Vai pra Cuba... ou China ou Rússia: agência explora turismo socialista

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Em 2022, Cauê Araújo precisou lidar com uma mudança de plano inesperada. Tinha uma viagem agendada para o Irã que não acabou se realizando, mas um conhecido seu, Rodrigo Ianhez, perguntou se ele não topava mudar o destino, para ali pertinho.
A ideia era se encontrar na Geórgia e depois seguir para a Armênia. Cauê topou. Sabia que esses dois países do Cáucaso esbanjam paisagens naturais e culturas ricas e antigas. Além disso, teria a companhia de Rodrigo, que conhecia a região.
Historiador, Ianhez começou a faculdade em São Paulo e terminou em Moscou, para onde se mudou em 2011. Especializou-se em história da antiga União Soviética e começou a trabalhar como guia de turismo na Rússia e em outros países soviéticos, como as próprias Geórgia e Armênia.
O Rodrigo gosta muito do Cáucaso, foi realmente incrível conhecer a região tendo ele como guia, diz Cauê.
Foi aí então, na Geórgia, que eles tiveram o estalo.

O outro lado do mundo
Formado em biblioteconomia, Cauê é empreendedor. Já criou uma editora e uma plataforma de cursos online de formação política. A dupla ligou os pontos e decidiu lançar uma empreitada: uma agência de viagens focada em destinos "fora do comum".
A Estrela Vermelha abriu as portas há pouco mais de um ano. Seu primeiro roteiro, em novembro de 2023, foi, justamente, Geórgia e Armênia.
A agência já realizou, até o momento, viagens para sete países. Foram 61 cidades e 17 patrimônios da Unesco visitados.
Ela acrescentou roteiros para lugares que não integravam a URSS, mas que se encaixam no quesito "diferentão para brasileiros". "É uma proposta nossa fazer roteiros que compreendam lugares pouco conhecidos por brasileiros e que temos vontade de mostrar", diz Araújo.

A ideia também é ajudar a desmistificar preconceitos que possam existir com esses países. "Viajamos para debater e conhecer mais profundamente a história desses lugares", explica.
Segundo Ianhez, países que sofrem sanções econômicas são os mais difíceis de operar. "Todos os fornecedores (transportes aéreo e terrestre, hotéis, atrações etc.) têm que ser pagos com antecedência. Não temos como usar o sistema Swift para isso", explica, referindo-se à rede que conecta bancos e instituições financeiras do mundo inteiro, facilitando transações internacionais.
Para ele, até o momento, o roteiro mais desafiador nesse sentido foi o Irã. "Não pela situação local do país, mas pelas ameaças de Israel", diz.
Quem vai

Em tempos de polarização política, a Estrela Vermelha parece conhecer bem seu público.
Oferecemos um serviço de turismo nichado para um público que se entende politicamente como de esquerda (cabendo aqui vários espectros da esquerda), diz Araújo.
"A possibilidade de viajar com outras pessoas que se alinham politicamente com quem escolhe viajar conosco é uma vantagem interessante", acredita.
Mas é nas questões logísticas que o serviço de uma agência, qualquer que seja a proposta e perfil da empresa, tem mais espaço para brilhar e conquistar o cliente (ou gerar férias frustrantes). A Estrela Vermelha, justamente por sua linha de atuação, precisa trabalhar em um terreno espinhento nesse sentido.
Rússia ou Cuba não são países fáceis para o turista. E é justamente na função de facilitar a vida do viajante que a agência tem a chance de mostrar seu potencial a um público que tem mais resistência a viagens do tipo.
Araújo conta que a maioria dos clientes nunca tinha viajado antes com uma agência ou em excursões.
É um público até mesmo resistente a essa ideia de viagens em grupo, mas que acaba se surpreendendo com o nosso modelo. Os roteiros não abrangem somente as rotas comuns nesses países, diz.

"A viagem em grupo ganha outras conotações, bem diferentes dos roteiros nada personalizados oferecidos pela maioria das operadoras e agências de turismo."
A dupla explica que a programação de cada viagem é previamente definida, a partir de locais que eles já visitaram, tomaram nota e se certificaram de que vale a pena incluir no roteiro. Só depois disso eles montam os pacotes oferecidos.
Os guias da empresa falam russo e mandarim, além de inglês, espanhol, francês e português, o que ajuda um bocado a transitar em lugares onde muitas vezes ninguém fala nada além da língua materna. Antes da viagem, a agência oferece um curso básico no idioma do destino.
Em alguns países, há também o apoio de agências locais, "seja por facilitação ou por obrigatoriedade para operar", explica Ianhez. "É o caso de Cuba, Irã, China ou Coreia do Norte. É um incentivo dos governos para fomentar o turismo e girar a economia localmente."

Os grupos normalmente ficam em torno de 15 pessoas, mas nas viagens para Cuba a excursão gira entre 25 e 30 turistas. A duração também varia de roteiro para roteiro. Enquanto as viagens para Cuba têm cerca dez dias, a da ferrovia Transiberiana dura 25 dias.
"Roteiros como a Transiberiana tendem a atrair um público acima dos 50 anos. É uma viagem que requer mais tempo disponível e maleabilidade com datas, pois sempre realizamos em setembro", explica Araújo.
Roteiros como Cuba, que ficam abaixo de 2 mil euros e acontecem em janeiro e abril, atraem um público mais diverso, trabalhadores mais jovens, professores, profissionais liberais etc.
2025 e os "destinos da vez"

Para 2025, a Estrela Vermelha está com a programação agitada. A agência tem viagens agendadas para Cuba, Coreia do Norte, Geórgia e Armênia (podendo esticar para o Azerbaijão), China (com opção de seguir para a Mongólia), Transiberiana e Irã, além de um roteiro comemorativo para lembrar os 80 anos da vitória sobre o nazismo na Rússia. Ainda há a possibilidade de oferecer roteiros para o Vietnã e para o Ártico russo para ver a aurora boreal.
Mesmo o país menos óbvio dos operados pela agência, a Alemanha, está lá para ser explorado sob um ponto de vista específico: 15 dias para conhecer a história, as curiosidades e a nostalgia sentida na antiga Alemanha Oriental. Esse roteiro não está na programação de 2025.
O desmantelamento da União Soviética e o fim da Guerra Fria lançaram uma coleção de novos países nos atlas escolares e um punhado de destinos lindos que, até então, eram pouco receptivos e estruturados para turistas ocidentais.
Hoje, países como Tchéquia, Hungria e Croácia são destinos tremendamente populares, com cidades como Praga e Dubrovnik sofrendo até com turismo excessivo. Nos anos 1990 e 2000, por outro lado, esses lugares eram novidades vistas como alternativas.
Perguntado se algum outro lugar do antigo bloco socialista tem potencial para ser o próximo da moda, Ianhez aposta no Cáucaso.
Já está acontecendo isso com Geórgia e Armênia para os turistas europeus, que escolheram esses dois países nos últimos anos para visitar, principalmente, durante o verão. Claro, como o Cáucaso é um dos nossos destinos, é também nossa intenção fazer com que brasileiros descubram essa região tão rica histórica e culturalmente - além de contar com paisagens incríveis.
Para ele, a China também tem esse potencial. A curiosidade dos brasileiros pelo gigante asiático tem aumentado, assim como a vontade de "desmistificar tanta informação falsa e intencionalmente preconceituosa", acredita.
Hoje, a China tem uma estrutura de turismo de dar inveja para qualquer país europeu. Quando levamos brasileiros em nossos grupos para lá, é uma surpresa geral e um encantamento com o país e as pessoas.
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