O país que ainda tem 170 mil bunkers e vive rodeado por abrigos nucleares

É quase impossível caminhar mais de 100 metros na Albânia e não cruzar com um bunker nuclear.
Às vezes, eles são quase imperceptíveis, com apenas uma pequena entrada que brota do chão. Em outras são instalações gigantescas, com centenas de cômodos e portas de aço que pesam toneladas.
A obsessão por uma guerra nuclear que nunca aconteceu transformou esse país do leste europeu em um dos lugares com mais abrigos subterrâneos do mundo.
Mas hoje em dia, os bunkers foram ressignificados, e se tornaram um atrativo turístico obrigatório para quem visita a Albânia.
Por que tantos?
Os bunkers de guerra desse país que faz fronteira com a Grécia são parte de um capítulo importante da história política e militar da Albânia.
Eles foram construídos durante o regime comunista liderado pelo ditador paranoico Enver Hoxha, que governou o país de 1944 até 1985.
Hoxha ordenou a construção de centenas de milhares de bunkers ao longo das décadas que esteve no poder. O objetivo era proteger o país de ameaças externas, a maioria delas fruto da imaginação do ditador.
A empreitada faraônica custou bilhões de dólares à Albânia, um dos fatores que explicam por que a economia do país é uma das mais fracas da Europa até hoje.
O temor de invasões e ataques com armas nucleares era tão grande na década de 1960 que os bunkers foram construídos em praticamente todos os cantos da Albânia, incluindo as grandes cidades, praias e até mesmo montanhas.
Ao todo, o país levantou mais de 750 mil abrigos nucleares, o que na época era suficiente para abrigar todos os albaneses. Hoje em dia, estima-se que ainda existam cerca de 170 mil bunkers de pé.
Embora os bunkers albaneses nunca tenham sido usados para sua finalidade original, proteger a população contra um eventual ataque nuclear, os abrigos ainda são um símbolo importante da história da Albânia e da época comunista.
Para os albaneses, os Bunkers representam a memória de um passado cinzento e opressor, mas também um alerta para que a história não se repita.
Banheiro, sorvete e até pegação
Na paisagem albanesa, os bunkers mais comuns são os iglus de concreto armado, erguidos para servir de abrigo para 2 ou 4 pessoas.
Presentes em praticamente toda esquina da capital Tirana, muitos desses bunkers receberam pinturas lúdicas: alguns viraram casco de tartarugas, devido à semelhança do formato.
No quesito utilidade, a criatividade molda o uso dos bunkers: é comum ver crianças brincando em seus interiores, e também adolescentes trocando beijos sob a cúpula de concreto.
Nas cidades, os bunkers maiores se transformaram em estrutura para barracas de comida e de sorvete. Existe até mesmo banheiro público dentro dos bunkers.
Já em Durrês, na bela e ensolarada costa albanesa, o Elesio Resort utilizou a estrutura de um bunker para construir um spa. Outros exemplos do tipo são comuns em todo o país.
Museus contam história dos abrigos
Para os turistas que querem realizar o roteiro de bunkers, visitar o museu Bunk'Art é imperdível. Aberto em 2014, o projeto é uma das galerias de arte mais impressionantes e diferentes de toda a Europa.
Existem duas sedes do museu: uma no centro de Tirana e outra nos arredores da capital. Somente no mês de abertura do Bunk'Art, mais de 70 mil albaneses visitaram a galeria. Até então, pessoas comuns não podiam entrar nos bunkers, que eram protegidos por militares.
O Bunk'Art nasceu através de um edital de cultura lançado pelo governo da Albânia em celebração aos 70 anos de independência. A ideia de abrir os dois maiores abrigos nucleares do país ao público foi do jornalista italiano Carlo Bollino.
"Não havia um local onde um turista ou mesmo um albanês pudesse conhecer os segredos do passado", disse à BBC na época.
O preço para visitar o Bunk'Art é 500 leks albanases, cerca de 4,5 euros. A maior e principal galeria é conhecida como Bunk'Art 1, e fica localizada a 20 minutos de carro do centro de Tirana, no interior de uma das centenas de montanhas que circundam a capital.
Para acessar o Bunk'Art 1, os visitantes passam por um túnel e depois são conduzidos a uma pequena entrada esculpida nas rochas da montanha.
Quando se está dentro, as dezenas e corredores, escadas, salas e escotilhas confundem até mesmo os mais atentos.
Com recursos audiovisuais e plásticos, os 5 andares abaixo do solo contam a história da Albânia sob o regime de Hoxha.
Um dos pontos altos da visita é poder entrar no quarto e no escritório do ditador, mantidos com toda a mobília original de quando o bunker foi construído, em 1978.
Entre inúmeros cômodos, o espaço possui um enorme teatro subterrâneo que seria destinado às reuniões do Partido do Trabalho de Hoxha. Hoje em dia, concertos musicais e outras apresentações são sediados por lá.
Inaugurado em 2016, o Bunk'Art 2 é um espaço menor, mas tão interessante quanto o 1. A entrada fica no centro de uma praça no coração de Tirana e basta descer alguns lances de escada para dar de cara com as antigas instalações de guerra.
Muito desse museu é dedicado a explicar o sigurimi, sistema de controle criado por Hoxha para espionar a população. Os visitantes são convidados, por exemplo, a procurar por um grampo de espionagem escondido em uma mesa de madeira.
Ambos os bunkers possuem uma atmosfera pesada, fria e claustrofóbica. É necessário um pouco de preparo psicológico antes de comprar o ticket. Ainda assim, a visita vale muito a pena e é sem dúvida uma verdadeira aula sobre a história da Albânia. É impossível visitar o Bunk'Art sem arregalar os olhos e soltar um "uau" ao entrar em uma nova sala. Todos os turistas se comportam com exatamente com a mesma surpresa e curiosidade. É realmente um programa diferente de tudo o que você já viu.
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