vêneto)
Virtualmente todas as uvas podem render um vinho para tomar gelado, dependendo de como ele é feito. As seguintes são assim. Podem ter mais ou menos estrutura. Abuse do conhecimento do vendedor ou do sommelier na hora de comprar:
- Pinot noir (melhor ir nos menos caros. Nada de gelar demais um grand cru da Borgonha)
- Grenache (garnacha, cannonau e outros nomes)
Aliás, sobre esse negócio de vinificação, vale a pena apontar uma tendência. Produtores mais jovens, frequentemente vinculados aos vinhos naturais, estão fazendo alguns rótulos que, pela vinificação, acabam rendendo vinhos mais fáceis de tomar geladinhos (vins de soif, em francês, às vezes também chamados de glou-glou). Assim, mesmo uvas que normalmente não seriam associadas a esse estilo de vinho, como cabernet franc e syrah, acabam entrando na brincadeira.
Outro fenômeno recente é o dos claretes. São vinhos feitos com uvas tintas com baixa maceração, ficando muito próximos dos rosados. Pode tocar no gelo sem medo, mas cuidado: os britânicos às vezes usam o termo "claret" para se referirem aos tintos de Bordeaux, que são outra história.
No programa Vamos de Vinho desta semana, eu e Vinicius Mesquita falamos bastante dos tintos de verão. Veja abaixo um trecho e clique aqui para ver o programa completo.
Teste com uvas de fora de Bordeaux sugere que blend mantém tipicidade
Um estudo publicado no jornal Oeno One misturou uvas de fora de Bordeaux com as clássicas da região (cabernet sauvignon, merlot, cabernet franc e petit verdot) e não achou variação significativa na tipicidade dos vinhos. As castas forasteiras chegaram a proporções muito altas na mistura (até 30%) do experimento. As que se saíram melhor foram arinarnoa e duras. Vinhão, fer servadou e manseng noir apresentaram leve alteração.
Vale observar que, das cinco, somente arinarnoa faz parte das variedades que foram aprovadas, em 2021, para uso mínimo no blend de Bordeaux, como medida de preparação para o aquecimento global (para saber mais sobre isso, vai lá no videocast Vamos de Vinho sobre Bordeaux).
Uma uva: cinsault

Mencionada ali em cima, a cinsault é uma uva mediterrânea que, tradicionalmente, era usada somente em cortes de tintos ou na produção de rosados. O Chile mudou essa história e hoje faz tintos deliciosos para tomar geladinhos, despretensiosamente. Às vezes o próprio rótulo sugere esse tipo de consumo, como o Glup! tinto, da vinícola Longaví.
Espere frutas vermelhas como framboesas e cerejas, um leve floral e, às vezes, um toque terroso e defumado. Vai que é uma beleza com um churrasco ao ar livre, na sombra. Curiosidade: a palavra quase homófona samsó é utilizada normalmente na Catalunha para outra cepa, a carignan.
O caro da semana

Há tempos estava curioso sobre a La Grande Bellezza, vinícola de Pinto Bandeira, na Serra Gaúcha (homônima do filmaço do Paolo Sorrentino). Outro dia, tomei o Baraonda 2020. O nome deve ser referência ao corte-confusão de touriga nacional, petit verdot, tannat e merlot.
Tem fruta vermelha de bosque com uma "fuga para o violeta", uma sugestão de mirtilos e de anis. Algo de passa, mas sem sobremadurez marcante. Não é "cozidão". A madeira é bem empregada. Belo vinho, mas prepare o bolso: custa R$ 470 no site da vinícola (dá pra achar mais barato em algumas lojas online).
O barato da semana

Vinho laranja costuma ser associado ao movimento dos naturais ou a vinhateiros que imprimem uma marca autoral. Não é obrigatório. Se uvas brancas forem maceradas por tempo longo, como nos tintos, teremos um laranja, mesmo que produzido em escala maior.
Parece ser o caso do Suntana Summer Moscato 2023. Algo de fruta amarela, como pêssego e nêspera, junto com cítricos mais "pesados", como pomelo. Um pouco de pimenta branca e um aroma que me remeteu a refrigerante de laranja. Leve e agradável, sai R$ 74,90 na Amazon (se você comprar por esse link, o UOL ganha uma comissão).
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