'Date' e salvação de náufragos: como é a ilha habitada mais remota do mundo
Colaboração para Nossa
12/10/2024 05h30
Localizada a 2.787 km da Cidade do Cabo, na África do Sul, e a 3.949 km de Mar del Plata, na Argentina, Tristão da Cunha é como se fosse um ponto perdido no meio do Oceano Atlântico.
Não à toa, o território ultramarino britânico é oficialmente reconhecido pelo Guinness World Records, a instituição que publica o Livro dos Recordes, como a ilha habitada mais remota do mundo.
Com apenas 98 km², o que faz dela um dos menores destinos do mundo, ela possui atualmente apenas 238 moradores, conforme apurou uma reportagem de agosto da revista Architectural Digest.
Sua ocupação também é recente: apesar de ter sido descoberta em março de 1506 pelo navegador português Tristão da Cunha (daí seu nome), ela só ganhou moradores a partir do século 19.
Sua vizinha mais próxima é a ilha de Santa Helena, a 2.435 km de distância, onde Napoleão se exilou até a morte.
Mas é importante notar que esta é a ilha mais próxima do seu grupo, já que a ilha de Tristão da Cunha é a única habitada dentro do arquipélago de Tristão da Cunha, composto por outras ilhas vazias — Gough (Gonçalo Álvares), Inaccessible (ou Inacessível), ilha do Meio, Stoltenhoff e Nightingale.
Apesar de ter sido encontrada pelos portugueses e ter se tornado um ponto de parada em navegações de franceses e holandeses, foram os britânicos que decidiram tomar posse da ilha ainda no século 18.
Inicialmente, nenhuma colônia foi formada ali, já que o assunto se tornou polêmico e havia receios de que a ilha não tivesse condições de ser habitada.
Mas, em 1810, o jogo virou. O marinheiro — e suposto pirata — americano Jonathan Lambert, de Salém, se mudou para Tristão da Cunha.
Segundo o site oficial da ilha, ele teria chegado com outros dois companheiros e batizou as ilhas de "Islands of Refreshment" (ilhas de refresco, em tradução livre). Um quarto homem se juntou a eles depois.
Durante a Guerra de 1812, os americanos teriam transformado Tristão em um ponto de saque de navios britânicos, mas o fim de Lambert é misterioso.
Em 1813, o navio HMS Seiramis registrou que apenas Tomasso Corri, um de seus companheiros, seguia vivo na ilha. Lambert e outros dois haviam morrido em um "acidente de pesca".
Depois do incidente, os britânicos não demoraram a ocupar de vez Tristão da Cunha, mandando tropas em nome do rei George 3º em 1816.
Documentos publicados pelo diplomata Edmund Roberts em 1837 relatam que a decisão foi apressada pelo medo dos britânicos de que Napoleão tentasse escapar de Santa Helena através de Tristão.
Assim, a Colônia do Cabo (hoje na Cidade do Cabo) se tornou responsável pela administração da remota ilha.
Em 1817, as tropas deixaram o local, mas o cabo escocês William Glass — que já era casado com uma sul-africana e tinha filhos — além de Samuel Burnell e John Nankivel convenceram seus superiores a receberem autorização para ficar permanentemente em Tristão da Cunha.
Juntos, eles fundaram o que ficou conhecido como "a firma", um acordo assinado em novembro de 1817 que regulamentava a vida em comunidade, dividindo gados, lucros comerciais, custos de vida e etc.
Este era o início do assentamento que, 50 anos depois, seria batizado como Edinburgh of the Seven Seas (Edimburgo dos Sete Mares, em tradução livre) em homenagem à visita do príncipe Alfred, seu segundo filho da rainha Vitória e duque de Edimburgo, em 1867.
Primeiro encontro às cegas do mundo e mais curiosidades insólitas
Tristão da Cunha carrega a improvável pecha de porto seguro, tendo recebido 50 sobreviventes do naufrágio do navio Blenden Hall, que aconteceu na verdade na ilha inacessível. Outros marinheiros a deriva acabaram se fixando por lá ao longo dos anos.
Também teria acontecido lá o primeiro (e melhor sucedido) encontro às cegas do mundo. Em 1826, chegou à ilha o marinheiro Thomas Swain, de Sussex, que se tornou o quinto solteiro por lá.
Então, Simon Amm, capitão do Duque de Gloucester e visitante frequente de Tristão da Cunha recebeu uma inglória missão: ir até a ilha de Santa Helena e convencer cinco mulheres a namorarem os solitários. Ele receberia cinco saco de batatas por isso, um por mulher.
Deu certo. Simon retornou em 1827 com as voluntárias e Thomas, que havia jurado aceitar a primeira mulher que pisasse na ilha, acabou se casando com a desconhecida Sarah Jacobs. Em 1832, o assentamento da ilha já tinha uma população de 34 pessoas, com seis casais e 22 crianças.
Mas a pequena comunidade se viu em apuros em 1961, quando um vulcão da ilha entrou em atividade e forçou a evacuação do território. 198 moradores retornaram — mas só em novembro de 1963.
Como é a vida em Tristão da Cunha?
O único jeito de entrar e sair, até hoje, é encarando uma jornada de seis dias de navio até a África do Sul, já que não existe pista de pouso por lá.
Como a ilha é remota, a administração recomenda que potenciais turistas planejem sua viagem com um ano de antecedência. Para encarar a jornada de fato, é necessário ainda mandar um e-mail para a Secretaria de Administração explicando as razões de querer visitar o local — e aguardar a aprovação do governo de Tristão da Cunha.
Porque são tão poucos os residentes da ilha, mesmo em 2024, há apenas 10 sobrenomes em todo o território, de acordo com as autoridades. O assentamento é autossuficiente; eles produzem todo o necessário para a vida na ilha, sem a necessidade de importar mantimentos de fora.
Cada família é autorizada pelo governo britânico a ter gado, mas o número é controlado para evitar dano às pastagens — já que 40% da ilha é reserva natural. Atualmente, apenas uma vaca por casa é permitida.
A situação é diferente quando se trata de frutos-do-mar, já que uma das principais atividades econômicas é a pesca de lagostas que são exportadas internacionalmente. Mesmo pequena, Tristão da Cunha se desenvolveu e possui seu próprio mercado, escola, museu, bar, café e paradas para o único ônibus que circula por lá, segundo reportagem do site Business Insider.
Turistas costumam se hospedar na casa dos moradores, já que há poucas acomodações disponíveis na ilha. Eles retêm 88% das diárias e os outros 12% são pagos como impostos ao governo.
Por lá, pagamentos devem ser feitos em libras esterlinas, já que não dá usar cartões de crédito ou débito. Quem chega também não vai encontrar vida noturna badalada ou atrações urbanas, mas muitas paisagens bonitas, como a trilha até o cume do vulcão Queen Mary's Peak.
Ficou curioso para conhecer? É possível checar informações sobre navios disponíveis para levá-lo até Tristão no site da ilha.