Gregos e romanos já comiam waffle, mas doce foi aperfeiçoado por Ave Marias
O waffle, aquela massinha leve e quadriculada que é tradicionalmente servida com frutas, xaropes doces ou açúcar nos filmes (ou restaurantes e lanchonetes com receitas "importadas"), pode ter milhares de anos. A conclusão é do pesquisador Giorgio Franchetti, autor do livro "Dining with the Ancient Romans", que se propôs a recuperar quais receitas faziam sucesso na Roma Antiga.
E o que ele descobriu é que, até para os romanos, o waffle já era notícia velha.
Da Europa de volta à Grécia Antiga
Antes de chegar à Grécia, é importante notar que variantes da palavra em diversos idiomas existem, pelo menos, desde a Idade Média: o banco de dados do Centre National de Ressources Textuelles et Lexicales (CNRTL ou Centro Nacional de Recursos Textuais e Lexicais), da França, coloca o primeiro registro conhecido de "walfre" como sinônimo da massa doce em 1185.
Mas ao rastrear o modo de preparo em vez dos dicionários, Franchetti encontrou evidências de que os romanos já gostavam do prato. "[Os waffles] são muito provavelmente descendentes do popular 'crustulum', que eram biscoitos doces decorados pelos antigos romanos. O termo em latim sugere que eles eram crocantes, com uma casquinha que esfarelava e derretia na boca", explicou o especialista à CNN.
Não foram localizados até o momento documentos históricos que indiquem como os crustula (plural do crustulum) eram modelados, mas um item essencial para o nosso preparo contemporâneo já existia entre os romanos: o uso de duas superfícies de ferro quente para assar a massa. O que hoje reconhecemos como a máquina de waffle.
E é justamente este detalhe importante que levou o autor ao pai do crustulum (e avô do waffle): o "panis obelius". Esta massa de mão com azeitonas e figos frescos era preparada pelos gregos antigos, bem antes dos romanos, entre dois ferros quentes. A receita era um clássico de rituais ao deus Dionísio, que também costumava envolver álcool, danças e sacrifícios.
O waffle dos romanos
Mas enquanto a receita dos gregos não se assemelhava tanto com os waffles doces contemporâneos, a dos romanos aponta o caminho para como a receita evoluiu.
"As crustula eram biscoitos muito simples, feitos com farinha, mel e gordura. Os waffles de hoje são feitos com manteiga, mas o filósofo romano Plínio, o Velho escreve que o uso de manteiga [nas receitas] diferenciava os patrícios aristocráticos e esnobes dos plebeus", explicou ainda Franchetti à emissora americana.
Outros romanos famosos, como o poeta Horácio, ajudaram o pesquisador e sua parceira Cristina Conte — que se apresenta como uma "chef arqueológica" — a recuperar o preparo das crustula. Como na época a manteiga não era uma unanimidade como o queijo — era considerada um laticínio ruim, usado em cosméticos —, a dupla apostou em gordura de origem animal como a base do waffle do passado.
As crustula teriam sido um sucesso naquela época, vendido perto de templos religiosos nos crustulari — a barraquinha romana. Em seus poemas satíricos, Horácio diz que tutores davam crustula "a crianças para convencê-las a aprender as letras do alfabeto".
Ao longo dos anos, o doce era servido até no fim dos banquetes, como sobremesa, e virou estrela de textos do satirista Caio Lucílio, do dramaturgo Plauto, dos filósofos Sêneca e Lúcio Apuleio, apontou a pesquisa de Franchetti e Cristina.
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É importante lembrar que o território da República e do Império Romano compõem hoje diversos países na Europa e, portanto, as receitas que fascinaram os romanos sofreram influências de diferentes povos e culturas nos séculos seguintes.
O waffle hoje tem suas versões nos Países Baixos — o biscoitinho caramelado stroopwafel seria um dos seus "primos" —, na Bélgica com a versão clássica exportada para o exterior além das Galettes Campinoises, na França com o gaufre, nos EUA com o mais denso waffle americano, etc. Há receitas na Indonésia, em Singapura, variações diversas na Escandinávia, na Coreia do Sul, no Vietnã, na Alemanha...
Seguindo o fio da meada de como o preparo das crustula evoluíram durante a Idade Média na Itália, especificamente, Franchetti encontrou o primeiro "crustulum" com curvas e desenhos na massa: Ferratelle (ou pizzelle). "Em Molise e em Abruzzo, os moradores são 'desmamados' com ferratelle, que são comidos o ano todo em diferentes tamanhos e formatos", explicou à CNN.
O nome "ferratelle", aliás, vem justamente do aparelho de ferro ou metal usado para prensar a massa até hoje nessas regiões. Os ingredientes básicos ainda são os mesmos do crustulum e, no começo, ele se popularizou exatamente como os romanos o degustavam: nos períodos de celebrações religiosas, como Natal, ou nos festejos de Carnaval, abrindo alas para a Quaresma.
As famílias ainda investiam em ferros customizados com seus brasões ou um design associado ao nome para marcar as massas que produziam, segundo a Academia Barilla, instituição educacional mantida pela marca de macarrão. Durante os anos 1700, pais davam ferros de ferratelle com as iniciais da família para as filhas que iriam se casar como parte do dote. Até hoje, famílias preservam preciosidades de gerações anteriores.
Em Abruzzo, a receita tradicional de ferratelle é preparada com ovos, azeite, leite, baunilha e raspas de limão. Mas cada local foi adicionando seu toque à massa básica. O que ficou para trás mesmo foi o paganismo associado ao preparo, no entanto.
"Os romanos nos passaram estes biscoitos divinos e desde o início dos tempos estamos comendo. De acordo com a nossa tradição, para fazer os ferratelle autênticos você tem que rezar uma Ave Maria enquanto assa o primeiro lado e um Pai Nosso enquanto assa o outro", contou à CNN americana Maria Teresa Spagnoli, dona da confeitaria que mais produz ferratelle em L'Aquila.
E se os romanos espalharam o waffle pela Europa e pelo Oriente Médio, ficou a cargo dos holandeses o trazerem às Américas: os primeiros assentamentos em Nova York datam dos anos 1600, assim como no Brasil. E o resto é história — comendo rezando ou não.
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