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A mistura do Egito com o mundo: como obeliscos foram parar de NY a Roma

Obelisco na Piazza Navona, em Roma Imagem: Getty Images

Felipe van Deursen

Colaboração para Nossa

11/09/2024 05h30

Ele pesa umas boas 200 toneladas e tem 21 metros de altura. Foi construído em Heliópolis, uma das principais cidades do Antigo Egito, com granito retirado próximo às cataratas do Nilo. Seus hieróglifos celebram vitórias militares de Ramsés 2°.

Esse importante obelisco está de pé até hoje. Você pode visitá-lo, é só comprar uma passagem para… Nova York.

Como ele foi parar lá? Não é um caso isolado, pelo contrário. Atualmente, menos da metade dos obeliscos egípcios conhecidos no mundo fica no Egito. O resto está espalhado pelo mundo, fruto de invasões de antigos impérios e também da diplomacia praticada em um passado menos distante.

Quem lançou a moda foi o primeiro imperador romano. Quando Augusto conquistou o Egito, ele vislumbrou um imponente monólito em Heliópolis, a então capital, nos arredores da Cairo moderna. O monumento fora esculpido por ordem do faraó Seti 1° no século 13 a.C.

"'Esculpido' é uma expressão bastante clínica para um feito impressionante de engenharia", enfatiza o egiptólogo Nicky Nielsen, da Universidade de Manchester (Reino Unido), no livro "Egyptomaniacs" (inédito no Brasil).

Extrair e mover um pedaço de granito de 263 toneladas - com o problema adicional de não ter acesso a nenhum metal mais duro que o bronze - não é tarefa fácil.

Esculpido em uma rocha única com artefatos simples, como martelos de pedra, o obelisco ainda tinha que, depois de pronto, encarar a viagem de quase 900 km descendo o Nilo até Heliópolis. Uma vez lá, a obra celebraria eternamente a divindade egípcia do sol, Rá, além de Seti e de seu filho, Ramsés 2°.

Até que Augusto chegou, mais de 1.200 anos depois. O imperador quis comemorar sua vitória transferindo o obelisco, além de um outro, para Roma em 10 a.C.

O transporte, feito em navios construídos especificamente para isso, era um feito por si só. Segundo Plínio, o Velho, as embarcações ficavam em exposição ao lado do obelisco, como motivo de orgulho da proeza logística.

Os romanos mantiveram a premissa dos obeliscos, fazendo suas próprias adaptações. Homenagearam Sol Invictus, sua versão do deus do sol (também chamado de Hélio), e inseriram inscrições em latim reforçando que o novo manda-chuva do Egito era, agora, Augusto.

Obelisco de Ramses 2° na Piazza del Popolo, em Roma, em gravura do século 16 Imagem: Sepia Times/Universal Images Group via Getty Images

Um dos obeliscos, datado do século 6º a.C., foi instalado em uma grande área de Roma chamada Campo de Marte. Na Idade Média, possivelmente no século 11, ele foi derrubado e só foi redescoberto em 1792, quando o papa Pio 4 ordenou sua transposição para a praça Montecitorio, onde ele está até hoje.

Já o de Seti 1° foi parar no Circo Máximo, o estádio de corridas de bigas dos romanos. A chegada do cristianismo e os efeitos do tempo e do vandalismo puseram o obelisco abaixo. Em 1568, o papa Sisto 5° fez uma porção de obras públicas em Roma, que incluíram o restauro e instalação do monumento na Piazza del Popolo - o que ajudou um bocado a praça a se tornar, hoje, um dos pontos turísticos mais bonitos da cidade.

Profusão de obeliscos

Obelisco da Piazza San Giovanni Imagem: Getty Images/imageBROKER RF

Augusto fez escola, e outros imperadores resolveram imitá-lo. Constantino, no século 4º, também quis o seu obelisco no Circo Máximo - hoje, ele está na Piazza San Giovanni Laterano. Com 32 metros de altura, é o mais alto obelisco da Antiguidade no mundo, dentre aqueles que estão de pé.

Bem antes, um famoso imperador importou aquele que, no século 20, se tornou, talvez, o obelisco mais fotografado e televisionado do mundo. Não por causa dele em si, mas pelo lugar em que foi instalado. Feito um papagaio de pirata de 25 metros de altura e mais de 300 toneladas, o Obelisco do Vaticano, aquele no centro da praça de São Pedro, que aparece em quase toda notícia sobre o papa e em tudo que é foto da árvore de Natal do Vaticano, está ali graças a ninguém menos que Calígula.

Obelisco do Vaticano Imagem: Getty Images

O obelisco ficava no Circo de Calígula, complexo que o imperador mandou construir, no local onde hoje fica a Cidade do Vaticano. Ou seja, diferentemente dos outros, ele não chegou a mudar de endereço, apenas foi deslocado por alguns metros.

A localização de um monumento de um povo politeísta no centro do poder papal é interessante. Sisto 5°, que resgatou quatro obeliscos egípcios, precisou dar um jeito de mascarar a óbvia conotação pagã das estruturas: elas ganharam cruzes no topo.

Faraós, césares, papas. Os obeliscos, ao longo do tempo, adquiriram camadas diferentes de significado, ecoando grandes líderes de tempos bem distintos, separados por quase trinta séculos no tempo.

Roma ficou tão fissurada por essas obras que começou a encomendar obeliscos dos egípcios (em vez de pilhar os antigos) ou a produzir cópias. O que fica no alto da escadaria da Piazza di Spagna é uma reprodução menor do obelisco da Piazza del Popolo, por exemplo. Outro famoso, o da Piazza Navona, é uma cópia italiana, encomendada pelo imperador Domiciano no século 1º d.C.

Obelisco da Piazza di Spagna, em Roma Imagem: Getty Images

Somando os genuinamente egípcios com os feitos na Itália, Roma tem 13 obeliscos da Antiguidade, o que é mais do que todas as estruturas do tipo conhecidas no Egito.

Mundo afora

Obelisco na Parasça Sultanahmet, em Istambul, na Turquia Imagem: Getty Images

A capital italiana concentra a maioria dos obeliscos egípcios fora do Egito. Mas há outros relevantes. Istambul tem o seu, irmão daquele da praça San Giovanni Laterano. A transferência é fruto dos tempos em que a cidade, chamada Constantinopla, era o centro do Império Romano, no século 4º d.C.

Obelisco da Place de la Concorde, em Paris Imagem: Getty Images

Já o obelisco presente na Place de la Concorde, em Paris, foi um presente dado quando o Egito integrava outro império, o Otomano, no século 19. Originalmente, a estrutura ficava na entrada do Templo de Luxor, em Aswan, ao lado de outro obelisco, que segue nessa cidade egípcia.

Obelisco em Londres Imagem: Getty Images/iStockphoto

A margem do Tâmisa, em Londres, também tem um obelisco. Feito sob ordem de Tutmés 3° no século 15 a.C., ele foi transferido de Heliópolis para Alexandria no tempo de Cleópatra, mais de 1.400 anos depois. Por isso, a obra é conhecida como Agulha de Cleópatra.

Em 1819, o governante egípcio Muhammad Ali, o mesmo que presenteou os franceses, deu o obelisco aos britânicos, que aceitaram, mas não quiseram bancar o transporte - somente 68 anos depois um nobre britânico patrocinou a viagem. Desde então, ele está em um aterro chamado Victoria Embankment.

Obelisco em Nova York Imagem: Getty Images/Collection Mix: Sub

E aquele obelisco em Nova York? É outra Agulha de Cleópatra. Ele também estava em um templo em Alexandria até o Egito decidir presentear os Estados Unidos por se manter neutro enquanto franceses e britânicos interferiam cada vez mais nos assuntos internos egípcios.

A viagem de Alexandria, no leste do Mediterrâneo, até Nova York, no Atlântico Norte, teve o patrocínio do clã magnata Vanderbilt. Segundo a "Encyclopedia of New York City", 32 cavalos carregaram o obelisco do East River até um local temporário, na Quinta Avenida. Depois, uma máquina a vapor feita especialmente para a função levou o monumento até o Central Park, em 1881.

Repatriação

De tempos em tempos, o assunto da devolução dos obeliscos ao Egito, especialmente aqueles que deixaram o país há menos tempo, como os de Paris, Londres e Nova York, vêm à tona. Em 2011, o secretário-geral do Conselho Supremo de Antiguidades escreveu à administração do Central Park e à prefeitura de Nova York uma carta que parecia um puxão de orelha:

Fotografias recentes que recebi mostram os graves danos causados ao obelisco, principalmente ao texto hieroglífico, que em alguns lugares está completamente desgastado. Tenho o dever de proteger todos os monumentos egípcios, estejam eles dentro ou fora do Egito. Se o Central Park Conservancy e a cidade de Nova York não puderem cuidar adequadamente do obelisco, tomarei as medidas necessárias para trazer esse precioso artefato para casa e salvá-lo da ruína.

O transporte de estruturas tão pesadas é hercúleo (para se ter uma ideia, somente o trajeto do East River ao Central Park levou 112 dias).

Por mais que a engenharia tenha evoluído um bocado de lá para cá, não foi o suficiente para que seja considerada uma tarefa fácil. A ameaça egípcia ficou no papel, e dificilmente isso mudará. É bem mais tranquilo, comparativamente, reaver peças de museu.

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