Comida democrática, tacos representam o México que o tex-mex não mostra
Quando se trata de gastronomia, não há como negar: a América Latina está na moda. Se o Peru hoje se consolida como polo de peso — conquistando o topo do prestigiado 50 Best —, outros países prometem ser "a bola da vez" tanto nas próximas edições da lista global, como num futuro menos distante: no 50 Best Latin America, que acontece em novembro no Rio de Janeiro.
Entre estes inegáveis destaques está o México. Mas a conversa sobre "alta cozinha" para por aqui — ou quase.
Há canal melhor para conhecer (e se apaixonar) pela cultura alimentar de um país que a comida de rua? Como os pastéis de feira de São Paulo ou pães de queijo de Minas, essa também é a magia dos tacos mexicanos: comidinha saborosa e variada para qualquer hora — e para todos os bolsos.
Pois essa é a ideia da taqueria Atzi, a filha mais nova de Eduardo Ortiz e Luana Sabino — ele mexicano, ela brasileira e ambos comandantes do jovem e premiado Metzi (São Paulo) — eleito o 27° melhor restaurante da América Latina em 2022.
A Cidade do México é aqui — mais especificamente numa pequena casa em plena Vila Madalena.
Tacos-raiz
Para entender a importância do taco para os mexicanos, no entanto, é preciso se despir de todos os estereótipos associados à cultura local: nada dramático como as novelas (desculpe, Thalía), nem gentrificado como a tequila — aliás, no Atzi, a menina dos olhos é mesmo a Michelada, drinque que mistura cerveja e pimenta.
Esqueça os sobreros e os mariachis dos tex-mex que já fazem sucesso nas capitais brasileiras: para o mexicano, a comida está no dia a dia e nas memórias, onde o clichê passa distante.
Os tacos me lembram, por exemplo, quando eu lembro quando meus pais me levavam para comer um taco al pastor. Ou quando eu tinha 8 anos, 10 anos, e meu pai pegava minha mão e me levava aos mercados", relembra Eduardo.
"E os tacos de asada me lembram uma viagem recente a Tijuana. O sabor tem memória, né?".
O mais popular dos tacos, o al pastor (cuja história você conheceu brevemente no programa "Vai Ter Churras", de Nossa), combina abacaxi e carne de porco assada, enquanto o de asada é recheado com carne bovina e guacamole.
Em entrevista a Nossa, Eduardo conta que as variações regionais são as de todo país que divide uma receita típica e compara as variações às receitas de feijoada no Brasil: cada casa tem a sua.
"Você faz do seu jeito. Eu acho que nessa filosofia eu conseguiria falar que acontece também nos tacos".
Isso tanto é verdade que Ortiz apresenta aos paladares brasileiros variações dos tacos clássicos, como os "vampiros", que ao serem colocados na grelha e temperados com queijos, ficam parecendo morcegos. E tacos especiais, como o campechano (feito com contrafilé, guacamole e chorizo e gringa (com tortilha de trigo, mozzarela, abacaxi e carne de porco).
Para a taqueria, no entanto, houve uma pesquisa para traçar uma identidade — e mesmo nessa raiz, impossível ficar em um taco só.
"Abordamos a Cidade do México, principalmente, e lá tem muita diversidade de tacos, até por ser a cidade a abrigar gente do Norte, como Tijuana, Ensenada, também de Tamaulipas e Oaxaca, que é a parte do Sul".
Tudo feito ao estilo da capital, com trompo e tudo. Não sabe o que é o trompo? Uma grelha vertical de tijolo cerâmico, onde a peça de carne é preparada. No Azti, a estrela da cozinha toda aberta é justamente ela, que pode ser admirada direto do balcão.
Além do prato
"Quando cheguei aqui, a Luana me apresentou duas taquerias. Infelizmente, eu não gostei, né?", conta quase encabulado à reportagem.
Ainda assim, o chef valoriza a popularização da chamada "tex-mex" no Brasil: "É uma coisa super legal. Querendo ou não, bem ou mal, eles fizeram uma introdução à cozinha mexicana de algum jeito".
E é com isso em mente que Eduardo e Luana se dividem entre Mezti e Atzi: se o primeiro apresenta preparos mexicanos com toques brasileiros, como o mole de castanhas brasileiras emulsionado com cachaça, em menu degustação que chega ao valor de R$ 365, o segundo propõe a democratização dos sabores do país, com tacos a R$ 18.
Como cozinheiro mexicano, tenho uma responsabilidade de mostrar o que realmente meu país é. Quando eu estou cozinhando, sempre procuro mostrar um pouquinho de história ou o porquê das coisas"
"Se eu pego uma tortilha, por exemplo, a gente está falando de um produto de 4 mil anos, que meus ancestrais faziam. É muito louco porque, agora, nesse mundo moderno, com tanta tecnologia e tudo, a gente, como mexicano, ainda tem esses processos e conhecimento".
No Azti, a tradição é seguida à risca: a massa das tortilhas são feitas por nixtamalização, o cozimento e maceração do milho no cal virgem para dar origem à pasta que ficará crocante na chapa.
E não há exagero na conta da origem milenar do prato: ao que tudo indica, os tacos remontam a tradições culinárias dos povos indígenas do México muito antes da chegada dos espanhois. A palavra "taco" vem do idioma asteca (náuatle), de "tlahco", que significa "meio dobrado".
Com o domínio europeu, novos ingredientes para o recheio da base de milho foram acrescentados além dos peixes e aves já consumidos pelos povos indígenas: tomate, cebola, carne de porco e bovina.
Não é só sobre o produto, não é só sobre o prato, é você apresentar uma coisa muito maior".
Não só taco,
mas muito taco
Quer outro clichê sobre o México? Que os tacos são a comida de rua por excelência. Ainda que seja o carro-chefe do Atzi, Ortiz elenca mais comidinhas populares no México, mas ainda desconhecidas do brasileiro (mesmo para os paladares mais cosmopolitas):
A gente tem tamales, que são esses com um tipo de pamonhas, as tostadas, as flautas, antojitos, quesadillas", enumera.
O que todas têm em comum? Base de milho. De resto, uma infinidade de formatos, recheios e temperos (Ortiz avisa: nem toda comida mexicana é apimentada e nem toda pimenta mexicana é jalapeño).
Irresistível perguntar ao chef, no entanto, onde ele come os melhores tacos do México. E a resposta é ainda mais animadora: eles estão por todo lugar. Na Cidade do México então... a cada esquina, uma barraquinha, uma variedade e o poder democrático da comida de rua.
São muitas barracas pequenininhas e que vendem um taco específico, normalmente. Tem aquela de taco al pastor e só vende esse. Outra só de carnitas, outra de tacos de guisado", conta Eduardo.
Quer anotar um local imperdível para sua exploração "taqueira" na capital mexicana? O chef indica o El Vilsito: "Para mim, o melhor taco al pastor na Cidade do México. Tá bem, do país todo".
E, segundo Eduardo, não há quem não se renda às delícias espalhadas pelas ruas.
Na primeira vez que eu fui para a Cidade do México, fiquei sem palavras. Pensava: 'Nossa, na hora do almoço, estão o pedreiro, o cara rico pra caramba, o amigo do taquero. Todo mundo comendo'", relembra.
"Você vê que, graças aos tacos, não há barreiras. A comida nos une e isso é super bacana", conclui.
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