Topo

Comida democrática, tacos representam o México que o tex-mex não mostra

Com uma variedade de recheios e muita tradição, tacos mexicanos representam o que há de mais popular no México - Tati Frison
Com uma variedade de recheios e muita tradição, tacos mexicanos representam o que há de mais popular no México
Imagem: Tati Frison

De Nossa

08/08/2023 04h00

Quando se trata de gastronomia, não há como negar: a América Latina está na moda. Se o Peru hoje se consolida como polo de peso — conquistando o topo do prestigiado 50 Best —, outros países prometem ser "a bola da vez" tanto nas próximas edições da lista global, como num futuro menos distante: no 50 Best Latin America, que acontece em novembro no Rio de Janeiro.

Entre estes inegáveis destaques está o México. Mas a conversa sobre "alta cozinha" para por aqui — ou quase.

Há canal melhor para conhecer (e se apaixonar) pela cultura alimentar de um país que a comida de rua? Como os pastéis de feira de São Paulo ou pães de queijo de Minas, essa também é a magia dos tacos mexicanos: comidinha saborosa e variada para qualquer hora — e para todos os bolsos.

Pois essa é a ideia da taqueria Atzi, a filha mais nova de Eduardo Ortiz e Luana Sabino — ele mexicano, ela brasileira e ambos comandantes do jovem e premiado Metzi (São Paulo) — eleito o 27° melhor restaurante da América Latina em 2022.

A Cidade do México é aqui — mais especificamente numa pequena casa em plena Vila Madalena.

Tacos-raiz

Para entender a importância do taco para os mexicanos, no entanto, é preciso se despir de todos os estereótipos associados à cultura local: nada dramático como as novelas (desculpe, Thalía), nem gentrificado como a tequila — aliás, no Atzi, a menina dos olhos é mesmo a Michelada, drinque que mistura cerveja e pimenta.

Esqueça os sobreros e os mariachis dos tex-mex que já fazem sucesso nas capitais brasileiras: para o mexicano, a comida está no dia a dia e nas memórias, onde o clichê passa distante.

Os tacos me lembram, por exemplo, quando eu lembro quando meus pais me levavam para comer um taco al pastor. Ou quando eu tinha 8 anos, 10 anos, e meu pai pegava minha mão e me levava aos mercados", relembra Eduardo.

Tacos al pastor do Atzi, em São Paulo - Tati Frison - Tati Frison
Tacos al pastor do Atzi, em São Paulo
Imagem: Tati Frison

"E os tacos de asada me lembram uma viagem recente a Tijuana. O sabor tem memória, né?".

O mais popular dos tacos, o al pastor (cuja história você conheceu brevemente no programa "Vai Ter Churras", de Nossa), combina abacaxi e carne de porco assada, enquanto o de asada é recheado com carne bovina e guacamole.

Em entrevista a Nossa, Eduardo conta que as variações regionais são as de todo país que divide uma receita típica e compara as variações às receitas de feijoada no Brasil: cada casa tem a sua.

"Você faz do seu jeito. Eu acho que nessa filosofia eu conseguiria falar que acontece também nos tacos".

Tacos com crostinha de queijo, os "vampiros" - Tati Frison - Tati Frison
Tacos com crostinha de queijo, os "vampiros"
Imagem: Tati Frison

Isso tanto é verdade que Ortiz apresenta aos paladares brasileiros variações dos tacos clássicos, como os "vampiros", que ao serem colocados na grelha e temperados com queijos, ficam parecendo morcegos. E tacos especiais, como o campechano (feito com contrafilé, guacamole e chorizo e gringa (com tortilha de trigo, mozzarela, abacaxi e carne de porco).

Para a taqueria, no entanto, houve uma pesquisa para traçar uma identidade — e mesmo nessa raiz, impossível ficar em um taco só.

"Abordamos a Cidade do México, principalmente, e lá tem muita diversidade de tacos, até por ser a cidade a abrigar gente do Norte, como Tijuana, Ensenada, também de Tamaulipas e Oaxaca, que é a parte do Sul".

Preparo de tacos al pastor - também conhecidos como tacos de trompo - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Preparo de tacos al pastor - também conhecidos como tacos de trompo
Imagem: Reprodução/Instagram

Tudo feito ao estilo da capital, com trompo e tudo. Não sabe o que é o trompo? Uma grelha vertical de tijolo cerâmico, onde a peça de carne é preparada. No Azti, a estrela da cozinha toda aberta é justamente ela, que pode ser admirada direto do balcão.

Além do prato

Arte de Frederico Marcondes no Atzi - Reprodução - Reprodução
Arte de Frederico Marcondes no Atzi
Imagem: Reprodução

"Quando cheguei aqui, a Luana me apresentou duas taquerias. Infelizmente, eu não gostei, né?", conta quase encabulado à reportagem.

Ainda assim, o chef valoriza a popularização da chamada "tex-mex" no Brasil: "É uma coisa super legal. Querendo ou não, bem ou mal, eles fizeram uma introdução à cozinha mexicana de algum jeito".

E é com isso em mente que Eduardo e Luana se dividem entre Mezti e Atzi: se o primeiro apresenta preparos mexicanos com toques brasileiros, como o mole de castanhas brasileiras emulsionado com cachaça, em menu degustação que chega ao valor de R$ 365, o segundo propõe a democratização dos sabores do país, com tacos a R$ 18.

Como cozinheiro mexicano, tenho uma responsabilidade de mostrar o que realmente meu país é. Quando eu estou cozinhando, sempre procuro mostrar um pouquinho de história ou o porquê das coisas"

Tortilha do Atzi - Tati Frison - Tati Frison
Tortilha do Atzi
Imagem: Tati Frison

"Se eu pego uma tortilha, por exemplo, a gente está falando de um produto de 4 mil anos, que meus ancestrais faziam. É muito louco porque, agora, nesse mundo moderno, com tanta tecnologia e tudo, a gente, como mexicano, ainda tem esses processos e conhecimento".

No Azti, a tradição é seguida à risca: a massa das tortilhas são feitas por nixtamalização, o cozimento e maceração do milho no cal virgem para dar origem à pasta que ficará crocante na chapa.

E não há exagero na conta da origem milenar do prato: ao que tudo indica, os tacos remontam a tradições culinárias dos povos indígenas do México muito antes da chegada dos espanhois. A palavra "taco" vem do idioma asteca (náuatle), de "tlahco", que significa "meio dobrado".

Com o domínio europeu, novos ingredientes para o recheio da base de milho foram acrescentados além dos peixes e aves já consumidos pelos povos indígenas: tomate, cebola, carne de porco e bovina.

Não é só sobre o produto, não é só sobre o prato, é você apresentar uma coisa muito maior".

Não só taco,
mas muito taco

Quer outro clichê sobre o México? Que os tacos são a comida de rua por excelência. Ainda que seja o carro-chefe do Atzi, Ortiz elenca mais comidinhas populares no México, mas ainda desconhecidas do brasileiro (mesmo para os paladares mais cosmopolitas):

A gente tem tamales, que são esses com um tipo de pamonhas, as tostadas, as flautas, antojitos, quesadillas", enumera.

Quesadillas do Atzi - Tati Frison - Tati Frison
Quesadillas do Atzi
Imagem: Tati Frison

O que todas têm em comum? Base de milho. De resto, uma infinidade de formatos, recheios e temperos (Ortiz avisa: nem toda comida mexicana é apimentada e nem toda pimenta mexicana é jalapeño).

Irresistível perguntar ao chef, no entanto, onde ele come os melhores tacos do México. E a resposta é ainda mais animadora: eles estão por todo lugar. Na Cidade do México então... a cada esquina, uma barraquinha, uma variedade e o poder democrático da comida de rua.

São muitas barracas pequenininhas e que vendem um taco específico, normalmente. Tem aquela de taco al pastor e só vende esse. Outra só de carnitas, outra de tacos de guisado", conta Eduardo.

Quer anotar um local imperdível para sua exploração "taqueira" na capital mexicana? O chef indica o El Vilsito: "Para mim, o melhor taco al pastor na Cidade do México. Tá bem, do país todo".

El Vilsito, taqueria na Cidade do México que funciona em uma oficina mecânica e vive lotada - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
El Vilsito, taqueria na Cidade do México que funciona em uma oficina mecânica e vive lotada
Imagem: Reprodução/Facebook

E, segundo Eduardo, não há quem não se renda às delícias espalhadas pelas ruas.

Na primeira vez que eu fui para a Cidade do México, fiquei sem palavras. Pensava: 'Nossa, na hora do almoço, estão o pedreiro, o cara rico pra caramba, o amigo do taquero. Todo mundo comendo'", relembra.

"Você vê que, graças aos tacos, não há barreiras. A comida nos une e isso é super bacana", conclui.