Nu com a mão no bolso: sem praias, naturistas de SP se refugiam no interior
A falta de praias oficiais para a prática do naturismo no litoral de São Paulo vem fazendo com que milhares de adeptos deste estilo de vida realizem uma árdua busca por faixas de areia mais tranquilas, longe de olhares curiosos de banhistas.
As mais desertas e distantes dos centros urbanos são as mais procuradas.
Durante a semana, os naturistas se organizam em grupos e "elegem" um local para frequentar no fim de semana seguinte.
As praias Mansa e da Lagoa, em Ubatuba; a Praia Brava, em São Sebastião; e a Desertinha, em Peruíbe, embora não sejam oficiais, são as mais procuradas.
Mesmo sem o reconhecimento oficial das autoridades políticas, a praia da Lagoa aparece no Google Maps como "Praia da Lagoa Naturista".
Aos fins de semana é comum encontrar os praticantes nas praias Mansa e da Lagoa, exercendo o principal mote do estilo de vida, que é o contato direto com a natureza, em harmonia com o ambiente ao ar livre.
Para chegar às duas praias é preciso acessar uma trilha, que parte da praia Ponta Aguda, na divisa com Caraguatatuba.
Sem praias oficiais em território paulista, eles precisam viajar para o Nordeste, Rio de Janeiro ou até para o sul do país para frequentar praias exclusivamente naturistas.
Até porque se um banhista for flagrado pela polícia totalmente nu, em praias comuns, poderá ser detido entre três meses a um ano ou pagar multa por "praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público", conforme prevê o artigo 233 do Código Penal.
Brasil tem apenas 8 praias oficiais de nudismo:
- Praia do Pinho (SC), Balneário Camboriú
- Praia de Pedras Altas (SC), no município de Palhoça
- Praia da Galheta (SC), Florianópolis
- Praia de Barra Seca (ES), Linhares
- Praia Olho de Boi (RJ), Búzios
- Praia do Abricó (RJ), Rio de Janeiro
- Praia de Tambaba (PB), Conde
- Praia de Massarandupió (BA), Entre Rios
*praias reconhecidas por suas respectivas prefeituras municipais e pela Federação Brasileira de Naturismo (FBrN)
Em 2018, um movimento encabeçado pela NatVale (Associação de Naturistas do Vale do Paraíba e Litoral Norte) realizou diversas ofensivas para tentar transformar a praia Mansa em local exclusivamente naturista.
Durante alguns meses, os adeptos deste estilo de vida, mesmo com a presença de banhistas têxteis, frequentaram o local como forma de sensibilizar os moradores de Ubatuba a aceitá-los. Antes de tirarem as roupas, no entanto, os naturistas conversavam com os banhistas.
A maioria consentia com a prática.
Os adeptos realizaram esforços para mostrar que o naturismo também poderia movimentar o turismo, especialmente na baixa temporada, elevando a taxa de ocupação de hotéis e restaurantes.
Fazia parte do plano de conscientização mostrarmos que em outras regiões do país, o naturismo auxilia no fomento do turismo, movimenta hotéis, pousadas e restaurantes e que poderia ser uma atração a mais para Ubatuba. Éder da Silva Ferreira, presidente da NatVale
Um projeto de lei chegou a dar entrada na Câmara de Ubatuba à época, mas a proposta sequer entrou na pauta, pois foi retirada por pressão popular.
Tentativas frustradas
Em 2013, a FBrN (Federação Brasileira de Naturismo) iniciou um lobby para transformar a praia Brava, em Boiçucanga (São Sebastião), em local destinado a naturistas. A ofensiva sofreu retaliações de caiçaras locais, turistas e surfistas, que expulsavam os naturistas do local. No entanto, a pequena faixa de areia continua sendo utilizada até hoje para a prática, devido à sua localização de difícil acesso, apesar de protestos dos banhistas locais.
A praia Desertinha, situada na Estação Ecológica Jureia-Itatins, em Peruíbe, no litoral sul, que há décadas recebe praticantes do naturismo, também esteve nos planos da entidade para legalização do espaço público, mas mesmo com a proposta sendo bem recebida pelo trade turístico, prefeitura e moradores, a entidade colecionou mais uma derrota. Procurada para comentar sobre as iniciativas de legalizar praias naturistas no estado de São Paulo, a presidente da federação, Paula Silveira, não quis comentar o assunto.
Na década de 1990, um projeto de lei de iniciativa da Câmara Municipal de Ilhabela, que previa a transformação da praia da Caveira em espaço naturista, também não foi adiante. A praia está voltada para o mar aberto e o acesso é feito apenas por embarcações. Mesmo não sendo oficializada, vários naturistas utilizam o espaço, que fica praticamente deserto durante a semana.
Com seus 7.491 quilômetros de faixa litorânea, o Brasil possui apenas oito praias oficiais para a prática no naturismo. Tambaba (PB), foi a primeira a autorizar oficialmente que os frequentadores tirassem a roupa. Em Santa Catarina, há três praias do tipo: Pedras Altas (Palhoça), Galheta (Florianópolis) e praia do Pinho (Balneário Camboriú).
O estado do Rio de Janeiro tem duas áreas para a prática do naturismo: Olho de Boi (Búzios) e Praia do Abricó (zona oeste da capital). As outras ficam no Espírito Santo, em Barra Seca (Linhares) e na Bahia, na praia de Massarandupió (Entre Rios).
Subindo a serra
Sem praias exclusivas para a prática do naturismo, os adeptos acabam procurando sítios, pousadas e até propriedades particulares, que se tornaram redutos voltados para o segmento. A maioria desses lugares está localizada no Vale do Paraíba, Serra da Mantiqueira e Sul de Minas Gerais. As três regiões ficam a menos de três horas da capital paulista, onde a maioria deste público reside.
"Somos muito procurados por diversos grupos e famílias de naturistas, especialmente de São Paulo, para passar o fim de semana em nosso empreendimento. Eles nos confidenciam que buscam novos lugares para a prática do naturismo, já que está cada vez mais difícil encontrar locais exclusivos e que as praias estão cada vez mais lotadas, o que inviabiliza eles tirarem a roupa", afirma Valdinei Vander Porfiro, proprietário da pousada Morada do Luar, localizada em Gonçalves (MG), a 220 quilômetros da capital paulista.
Segundo ele, o espaço é procurado por estar localizado a 8,5 quilômetros do centro da cidade, em uma zona rural, e a 1.450 metros de altitude, no alto de uma montanha.
"Os chalés são distantes uns dos outros, o que garante maior privacidade, e nossa área possui um mirante com vista para as montanhas, onde eles gostam de conversar ao pôr do sol, acender fogueira, cantar e tocar violão, tudo sem roupas, sem a oportunidade de serem vistos, já que não temos vizinhança nas redondezas", destaca.
Porfiro acrescenta que a pousada não é exclusiva para naturistas, mas que fecha algumas datas pontuais para este tipo de público.
A psicóloga Lenina Campos, 31, de Taubaté (SP), uma das ativistas que participaram do lobby para transformar a praia Mansa em local naturista em 2018, também trocou as areias de Ubatuba por lugares privados no interior. A pandemia e a maternidade a afastaram dos grupos naturistas que iam à praia com frequência. Ela diz que pratica o naturismo indoor, dentro de casa, diariamente. "As roupas são meus acessórios sociais". Fora de casa, prefere praticar o naturismo em uma área privada de hotel fazenda em São Roque.
"Durante esse tempo (de pandemia) eu sempre pratiquei o naturismo dentro de casa, inclusive com meu bebê. Quando se tornou possível socializar sem grandes riscos, passei a escolher lugares privados que forneciam toda a segurança e privacidade adequadas para praticar o naturismo em sua essência, entrando em contato com a natureza, nosso habitat natural. Quase sempre os locais escolhidos são espaços de amigos adeptos da prática ou que simpatizam e não criam resistência", conta ela.
Comunidade naturista anarquista
Na pacata cidade de Monteiro Lobato, a 130 quilômetros de de São Paulo, uma comunidade naturista recebe cerca de dois mil adeptos anualmente, que são atraídos pela natureza, cachoeiras e muita privacidade em seus 54 mil metros quadrados de área cercados pela vegetação típica da Mantiqueira.
A comunidade anarquista e naturista Morada Terra Viva alia o naturismo com terapias holísticas e xamânicas, além de festas mensais, onde os adeptos têm a oportunidade de vivenciar e assistir manifestações culturais, artísticas e celebrações, como as cerimônias do cacau e do rapé.
Nossa comunidade nasceu naturalmente. Eu sempre recebia amigos em casa, onde começamos a praticar o naturismo. Este número foi crescendo e as pessoas tinham que trazer barracas para dormir, já que a casa não comportava a quantidade de visitas. Soraya Aguillera, atriz e cantora
Ela conta que o número de visitantes só não é maior devido a um rigoroso processo de triagem dos interessados em participar das festas do coletivo. "Realizamos uma seleção prévia pois somos um lugar de liberdade e precisamos ser rodeados por segurança e respeito", acrescenta ela, que já iniciou essa triagem para o "Carnaval da Alegria", uma festa carnavalesca que será realizada no espaço, entre 17 e 22 de fevereiro.
O fotógrafo Jonas Araújo, 25, da capital paulista, um dos frequentadores da Morada Terra Viva, também reclama da falta de lugares e espaços públicos para a prática no naturismo. "Isso não ocorre apenas no estado de São Paulo. No país inteiro há escassez de lugares oficiais para prática", reforça ele, que é naturista há um ano e já praticou o estilo de vida na Praia Brava, em São Sebastião.
Na comunidade de Monteiro Lobato, ele destaca que o contato com a natureza e a programação do lugar fizeram com ele tivesse o sentimento de acolhimento e liberdade, "que a sociedade padrão não possibilita".
A bailarina Brun Willi, 28, de São José dos Campos (SP), naturista há seis anos na Morada Terra Viva, também faz coro à maioria dos praticantes praieiros:
De fato faz muita falta uma praia com ambiente naturista, onde nos sentimos à vontade para nos conectarmos à natureza. Sem a praia, prefiro frequentar a comunidade, que me oferece liberdade para eu expressar meu corpo em integração com a natureza.
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