'Há desvantagem em ganhar um Oscar?': três estrelas Michelin defende prêmio

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Detentor das cobiçadas três estrelas Michelin e nome celebrado na gastronomia desde os anos 90, Quique Dacosta tem a cidade de Dénia, na Comunidade Valenciana, como seu porto seguro e a beleza como seu norte na cozinha.
Revolucionário ao defender o que brilha os olhos ao lado do que aguça o paladar, o chef espanhol conta, em entrevista exclusiva a Nossa, que "atrevimento" sempre esteve em seu DNA e em seus primeiros passos na profissão, com apenas 14 anos.
Quique norteou-se pelos livros de outros "rebeldes": os gênios da Nouvelle Cuisine Paul Bocuse, Michel Guérard e Georges Blanc — chef do Vonnas, mais antigo estrelado Michelin do mundo, com primeira estrela conquistada em 1929.
Os livros foram meus mentores, marcaram o caminho em que eu transitaria mais tarde e me ajudaram a ver como queria projetar meu ofício e meu modo de entender cozinha além de simplesmente transformar alimentos, conta.

Aos 18, mergulharia de vez nos restaurantes mais destacados da Espanha e, mais tarde, faria parte de uma outra revolução da gastronomia mundial, desta vez não mais sob a predominância francesa, mas em casa.
Ele criaria a cozinha valenciana e, ao lado dos catalães e bascos Joan Roca, Ferran Adrià, Santi Santamaría, Juan Mari Arzak, Pedro Subijana, Martín Berasategui, Carme Ruscalleda, Manolo de la Ossa e Andoni Luis Adúriz, colocaria a diversa Espanha como a Terra Prometida das ousadias gastronômicas.

Nesta potente turma, o que se tornaria a marca de Quique é a cozinha da beleza, em que estética, técnica e sabor se combinariam como arte, tanto que em 2020 seria reconhecido com a Medalha de Ouro ao Mérito nas Belas Artes da Espanha.
Exemplo disso, o Cuba Libre foie gras, criado em 2001 — ano em que Quique foi eleito o melhor cozinheiro da Espanha — e um de seus pratos mais icônicos.
Foi muito disruptivo na cozinha em geral: simetrias e mudança nos parâmetros de elaboração do foie gras, um produto muito associado à alta gastronomia. Foi o primeiro prato que me fez olhar para a cozinha como algo diferente do que faziam os outros cozinheiros, lembra.
Um dos restaurantes de Quique, o Vuelve Carolina, ainda tem o prato no cardápio.
Em defesa das estrelas

O prato simbolizaria o início de um sucesso meteórico. Em 2002, a primeira estrela Michelin e o Quique Dacosta Restaurante eleito um dos 10 melhores do mundo pela Food & Wine. Em 2006, a segunda estrela.
Em 2012, viriam as três estrelas. No mesmo ano, este seria nomeado o Melhor Restaurante da Europa por dois anos consecutivos na lista Opinionated About Dining de Steve Plotnicki.
Em 2013, Quique foi nomeado Doutor Honoris Causa em Belas Artes pela Universidade Miguel Hernández. Em 2019, seria escolhido o Melhor Empresário de Restauração da Espanha pela Real Academia de Gastronomia.
Em 2022, o Deessa, no hotel Mandarin Oriental Ritz de Madri, do qual é diretor gastronômico, receberia duas estrelas Michelin apenas um ano após sua abertura.

Hoje, o Quique Dacosta Restaurante ocupa a 14ª posição na The World's 50 Best Restaurants, mas são as estrelas do guia francês que ainda abalam o coração do chef.
Não há nada mais importante do mundo da gastronomia que o reconhecimento do guia mais histórico e transcendental que marcou e prestigiou os grandes projetos culinários do mundo.
Para o chef, receber pessoas do mundo todo — ainda mais em um lugar nada central, como Dénia — aumenta o foco e, claro, o reconhecimento dos colegas. Diante das muitas críticas e desistências recentes de outros estrelados pelo Guia, Quique mantém seu orgulho intacto:
Há desvantagem em ser premiado com um Oscar?, questiona.
Mas pondera que o nível de popularidade não é do gosto de todos, nem a luta por conseguir e manter as estrelas é para todo mundo. "Não pode medir o ofício por este reconhecimento, se não se frustra".
Atrevimento e sem medo de errar

Mas como se manter feliz na cozinha após anos de trajetória?
Com seus quase 40 anos de profissão, Quique conta que ainda se empolga com as novas temporadas.
O segredo é construir um novo menu, que me causa uma tensão bonita, uma ilusão única e ser capaz de materializá-la junto à minha equipe e fazer feliz quem vem de todo o mundo a Dénia. Ao mesmo tempo, sigo criando novos conceitos e vendo o que funciona, o que me faz crescer sempre.

E sim, há sempre espaço para inovação e "atrevimento" (uma palavra que em português poderíamos usar mais para a cozinha, aliás).
Precisamos apoiar a criatividade e inclusive o erro, aí está a melhora.
E assim incentiva as novas gerações: 'Precisamos seguir avançando. Essa é a essência da cozinha, da civilização, da cultura e das artes."
De Valencia ao Marrocos, na alegria e na tristeza
Nascido em Extremadura, mas valenciano "de coração", Quique, durante a longa carreira explorou outros mares que não o de sua comunidade, mas que sempre levou com ele os produtos e a memória gustativa "para se aproximar sempre de sua autenticidade".
Mas agora existe uma volta às nossas essências, valorizando a nossa comunidade e nossas tradições tão ricas, conta.
Ao mesmo tempo, Quique alerta que este movimento é comum a vários lugares do mundo, e que não há como ignorar os talentos e novidades que surgem e outras que se mantêm nas cozinhas nórdica, mexicana, peruana, italiana e da "infinita Ásia".
Tudo o que emociona e encanta tem espaço em uma colcha de referências na cozinha.

Prova disso é a assinatura "valenciana e dianense" de Quique nos conceitos gastronômicos do Royal Mansour Tamuda Bay, hotel ao norte do Marrocos.
Fã da culinária local e frequentador de Marrakech, Casablanca, Agadir, Tamuda, Tetuán, Quique conta que, desde o convite, se deixou impregnar pela cultura árabe para criar o menu, mas que o novo trabalho também influencia para além do Marrocos.

Ainda que essa influência esteja já bem presente em Dénia, em 2025, por exemplo, trarei a primeira homenagem ao Marrocos com um cuscuz que vou apresentar no Palm Court [o restaurante clássico do Mandarin Oriental Ritz, em Madri].
Essa alma global da cozinha está presente não só na alegria como também na tristeza.
Quique, que já atuava em ações contra a fome pelo mundo, viu sua região ser destruída e contar mais de duas centenas de mortos nas inundações em outubro de 2024. Era hora de agir.
"Desde Valencia Para Valencia", liderada por Quique ao lado dos colegas valencianos Ricard Camarena e Begon?a Rodrigo, mobilizou chefs estrelados, premiados e famosos para ajudar os atingidos que perderam tudo na tragédia. Entre eles, os conterrâneos Albert Adriá, Joan Roca, Pepe Solla e Ángel León, mas também o brasileiro Alex Atala, René Redzepi, Massimo Bottura, Alain Ducasse, Gastón Acurio, Rasmus Munk e Leonor Espinosa.
O movimento, solidário e global, é algo que considero histórico no mundo da cozinha, sempre muito competitivo.
O resultado foi mais de três milhões de euros arrecadados e doados em dois meses. Desta vez, a união das estrelas fez a força.
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