'Falam que sou comissária', diz única mulher líder de grande aérea no país
Aos 38 anos, Jacqueline Conrado é um "fenômeno" na aviação: uma das mais jovens executivas a assumir a liderança de uma aérea — ela é gerente regional (ou "country manager", seu título oficial em inglês) da companhia americana United Airlines no Brasil — e a única mulher na posição em uma das empresas de maior número de passageiros após a pandemia.
Além disso, ela é diretora da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos e membro do conselho que administra a Câmara Texana de Comércio no Brasil.
Filha de um ex-metalúrgico e de uma dona de casa, Jacqueline começou a trabalhar aos 16 anos em um instituto de treinamentos para empresas, onde acumulou as primeiras experiências corporativas até os 22 anos.
Uma vez formada na faculdade de publicidade, embarcou na primeira experiência na aviação, na Gol Linhas Aéreas, em posição de iniciante na área de marketing. Também passou por uma agência de publicidade —onde teve contato com a aviação executiva. Em 2016, surgiu a oportunidade de assumir um desafio maior: o de se tornar coordenadora do marketing da United no Brasil.
Eu gosto muito de quebrar o status quo. Não romantizo, porque é muito difícil. Muita gente ainda duvida do papel das mulheres. [...] Em uma reunião, quando a mulher é assertiva, ela é considerada estressada, enquanto os homens são tidos como uma liderança muito forte e com personalidade.
Jacqueline Conrado, gerente da United Airlines no Brasil
Cerca de um ano após sua chegada à companhia americana, a brasileira foi promovida à gerência. Em 2018, alçou mais um ambicioso voo e assumiu, interinamente, o cargo de gerente regional para o Brasil, posição em que foi efetivada em 2019.
Mulher não é só comissária
Jacqueline Conrado enxerga uma estigmatização do papel feminino na aviação. "Elas têm muita representatividade nos cargos de entrada no mercado. Mas, conforme a curva vai subindo para as funções de gerência, essa participação cai. Então, infelizmente, como na maioria dos setores, é uma questão que a gente tem muito a percorrer ainda."
Quando eu falo que eu trabalho em aviação, muita gente fala 'você é comissária', porque ainda é a cara feminina no setor. Mas existe uma série de outras oportunidades.
Para ela, o manto de pioneirismo — como uma das primeiras e únicas mulheres em posições de poder dentro das companhias que operam no país — traz não só possibilidades, mas responsabilidades.
"[Tem muito a ver com] a forma como a gente quer encarar a posição. Eu poderia ser, por exemplo, 100% focada em vendas apenas. Mas acho que essa posição tem muito mais a oferecer. Você [deve] olhar qual é a oportunidade que essa cadeira pode te dar. Quando estamos na liderança, podemos iniciar discussões que, se não tem alguém ali que está na mesa para colocar determinada pauta, às vezes não acontecem. É, por exemplo, quando a gente fala de diversidade, de inclusão, de protagonismo feminino, de maior representatividade negra na empresa", acredita.
Desbravando o cockpit
"Quando uma mulher chega no cargo de liderança, comparando com os pares dela, ela é mais exigida. [Mesmo se] elas têm uma melhor formação, mais tempo de experiência do que os homens — isso é fato", observa.
Ela acredita que o esforço para equilibrar o jogo precisa ser intencional e estratégico. "Por isso que eu acho que é tão importante a gente fazer esses trabalhos de sensibilização, educação e letramento das empresas como um todo para poder ver essas diferenças."
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Quero receberOportunidades para isso, aponta, surgem no cotidiano do trabalho que realiza. "A United lançou um plano de crescimento que nunca existiu nesses quase 100 anos de existência da empresa, em que foi realizada a compra de mais 800 aeronaves. Se compramos todos esses aviões, vamos precisar de alguém para pilotá-los", explica.
"Nosso desafio, então, é que vamos precisar de mais pilotos. Nossa oportunidade é aumentar a representatividade de mulheres e pessoas negras. [Por isso], a United lançou uma academia de formação de pilotos no Arizona (EUA) em que foi definido que 50% dos matriculados seriam mulheres e pessoas negras. Na primeira turma, inclusive, ultrapassamos essa meta, com 80% [de mulheres e pessoas negras matriculadas]. É necessário começar a ter um olhar com a intenção de mudar. É sair do automático e começar a repensar o que eu posso fazer de melhor, o que eu posso fazer de diferente."
Em terra firme -- e em alto mar
Fora do expediente, a executiva procura novos horizontes. "Nas minhas férias, sempre tento fazer algo diferente, que eu nunca fiz, até mesmo para me provocar a fazer coisas novas. Hoje eu vou muito pra Bahia, pra Itacaré. Já fiz stand up paddle, canoa havaiana e surfe também, que é uma das coisas mais difíceis que eu já fiz na vida. Falar que eu surfo é uma mensagem muito forte", se diverte. "Mas eu estou fazendo aulas e estou amando. É um momento em que eu fico muito concentrada, em que fico muito bem conectada só com aquilo."
Ela também se dedica ao trabalho voluntário com a Pastoral da Criança. "Eu não posso esquecer, com todo o meu privilégio, que eu moro no Brasil e que a gente vive num dos países mais desiguais do mundo. Por isso eu acho que trabalhar para trazer mais dignidade para as pessoas, para trazer mais oportunidades. Para mim, é uma responsabilidade que eu tenho."
Não posso viver em uma bolha. Eu tive oportunidades, sei o quanto isso foi transformador na minha vida. E isso não muda somente o indivíduo, isso muda o redor. Por exemplo, meus pais que nunca tinham viajado para fora, agora eles viajam, eles já visitaram a Europa, já visitaram os Estados Unidos, coisas também que eles nunca imaginaram.
A escolha pela Pastoral também mantém no escopo de Jacqueline o desenvolvimento de mulheres em situações desiguais. "Há dois focos para mim. Um é você ter um diálogo prioritariamente com as mães, já que, quando você está ali, o objetivo é criar um movimento para que as crianças cresçam de forma saudável. Mas, obviamente, a mãe está ali e, também na realidade brasileira, as mães são chefes de família, [já que] muitas vezes o pai não está presente."
A assistência aos menores, portanto, abre espaço para que mulheres ganhem voz. "Lembro que uma das mães falou, e até me deixou emocionada, que nunca teve oportunidade de falar sobre algumas daquelas questões em outro lugar e isso é uma coisa que me marcou muito. Por uma série de motivos, a vida da mulher fica dedicada a cuidar da criança. Mas ela precisa ser cuidada. Ela é um indivíduo, um ser humano. Algumas mães negras disseram que nunca haviam falado de racismo e, quando tocamos no assunto, diziam 'eu já sofri isso'", relata.
Novos voos
Para a gerente da United, o trabalho da Pastoral "inspira crianças a sonhar" — uma lição que ela tira de sua trajetória de casa à aviação.
"Às vezes, a realidade é tão desafiadora que [sonhar] não está no dia a dia das pessoas. Apesar de todos os desafios na nossa vida, essa é uma mola propulsora para a gente avançar e ter sucesso independente do que o sucesso signifique, seja o sucesso de fazer uma universidade, de ajudar em casa, de ter um carro. Sei a diferença que fez na minha vida e na minha família. E todo mundo merece ter uma oportunidade. Eu vim de uma classe trabalhadora, sempre muito privilegiada. Nunca faltou nada em casa e isso, aqui, no Brasil, é um grande privilégio."
Jacqueline enxerga hoje o céu como seu limite, mesmo diante das desigualdades de oportunidades para homens e mulheres. "Quero continuar crescendo na minha carreira, porque ela me permite todas essas possibilidades, e eu quero mais. Hoje eu já não me afeta tanto quanto me afetou antes ouvir 'você não vai conseguir'", relembra.
Quando o homem é ambicioso, isso é considerado uma superqualidade dele. Quando a mulher fala que ela é ambiciosa, interpretam isso como um defeito, querendo dizer que ela é que é uma pessoa desonesta ou arrogante. Eu sou uma pessoa ambiciosa mesmo. Eu acho que se eu não fosse, eu não teria sido tão bem-sucedida no meu trabalho e nas coisas que eu quero para a minha vida.
"Ambição para mim é nada mais do que você ter a audácia de sonhar. E, quando você passa por alguns desafios, se torna uma coisa que ninguém tira de você", reflete. "Para mim, ter seguido o que eu acredito e me colocar em primeiro lugar é uma coisa que também fez com que eu continuasse querendo mais. E eu quero mais mesmo."
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