'Não me venha com pizza de figo', chef Benny Novak é 'crooner' da cozinha
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"Tentaram nos matar, não conseguiram, vamos comer": no Brasil e em São Paulo, um dos nomes que carrega na alma este ditado judaico é Benny Novak.
"Fui influenciado pela família judaica: comida pra cacete e do Leste Europeu", conta. E as memórias aqui não são de aprender a cozinhar com a avó, encostado no fogão e desde os seis anos. "Não, eu jamais cozinhei com seis anos."
Mas eu adorava comer e ver minha avó paterna, que morava no Bom Retiro, abrir a massa com uma garrafa de vidro e cortava as varenikes com a boca do copo americano. Então pra mim era muito lúdico cortar a porra das massinhas, mas era só mais uma massinha na minha vida, entrega.

Com a tia, aprendeu a comer pepino azedo, por exemplo. Ainda assim, se aventurando por sabores que crianças normalmente não gostam, Benny considera ter um paladar infantil.
"Eu como de tudo, mas fígado de boi eu não consigo. Minha mãe era a rainha do fígado de galinha, do patê, e eu não como de jeito nenhum. Fígado, só de peixe e fois gras", entrega a paixão pela culinário francesa, que viria muito mais tarde e mudaria tudo.
Novak gosta mesmo é de um "trash": hambúrguer, batata frita, maionese, ketchup, comeria comer pizza todo dia - "e não me venha com pizza de figo. É calabresa, portuguesa."

A paixão por comer bem não vinha somente de casa, mas também da visita a restaurantes - alguns históricos - na companhia do pai.
"Fui muito pequeno ao Tatini, ao La Cocagne na época da Amareal Gurgel. Achava muito incrível tudo aquilo: a amizade do meu pai com os caras, ficava muito feliz quando lembravam o que eu comia".
A paixão chegou à vida adulta e acendeu a centelha de, talvez, se aventurar do outro lado dos cartazes de "Visite Nossa Cozinha".
Quando eu casei pela primeira vez, frequentava muito o Spaghetti Notte. Era muito caseiro, mas muito original. Entrava na cozinha toda semana, fiquei amigo, perguntava 'como é que eu faço esse molho tomate?', ela me explicava e eu tentava fazer em casa. Aí começou um movimento entre amigos 'Benny cozinha'. E aí fui cozinhando.
Formado em administração e, durante oito anos, trabalhando ao lado do pai num escritório de administração de condomínios durante oito anos, dos 24 aos 27 anos, Benny cozinhava em casa e sonhava em abrir um bar.
"Eu tinha uma banda. Então, o pensamento era 'porra, eu toco., gosto de cozinhar, tenho amigos. Então, eu vou montar um bar'. É o segredo de sucesso, né?"

Viver de cozinha
Separado do primeiro casamento, na fase de solteirice, começou a cogitar fazer um curso de gastronomia. Inicialmente, o desejo era partir para Nova York e seguir os passos de Anthony Bourdain no The Culinary Institute of America.
Chegou a fazer um estágio com João Leme, no Limone, só para sentir o que era cozinha.
E foi fantástico, bicho. Trabalhava com um prazer enorme ali. E fui aprendendo algumas coisas. Trabalhava de dia com meu pai, ia pra lá à noite e voltava feliz na vida.
Um namoro, porém, mudaria - e muito - o rumo da história.

A jornalista e hoje galerista Natasha Szaniecki, ex-mulher e mãe dos quatro filhos de Benny, levou o então não-cozinheiro a Londres e à famosa Le Cordon Bleu.
"Na época, ela foi aprovada num curso na Inglaterra e comecei a procurar algo por lá também. No final dos anos 90 tinha muito restaurante foda por lá com Marco Pierre White, Pierre Koffmann, Nico Ladenis, os irmãos Roux, Raymond Blanc. E fomos", relembra.
A primeira experiência na terra da Rainha (hoje do Rei) foi um restaurante chamado Florian, também como estagiário não remunerado.
Era um restaurante italiano de bairro. Depois fechava as portas, virava uma balada. Trabalhava com o cu na mão, tomei uns tapões do chefe ali por causa dos tomates que eu fiz errado e fui mandado embora, resume a experiência nada amistosa.

Depois de pouco mais de um ano, o casal voltava ao Brasil e Benny buscava um lugar como cozinheiro.
"Na primeira semana, procurei o Laurent [Suaudeau], contei que tinha chegado da Europa, que precisava começar minha carreira, que já não era tão jovem assim - já tinha 19, 30 anos. Dois dias depois, me liga o Douglas Santi, então chef do Cantaloup, e me oferece um estágio. Foi incrível. Era uma cozinha de ponta, consultoria do Laurent, o Douglas era um excelente cozinheiro e fiquei durante uns 3 meses".
O primeiro salário viria graças ao chef Rodrigo Martins, do Brooklyn Restaurante, "em que os garçons cantavam", como garde manger. "Fui demitido porque briguei com o pia. Faz parte."
Já ouvindo o nome de Alex Atala desde Londres, Benny resolveu bater em sua porta.
A gente sentou no balcão do D.O.M e conversamos durante uma hora. Lá não tinha lugar, mas que no Namesa tinha e fiquei lá durante um ano. A partir dos seis meses, eu enchi o saco do Alex pra me levar pro D.O.M
Neste momento, Atala falou uma frase que marcaria a vida de Novak, mas que não surtiria o efeito desejado: "É muito melhor ser a cabeça de uma sardinha do que o cu de uma baleia".
Aí eu falei, 'porra, tá bom. Eu entendo o que você tá querendo dizer, mas eu queria muito ser o cu da baleia, deixa eu ser o cu da baleia, por favor'
Não só a ida para o D.O.M não se concretizou, como Benny acabou deixando o Namesa.
E viria outra virada: após serem vítimas de um assalto a mão armada num restaurante japonês na Liberdade, Natasha e Benny decidiram tentar, de novo, a vida lá fora.
Em dois meses, a jornalista recebia uma proposta de emprego para Miami. "Não era o melhor lugar do mundo, mas era um lugar fora do Brasil que a gente tava querendo ir."
Miami muda tudo
Na cidade americana, Benny percebe que não queria mais ser chef de um restaurante gastronômico: "Não sou esse tipo de criativo ou esse tipo de cara que vai criar menus a cada dois meses".
Chegou a passar por um italiano chamado Grappa, mas foi no inesperado Le Bouchon du Grove ("que parecia uma cantina francesa") que teve uma chance e uma revelação.

Um dia eu fui comer lá e levantei o braço e o dono me perguntou por que tinha uma tatuagem de fogão. Respondi: 'porque eu sou cozinheiro'. E aí ele começou a gritar em francês lá da rua pro Christian, que chamou pra trabalhar com ele, que precisava de sub-chef.
Por semanas, anotou, desenhou e aprendeu o que seria seu futuro. "Eu tenho a caderneta até hoje. Foi o grande trabalho da minha vida e onde cheguei à conclusão que queria ser um cozinheiro de bistrô francês".
Nasce o ICI Bistrô

De volta ao Brasil em 2002, retoma contato com Renato Ades, amigo da adolescência que queria abrir um negócio.
Renato falou de um ponto aqui na Rua Mato Grosso, mas em frente ao cemitério, que não é legal. Eu falei 'não tenho muito mais tempo, não sou jovem e tenho que montar o meu negócio'. E no número 450, abrimos o primeiro bistrô.

22 anos depois, o balanço - e as críticas - foram quase sempre positivos. Benny lista de cabeça os primeiros incentivos de Armando Coelho Borges (Veja), Josimar Melo (Folha), Arnaldo Lorençato (então da Gazeta Mercantil) e Saul Galvão.
A ideia, inicialmente, era um bistrô para o bairro, para que o público dos arredores visitasse a pé. Também era a vez de modernizar o que se conhecia como culinária francesa, fora dos clássicos oferecidos em lugares como Marcel, Le Casserole, Bistrot Jaú, Freddy.



"Por trabalho do destino, no mesmo dia em que o dono do imóvel pediu a casa de volta, outro sujeito, que tinha um imóvel na rua Pará, propôs o aluguel para um lugar maior.
E nasceu esse bistrô da rua Pará, onde a gente ficou 19 anos. Lá cresceu, veio prêmio pra cacete e se tornou um bistrô de São Paulo, não mais de bairro", relembra.

Depois de 20 anos, o ICI mudou mais uma vez de lugar (de volta à Mato Grosso, mas agora no 396) e manteve cara de bistrozão. "Aqui é meu primeiro filho".
Outros mares, outras marcas
Oferecido mais um ponto a Renato e Benny, fãs também de um bom italiano, nasceu o Tappo, que ficou 13 anos na Rua da Consolação 2967, fechou na pandemia e reabriu na rua Alagoas 475, em 2024.

Ao mesmo tempo e há 12 anos, a dupla também se tornou sócia da Cia Tradicional de Comércio, que detém a administração dos bares Original, Astor, SubAstor, Pirajá e Câmara Fria, da hamburgueria Lanchonete da Cidade, das pizzarias Bráz e Bráz Elettrica, e dos restaurantes Bráz Trattoria, Casa Bráz e ICI Brasserie.
Sempre em contato com cozinheiros que vem e vão e alguns que ficam e estão ao seu lado há mais de 20 anos, Benny ainda se irrita com alguém que mente ter pesado a carne (prejudicando a casa ou o cliente) e se encanta por aquele que não deixa sair um risoto da cozinha sem uma prova do chef.
Se comparando a Carmy, de The Bear (série tão debatida por chef e reportagem quanto as raízes judaicas e Israel), Benny acredita que "a obsessão faz parte de qualquer cozinheiro que leve a sério o seu trabalho".

A partir do momento em que você tem um restaurante e aquilo lá é o teu ganha-pão, não é só o prazer. Mas, no meu caso, se vira só business, não tenho interesse nenhum. Amo cozinhar, mas não sou e nem quero ser criador de nada, não sou um compositor na cozinha. Sou um crooner.
Diz o cozinheiro tardio que, desacreditado, apostou em moules-frites e steak tartare. Ganhou confiança (e prêmios) com clientela fiel que o seguiu por onde quer que abrisse um restaurante. E fez do bistrô francês morada saborosa de paulistanos. Saúde, salut, l'chaim.
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