Brasileira desbravou Portugal atrás de doces e virou jurada do MasterChef
Enquanto os brasileiros acompanham o MasterChef Brasil voltado para a confeitaria, a versão portuguesa do reality tem uma brasileira apaixonada por doces como jurada ao lado de dois monstros da gastronomia local (Rui Paula e Pedro Pena Bastos).
Juliana Penteado (@juliana__penteado), que caiu de amores pelas iguarias lusitanas, agora encanta nossos patrícios nas telinhas depois de 7 dos seus 34 anos vividos em Lisboa.
Cozinheira de coração desde os 12 - quando participou de um concurso culinário para crianças - e depois profissional com formação em nutrição e gastronomia pela Universidade Anhembi Morumbi e experiência do Grupo Fasano no Brasil, ela se especializou em cozinha e pâtisserie na Cordon Bleu de Londres e, em 2018, morando em Paris, mergulhou de vez na confeitaria.
Quis o destino que Lisboa a chamasse para si.
Vim para cá para assumir a parte de confeitaria do 100 Maneiras e 39, que possui uma estrela Michelin. Lisboa tem um charme especial, a qualidade de vida aqui é excepcional, com um clima agradável, gastronomia rica e uma mistura fascinante entre o tradicional e o moderno. Além disso, a hospitalidade dos lisboetas fez com que eu me sentisse em casa, se derrete.
E foi na capital portuguesa que a paixão pela confeitaria foi à terceira potência — e hoje se espalha por duas lojas.
Portugal é doce e de comer
Em julho de 2019, Juliana embarcou na Rota Amarela. Durante 30 dias, viajou de carro pelo país, percorrendo 4 mil quilômetros de norte a sul atrás de histórias de família, tradições locais e pessoas sobre a confeitaria portuguesa.
A ideia nasceu da minha curiosidade em mergulhar na rica tradição gastronômica do país. A confeitaria portuguesa é muito mais do que o famoso pastel de nata; ela é uma verdadeira expressão da história, cultura e regionalidade de cada canto do território. Cada doce carrega consigo uma identidade única, traduzida em sabores, texturas e histórias que refletem as raízes locais, conta.
Segundo a chef-confeiteira, o que mais marcou essa jornada foi a força das mulheres e a beleza do processo intuitivo na preparação dos doces - "com medidas feitas 'a olho', pitadas e colheradas cheias de intuição", descreve.
"Foi essa experiência que me ajudou a entender que cada doce é mais do que um sabor: e muitas vezes é uma história, um legado, um elo com o passado".
Os dez doces inesquecíveis da Rota Amarela
Escolher apenas um doce entre os mais de 80 que mais surpreendeu Juliana é uma tarefa difícil. No entanto, em termos de sabor, a chef se encantou por aqueles com um toque mais salgadinho na base, algo que equilibra perfeitamente o doce.
Um exemplo é a torta de Guimarães, cuja massa leva gordura de porco. Esse ingrediente confere brilho, crocância e um sabor especial, conta.
A seguir, Juliana destaca os favoritos da jornada.
Bolas de Berlim
A Pastelaria Manuel Natário é uma verdadeira parada obrigatória em Viana do Castelo, e não é para menos: diariamente, são produzidas 1.000 unidades de suas famosas bolas de Berlim. E o movimento é tamanho que existem horários quase sagrados para a saída dessas belezinhas, às 11h30 e às 16h30, quando uma fila se forma na porta.
Quando finalmente peguei a minha, a sensação de ter nas mãos aquele pequeno 'tesouro' era indescritível.
A receita é simples, mas precisa ser executada com maestria: a massa é feita com ovos, leite, manteiga, açúcar, fermento e farinha, sendo trabalhada com carinho e deixada para descansar duas vezes durante o processo.
Após a fritura, cada unidade é generosamente passada no açúcar. E o recheio? Um creme suave e aveludado, feito com ovos, leite, açúcar e amido de milho - podendo ser aromatizado com baunilha ou casca de limão, para quem deseja um toque especial.
Durante o verão em Portugal, as bolas de Berlim são uma verdadeira tradição nas praias, assim como o queijo coalho, biscoito Globo ou amendoim em nossas praias brasileiras. Por aqui, elas são a "delícia de verão".
ONDE COMER: Pastelaria Manuel Natário - Viana do Castelo
Pastéis de Tentúgal
Com uma massa incrivelmente fina e crocante, os Pastéis de Tentúgal são recheados com um doce de ovos suave e polvilhados com açúcar, resultando em uma explosão de sabor a cada mordida.
Curiosamente, são conhecidos por alguns como "Pastéis Pobres", devido aos seus ingredientes simples - farinha, água, ovos e açúcar. Mas não se engane: embora a receita pareça modesta, a preparação exige um verdadeiro ritual de paciência e habilidade.
ONDE COMER: Pastelaria O Afonso - Tentúgal
Coroa de Abadessa
Logo em frente ao ao Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, está a Pastelaria Alcôa, "uma das minhas favoritas, que certamente encantará quem a visitar", diz Juliana.
Quem já passou por Lisboa, provavelmente se encantou com a vitrine da Alcoa, cheia de uma infinidade de doces conventuais.
Um dos meus preferidos é a coroa de abadessa, que me conquistou não só pelo sabor, mas também pela apresentação impecável. Feito com amêndoas, avelãs, chila caramelizada, açúcar e gemas, esse doce é simplesmente divino.
ONDE COMER: Pastelaria Alcôa - Alcobaça
Pão de Ló de Alfeizerão
Um doce simples, mas irresistível, feito com três ingredientes básicos: ovos, farinha de trigo e açúcar. Porém, em Portugal, esse clássico ganha variações regionais que são verdadeiros ícones da gastronomia local. Uma delas é a de Alfeizerão.
Super leve, cremoso e fofo, muito mais cremoso do que estamos acostumados no Brasil, o que gera até uma certa confusão.
Se você experimentar, nunca, jamais, diga que está "mal cozido". Na verdade, há quem defenda que o melhor jeito de saboreá-lo é com uma colher, aproveitando cada pedacinho cremoso e macio.
ONDE COMER: Casa do Pão de Ló de Alfeizerão - Alfeizerão
Pão de Rala
Esse doce icônico, com raízes nas receitas ancestrais das freiras de Évora, é tão celebrado que até mesmo uma das pastelarias mais renomadas da cidade carrega orgulhosamente o seu nome e o reproduz com maestria.
A magia começa na massa: uma combinação requintada de ovos, açúcar, amêndoas finamente raladas, um leve toque de chocolate em pó e água, sem sequer uma pitada de farinha. Já o recheio, uma explosão de sabores, é composto por doce de chila, doce de ovos e fios de ovos super delicados.
ONDE COMER: Pastelaria Pão de Rala - Évora
Torta de Guimarães
Com seu formato peculiar, semelhante a uma meia-lua delicada, este doce é um verdadeiro ícone da gastronomia local.
Descobri-las na Rota Amarela foi como encontrar um pequeno tesouro culinário. A massa, de uma crocância invejável, é levemente caramelizada e ganha um toque único graças à banha de porco, que confere uma textura folhada e incomparável. Mas é ao primeiro pedaço que a magia acontece: o doce de ovos, as amêndoas e um toque sutil de canela se harmonizam em um festival de sabores que encantam o paladar e ficam na memória.
ONDE COMER: Pastelaria Casa Costinhas
Pastéis de Santa Clara
Exatamente como se apresentam na foto, esses doces são finos e frágeis na massa, mas generosamente robustos no recheio de ovos e amêndoas. Não é à toa que se tornaram um dos maiores ícones da doçaria conventual de Coimbra, feitos pelas irmãs do Mosteiro das Clarissas.
Antes da extinção das ordens religiosas, esses doces afamados podiam ser adquiridos diretamente na porta do convento, um ritual quase sagrado para os sortudos que por lá passavam. Com o tempo, ganharam espaço nas pastelarias da cidade, levando o legado conventual para além dos muros do mosteiro.
ONDE COMER: Pastelaria Briosa
Barquinhos de Santa Clara
A vitrine da Pastelaria da Sé é um convite ao paraíso dos doces. Esses barquinhos são pura poesia em forma de doce: uma massa levemente amanteigada que abraça um recheio luxuoso de doce de ovos, delicadamente perfumado com um toque de vinho do Porto.
O gran finale é uma camada de açúcar queimado a ferro, que garante aquele sonoro e satisfatório "crack" ao morder, seguido pela explosão cremosa e irresistível do recheio.
ONDE COMER: Pastelaria da Sé
Cristas de Galo
Antes mesmo de iniciar a Rota Amarela, recebi uma recomendação preciosa do Sr. Virgílio Gomes — uma verdadeira autoridade na cultura culinária portuguesa. Ele foi categórico, repetindo pelo menos três vezes: 'Não deixe de provar as Cristas de Galo'.
Em Vila Real, as Cristas de Galo são mais do que um doce; são um símbolo local. E, claro, a Casa Lapão é o palco principal dessa tradição. Um pastel delicadamente recheado com um creme à base de gemas e amêndoas, finalizado com uma camada de açúcar que lhe dá o toque perfeito.
ONDE COMER: Casa Lapão
Pastéis dos Remédios
Com uma história que remonta ao Convento dos Remédios, fundado em 1544, os Pastéis dos Remédios são verdadeiras relíquias da doçaria conventual. Criados pelas freiras como forma de sustento, esses doces nasceram de uma tradição engenhosa: enquanto as claras eram usadas para hóstias, clarificação de vinhos e até para passar os hábitos (trajes específicos usados por membros de ordens religiosas) a ferro, as gemas, longe de serem desperdiçadas, davam origem a iguarias divinas.
E entre essas criações surge esta preciosidade: um bolinho feito à base de nozes - uma escolha curiosa e pouco comum na doçaria conventual, que costumava preferir as amêndoas. As nozes, mais acessíveis na época, trouxeram um toque singular e surpreendente ao doce, criando uma experiência diferente e memorável para o paladar.
ONDE COMER: Doçaria da Cruz de Pedra
Doces de lá e de cá
Herança e adaptação marcam a ligação entre Brasil e Portugal através dos doces.
Ingredientes como gemas de ovo, açúcar e amêndoas, amplamente usados na confeitaria portuguesa, foram adaptados no Brasil com os produtos locais, como coco, castanhas e frutas tropicais, dando origem a uma doçaria única.
Juliana, no entanto, tem saudades docinhas e brasileiras que Portugal não tem: as frutas.
A manga docinha, o caju com sua doçura fresca e peculiar, a jabuticaba tão pequena e misteriosa; a carambola com sua acidez delicada, ou a goiaba com sua doçura suave e marcante. O maracujá amarelinho com sua energia cítrica que é um verdadeiro abraço no paladar.
Essas frutas têm uma magia que, para mim, vai muito além do sabor - elas são memórias afetivas, são pedaços do Brasil que me acompanham.
De repente, MasterChef
O convite para o MasterChef foi uma surpresa e uma grande honra para mim. Meu primeiro contato com o programa foi na temporada passada, quando participei como chef convidada para apresentar uma sobremesa.
A confeitaria está tão em voga que no Brasil o reality no ar atualmente é totalmente voltado para os doces, o que, claro, deixa Juliana bastante satisfeita.
Acredito que uma edição voltada exclusivamente para a confeitaria é muito importante, pois revela ao público o que está por trás dessa verdadeira magia. Mostra o quanto a confeitaria exige dedicação, conhecimento e, ao mesmo tempo, permite espaço para a criatividade e expressão pessoal.
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