Ela trouxe ceviche 'de verdade' ao Brasil: conheça la peruana Mari Woodman

O Peru não é longe, mas, até pouco tempo, era um vizinho desconhecido para boa parte dos brasileiros. A paquera começou, sem dúvida, pela comida. E nem estamos falando da "buena onda" de estrelas e rankings que celebraram e ainda festejam a culinária e os cozinheiros de lá. No início, era ceviche.

Entre os embaixadores do prato refrescante que tomaria corações paulistanos de assalto, uma mulher de sorriso largo, simpatia contagiante e amor por dançar e brindar com refrescantes pisco sour: Marisabel Woodman, do La Peruana.

Marisabel Woodman
Marisabel Woodman Imagem: Divulgação

Filha de Piura, na costa norte do Peru, Mari tem a iguaria de origem pré-inca, também nascida na região, como identidade:

"Cresci comendo ceviche e frutos do mar", lembra. As ondas e marés, que hoje também fazem relaxar uma chef-empreendedora-surfista, eram as donas das brincadeiras da infância, quando a diversão era ajudar os pescadores a puxarem as redes e depois levar os peixes para casa.

Foi com a avó — hoje uma senhora cidadã do mundo e cozinheira de mão cheia ainda aos 88 anos com 5% da visão —, que descobriu a cozinha crioula de temperos intensos e pimenta "desde criancinha".

Marisabel Woodman com o pai em Colán
Marisabel Woodman com o pai em Colán Imagem: Arquivo pessoal

Minha mãe me teve com 19 anos, muito jovem, então eu com uns 6 anos saía com ela e com as amigas para as cevicherias da praia. Comia do jeito que era, bem ardido. E com mandioca, que segurava a ardência, lembra.

Na casa sempre cheia, ainda se via passar lulas, lagosta, arroz com frutos do mar, seco de chabelo, majao de yuca, tiraditos - esses últimos a reportagem poderia tentar explicar, mas só se entende mesmo provando o colorido crocante sinestésico (sim, isso tudo) dos banquetes peruanos.

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Casa da avó em Colán
Casa da avó em Colán Imagem: Arquivo pessoal

Do passado, marcas de queimadura na insistência de participar do que saía do forno à lenha a todo custo. E até um primeiro empreendimento:

Aprendi a fazer chocolates com uns 11, 12 anos e levava para a escola. Estava proibido, mas até as professoras compravam. No primeiro recreio já acabava e comprei meu primeiro celular assim.

O Peru no mapa-múndi

Quando terminou a escola, Mari queria fazer gastronomia, mas por determinação do pai, acabou em administração de empresas, atuou por tempos na área e a vida seguiu.

Com os colegas do Hotel Plaza Athénée, de Alain Ducasse
Com os colegas do Hotel Plaza Athénée, de Alain Ducasse Imagem: Arquivo pessoal
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Ainda na faculdade conheceu o então namorado e hoje marido, o brasileiro Roni. Com ele, saiu do Peru e se mudou para a França, onde realizou o sonho de estudar e trabalhar com cozinha.

Mas faltava aji amarillo: "sentia que faltava sabor nas coisas", lembra. Faltava mistura: "eles gostavam muito do produto do jeito que eram". Faltava o indígena, o espanhol, o chinês da fusão chifa, o japonês, o italiano, o africano, faltava Peru e seus milhos, batatas e peixes.

Tacu Tacu de la Isla, do La Peruana
Tacu Tacu de la Isla, do La Peruana Imagem: Gustavo Steffen

No meu país, tudo tem muito gosto, muita explosão de sabores. Na França, tudo é mais purista. No começo, não me acostumava, mas depois saí amando, confessa.

Após passar por Singapura e com vida quase pronta no Brasil, Mari decidiu voltar às origens e passou meses na terra-natal, onde via o Peru florescer para o mundo com o Central de Virgilio Martínez, eleito o melhor restaurante do mundo em 2023.

Marisabel Woodman e Virgilio Martínez, no Central
Marisabel Woodman e Virgilio Martínez, no Central Imagem: Arquivo pessoal
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Lembro de ler uma entrevista há uns quase 15 anos de Gastón Acurio em que ele dizia que a culinária do Peru era um diamante bruto. E no Central me emocionei, porque eu senti que toda essa riqueza de matéria-prima estava sendo levada a um nível Europa. Era revolucionário.

Alguns pratos do La Peruana
Alguns pratos do La Peruana Imagem: Thays Bittar

Na mesma época, também via uma sofisticação do que havia de mais popular como no El Mercado de Rafael Osterling e mesmo no La Mar, de Gastón, em Lima.

Ceviche sobre rodas

Marisabel Woodman ao lado de Alex Atala, à esq.
Marisabel Woodman ao lado de Alex Atala, à esq. Imagem: Arquivo pessoal

Depois de tudo e tanto, estava no Brasil e a ideia era entrar num restaurante menor, depois da experiência com os grandes da cozinha europeia.

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"Mas eu não aguentei, né? Eu fui bater na porta do Alex Atala no D.O.M", conta.

O futuro, no entanto, não estava na alta gastronomia, mas numa febre que alimentava São Paulo e fez muita gente descobrir (ou desistir) da cozinha. Era a época das feiras gastronômicas e dos food trucks.

Food truck La Peruana
Food truck La Peruana Imagem: Arquivo pessoal

Cevicheria ambulante? Não era a primeira ideia, como conta Mari.

Se tem algo que temos orgulho é da nossa comida. Então queria apresentar os outros 500 pratos do Peru, começar com os anticuchos. Mas foi o ceviche que mais chamou atenção.

O negócio deu certo, rodou por São Paulo, pelo interior e veio a vontade de ter um restaurante para chamar de seu.

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E foi em plena Alameda Campinas que surgiu "do zero" o La Peruana. A rua mais tranquila na região dos Jardins agradou o público desde o início e virou um "mini-Peru", uma imersão pelo país com uma equipe majoritariamente peruana e que fala com amor dos pratos.

La Peruana, de Marisabel Woodman
La Peruana, de Marisabel Woodman Imagem: Divulgação/Ricardo Alencar

Agora sim, com ceviche como carro-chefe. E do jeito mais peruano possível - equilibrado em acidez do limão, picância da pimenta, crocância da cebola e frescor do peixe e um cevichero "importado" de Piura.

Nem sempre se encontra em São Paulo o que a receita original exige — "o peixe no Pacífico não é igual ao do Atlântico" —, mas Mari garante que é muito leal e a reportagem que é muito, mas muito bom.

Ceviche Clássico, do La Peruana
Ceviche Clássico, do La Peruana Imagem: Gustavo Steffen
Ceviche nikkei, do La Peruana
Ceviche nikkei, do La Peruana Imagem: Thays Bittar
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Degustação de ceviches, do La Peruana
Degustação de ceviches, do La Peruana Imagem: Gustavo Steffen

De salsa, de surfe

Hoje mãe de duas filhas pequenas ("brasileiras, pero peruaníssimas"), Mari se desdobra entre criações de novas receitas, o olho sobre tudo o que passa pelo La Peruana e noite de salsa com as amigas peruanas e agregadas, entre brasileiras e americanas e mexicanas radicadas em São Paulo. "Vamos salsar? Vamos?", tenta convencer a jornalista ao final da entrevista.

Marisabel Woodman
Marisabel Woodman Imagem: Divulgação

Nas viagens, uma prancha e muita comida. A última paixão - e obsessão, como tem com o que há de bom - o México.

Com uma amiga, saiu uma viagem de surfe no México. Em Puerto Escondido. Surfamos e comi incrível. Na Cidade do México, tudo incrível. E voltei de lá e fiz várias coisas.

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Hoje o La Peruana, graças a esse amor mexicano, tem ceviche tatemado, dois tipos de tacos, tiradito com leite de tigre, guacamole e totopos.

Uma frustração nesses anos de Brasil é não ter conseguido convencer o público a comer frango como os peruanos comem. "Somos fissurados em pollo, mas aqui só comem frango em casa", analisa.

Ambiente do La Peruana
Ambiente do La Peruana Imagem: Gustavo Steffen

Ainda que o La Peruana se renove, teste e experimente, o público segue fiel. Na noite da entrevista, houve até quem chegasse um pouco antes de o restaurante abrir.

Depois da pandemia, foi o público que animou a reabertura - "e me abraçavam. Foi emocionante".

E 2025 teremos novidades, aí sim falando ao desejo de anos atrás de levar o público brasileiro a uma imersão além dos ceviches. De uma rua de Pinheiros, a viagem será para a costa norte do Peru.

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Para ver um pouco as minhas raízes. Quero poder fazer um pouco mais e ser mais livre, diz num paradoxo que só os apaixonados pelo que fazem sabem.

Os ares do Pacífico chegaram para ficar na cidade sem o mar que Marisabel tanto ama. O Peru também é aqui.

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