Mestre das carnes maturadas, ele vê futuro dry-aged em peixes 'sem cheiro'
Se você já ouviu falar ou já provou alguma carne maturada no Brasil, saiba: há 15 anos, quando "tudo era mato", Sandro Giovannoni já estava lá.
Este italiano, radicado por aqui há 30 anos, viu o boom das carnes dry-aged, se deparou com absurdos em legislação, divulgação e mesmo produção das peças, o que as deixou entre a fama de objetos de desejo para gourmands e a pecha de "carne podre" para o público desconhecedor.
Uma verdadeira e entusiasmada enciclopédia sobre o assunto, este cidadão de Sora, no Lazio, apresentou parte do presente, passado e futuro dessa história em um almoço em que os convidados dividiam o fascínio entre a caprichada mesa do Elevado Conselheiro, em São Paulo, e as geladeiras de maturação aos fundos da casa.
Diante do prato ou dos vidros, Sandro vê o futuro não tanto nos pastos, mas nos mares.
Morte e vida do dry-aged
Como menciona Sandro diante dos curados lardo e guanciale, a maturação de carnes não é nenhuma novidade. Em forma rudimentar, a Itália faz a "frollatura" pelo menos desde o século 17.
Produtos famosos e milenares da Bota são resultado de cura ou maturação, como é o caso do próprio guanciale ou do curioso Lardo di Colonnata (banha do porco, salgada, temperada com especiarias e envelhecida em mármore de Carrara, como faziam os romanos).
A maturação mais tecnológica, porém, é bem mais recente. Sandro a conheceu no aeroporto em Nova York, quando se deparou com um "aquário" gigante dentro de um restaurante.
Estava ali a ideia para sua Matura Meat, criada em 2010, uma empresa de equipamentos de maturação de proteínas que hoje auxilia restaurantes no processo de dry-aged, dry fish e charcutaria.
Desde então, Sandro viu os dry-aged viraram febre pelo mundo e chegarem ao Brasil cheios de hype, "mas com pouco conhecimento", como lembra em entrevista a Nossa.
Sandro explica que o certificado para a maturação de carnes - o selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF) - é muito mais recente que a moda que se criou ao redor das carnes maturadas a seco. Logo, por muito tempo, o conceito esbarrava na ilegalidade.
Em 2013, 2014, todo mundo fazia. Mas foi uma onda que acabou em cinco anos. Muito pela legislação confusa, pela falta de equipamento específico, pela escassez de produtos de qualidade realmente certificada. Hoje está meio estacionado, analisa.
Hoje, por um esforço de estudiosos e produtores, há uma conversa constante para que a legislação se torne mais clara e o produto, melhor e bem divulgado.
Para isso, outra boa onda contribui para a "redescoberta" da maturação e suas possibilidades.
Na cabeça dos chefs
Não é exagero dizer que Sandro faz gourmands, chefs e curiosos se apaixonarem por geladeiras que mais parecem vitrines. E é nesta ótima fase da gastronomia brasileira que a maturação também surfa sua onda.
Entre os clientes de Sandro, estão estrelados pelo Michelin e premiados pelo 50 Best, como Jefferson Rueda, d'A Casa do Porco; Ivan Ralston, do Tuju; Marco Renzetti, da Osteria Fame. Aliás, vale acompanhar a série de entrevistas com muitos deles no Instagram da Matura Meat (@maturameat).
Garantem Sandro e seus clientes que a maturação controlada reduz desperdícios dos produtos e auxilia na saúde financeira dos restaurantes, o que muito cliente não vê.
O que comensais sim, percebem, é o resultado provado empiricamente pela reportagem no almoço mencionado: um potente crudo de coxão mole maturado por 20 dias, saborosa picanha wagyu curada e amanteigada NY strip dry-aged 30 dias.
A maior surpresa, porém, estava em outra proteína.
Peixes como nunca antes
Para muitos chefs apaixonados por pescados, seja na culinária japonesa, ou na crescente valorização dos peixes brasileiros, peixe maturado foi uma revelação.
Não à toa, a câmara de maturação de peixes se destaca como o carro-chefe da Matura Meat e é orgulhosamente alardeado pelos renomados Kuro e Oizumi, de São Paulo, ambos com uma estrela Michelin e Açougue do Mar, em Santos.
Segundo Sandro, o pescado ganha sete dias de sobrevida. Essa tecnologia permite, mais uma vez, que se evite desperdício. Desta vez, de peixes que, não consumidos a tempo, seriam descartados.
Mas não faz milagre, não ressuscita peixe nenhum. Cuidando mais dos peixes, informando e valorizando produtos de qualidade é essencial, aponta.
Para comensais, a maturação também é vantajosa - mesmo para quem ainda não é tão fã de peixe, seja pelo aroma ou pela textura. Isso porque o cheiro característico de maresia é inexistente e a carne se torna especialmente macia.
Mais uma vez, a sortuda reportagem testou e pode afirmar: curados de peixe, como bresaola de atum e de pirarucu e o bluefin (o hype da vez) maturado e defumado fazem qualquer um esquecer os suínos e bovinos.
Provar um crudo de olho de boi maturado por sete dias ou um linguado na brasa também maturado e compará-los às versões frescas pode ser uma experiência gastronômica das mais marcantes.
Com menos modismos e mais consciência e conversa, a maturação de peixes tem uma chance que a carne bovina parece ter perdido: fazer com que "maturado" não seja motivo para narizes torcidos à mesa.