Nem um filminho? Fazer nada durante as viagens de avião é nova tendência
Colaboração para Nossa
06/09/2024 05h30
Na era das malas de mão ultracheias com leitores digitais, livros físicos, videogames portáteis, além de fones de ouvido, celulares e tablets para ouvir música, podcasts, ver filmes e séries, uma tendência polêmica ganha força justamente na contramão: rawdogging.
O termo em inglês costuma se referir a sexo sem camisinha, mas foi pego emprestado nos últimos meses por influenciadores que admitem nas redes serem adeptos de um estilo "raiz" de viajar — sem entretenimento de bordo ou qualquer outra atividade que você mesmo possa levar ao avião.
Em cada postagem, há uma espécie de competição entre quem desapega mais dos menores confortos que você pode encontrar nos ares: adeus às palavras cruzadas e ao sudoku, à soneca, à refeição ou lanche de bordo, álcool, suco ou água e até a chance de se movimentar, seja indo ao banheiro ou apenas esticando as pernas.
Mas, afinal, por que os viajantes estão preferindo viajar sem distrações?
Limpeza da mente ou masculinidade tóxica?
A busca pelo rawdogging pode ter começado como um desejo genuíno de se livrar dos muitos estímulos que nos acompanham na nossa vida cotidiana. Como o passageiro está no meio de um trajeto e distante das responsabilidades, este é o momento ideal para "desligar" e entrar, literalmente, em modo avião.
"Sou um viajante nervoso e geralmente não consigo focar em nada em um avião — filmes, séries, livros, artigos, qualquer coisa com qualquer nível de sucesso. Por alguma razão, não gosto de processar novas infomações quando estou no ar. Quero me ligar às coisas que são previsíveis e seguras", admitiu em entrevista à revista GQ americana o jornalista Luke Winkie, da revista Slate.
"A 20 mil pés no ar, algo que humanos não puderam fazer pela maior parte de nossa existência, e as pessoas acham estranho que alguns homens queiram mergulhar na glória disso?"
Para algumas pessoas, esta pode ser uma oportunidade positiva. "Pode permitir que você aprofunde sua meditação, concentre-se na sua respiração, nos sons do avião, ou apenas no seu próprio batimento cardíaco. É uma oportunidade de observar a sua paisagem interior sem julgamentos, o que pode levar a um sentimento mais profundo de calma e claridade", opinou à revista Forbes a fundadora do serviço de bem-estar Wellness & Woo, Crystal Riley.
"Tenho feito isso com alguma frequência na verdade, especialmente quando viajo sozinho. Aproveito o ambiente de pouca distração para organizar meus pensamentos e trabalhar ideias sem a expectativa de um resultado preto no branco".
No entanto, se a busca é por relaxamento, viajar sem distrações pode não ser para todo mundo: o silêncio e a falta de estímulo total podem permitir que seus pensamentos ansiosos ganhem força e causar maior estresse durante o percurso.
Homens são o principal público do rawdogging nas redes, o que tem gerado debates sobre a ligação da prática com uma noção tóxica de masculinidade — em que o viajante se sentiria obrigado ou disposto a provar seu valor simbólico como homem abrindo mão do maior número de confortos possíveis.
Um jornalista do The Independent britânico que testou a prática a classificou digna de Patrick Bateman (o misógino serial killer do filme "Psicopata Americano") "escondida mais uma vez sob uma fachada de disciplina física e mental e seus benefícios", o que pode inclusive submeter o passageiro a riscos durante a viagem, dependendo da abordagem.
Rawdogging seguro
Quer tentar o rawdogging? Um artigo da faculdade de medicina da Universidade Harvard, nos EUA, aponta uma série de benefícios ao que é chamado de "descanso cognitivo inteligente" — uma série de técnicas que envolvem realmente desplugar de excesso de estímulos para desenvolver não só qualidade de raciocínio, como saúde mental.
- Entre as dicas oferecidas pelos especialistas estão sonecas de 10 minutos a 1h30, dependendo do nível de atividades mentais em que o indivíduo vai se engajar depois. A pausa pode ser benéfica para que o cérebro "desembaralhe" as ideias e facilite novas conexões ao acordar.
- Caminhadas livres ou outro tipo de atividade física ajudariam a aumentar a fluência, flexibilidade e originalidade de pensamento -- ou seja, estimularia a criatividade para realizar novas associações de ideias.
- A terceira técnica seria o sonhar acordado de maneira construtiva e positiva (PCD, na sigla em inglês). Em vez de optar por meditar apenas esvaziando a mente de ideias, esta abordagem encoraja o indivíduo a imaginar um cenário positivo e prazeroso enquanto realiza uma atividade que requer pouco comprometimento -- como a viagem de avião --, o que traria benefícios para sua capacidade de concentração.
É a questão não é apenas o bem-estar mental: é essencial ainda para a saúde física e a segurança da viagem não abrir mão de fazer refeições leves, tomar líquidos e se movimentar durante o voo.
Poltronas pequenas e dificuldades de locomoção a bordo com aquele vizinho mais espaçoso já são desafios naturais que viajar de avião (especialmente na classe econômica) apresenta aos passageiros. Imagina só deixar de levantar deliberadamente? Este tipo de atitude aumenta o risco de uma trombose — a formação de um cóagulo dentro de uma veia ou artéria que interrompe a circulação do sangue.
Períodos prolongados com as pernas dobradas, portanto, vão na contramão das recomendações médicas para melhorar a circulação no corpo: beber bastante líquido durante a viagem, sentar-se de maneira confortável, evitar o consumo de álcool, usar meias elásticas de compressão para facilitar a circulação sanguínea, não ingerir remédios para dormir, caminhar pela aeronave a cada duas horas.
Além disso, deixar de se alimentar ou hidratar pode gerar mal-estar ou situações mais arriscadas, como hipoglicemia, desidratação, agravamento de alterações de pressão arterial, entre outros problemas. Conheça outros cuidados essenciais para trajetos seguros de carro, barco ou avião e boa viagem!