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Saudade das esfihas brasileiras faz paulista abrir rede Harab's em Portugal

Loja da rede de esfihas Harab's em Lisboa: portugueses não conheciam o formato popular no Brasil Imagem: Reprodução Instagram

Natália Eiras

Colaboração para Nossa, de Lisboa, Portugal

15/08/2022 04h00

Há um quitute "brasileiro" bastante improvável a conquistar Lisboa: as esfihas. Apesar de ser sírio-libanês, o prato está ganhando espaço na capital de Portugal por conta da comunidade brasileira, que, atualmente, é formada por mais de 210 mil imigrantes. Para essas pessoas, as massas redondas com recheio representam, do outro lado do oceano Atlântico, uma boa oportunidade de negócio e um pedacinho de terra-natal para os brasileiros.

Foi este o raciocínio de Adriano Santos, 37 anos, de Birigui (SP). Há seis anos em Portugal, o empresário trabalhou em restaurantes até a pandemia, quando saiu do emprego. Ele sempre quis abrir o próprio negócio no país e, acompanhando comunidades de brasileiros no Facebook, percebeu que havia uma demanda por esfihas.

"Sempre havia pessoas perguntando onde comer, onde pedir". Assim, em casa durante o confinamento, ele e a esposa testaram várias receitas do prato até chegar na que, atualmente, vende no Harab's, restaurante que abriu em outubro de 2020.

A esfiha é, de acordo com o jornalista Diogo Bercito, autor do livro "Brimos: Imigração sírio-libanesa no Brasil e seu caminho até a política", um dos pratos típicos do Levante, região no leste do Mediterrâneo que hoje engloba a Síria e o Líbano. "Uma das esfihas mais celebradas é a de Baalbek, na fronteira da Síria. Grandona, cheia de carne, para comer espremendo limão em cima", fala o especialista.

Esfihas do Harab's: para matar a saudades dos brasileiros e, para os portugueses, uma novidade Imagem: Reprodução Instagram

O quitute foi levado para o Brasil pelos imigrantes sírio-libaneses na virada do século 19 para o 20. "É difícil dizer exatamente quando ou quem foi o primeiro a introduzir a iguaria. Há uma história de que um professor começou a vender esfihas nos botecos da rua 25 de Março nos anos 1940, por exemplo, mas eu não duvido que o prato já circulasse muito antes disso no país", explica.

Por terem essa ligação tão íntima com a esfiha, Adriano percebeu que era uma boa oportunidade de negócio, mesmo que ficasse focado apenas na comunidade brasileira. Deu certo. Hoje, o Harab's tem 11 lojas espalhadas por Portugal e deve abrir mais seis ainda este ano.

Adriano Santos abriu o Harab's em outubro de 2020. Hoje, tem 17 unidades em Portugal Imagem: Natalia Eiras/UOL

Não é que Lisboa não tenha comida "árabe". A cidade tem diversos estabelecimentos que oferecem falafel e shawarma, pratos também da região do Oriente Médio. É que estas iguarias não estão na nossa memória como a comida árabe que conhecemos.

Diogo Bercito diz que os imigrantes sírio-libaneses foram bem-sucedidos em "vender" suas diferenças culturais durante a formação social de cidades como São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ). "Capitalizaram o interesse do restante da população e criaram essa cozinha que a gente chama de 'árabe', mas que, na verdade, é uma seleção específica de pratos do que são hoje a Síria e o Líbano", diz o jornalista.

A praticidade foi o fator decisivo para que o coração dos brasileiros fosse conquistado. Ela pode ser consumida no parque, na praia e no transporte público. "É fácil de preparar e para comer com a mão, encostado no balcão de um bar", diz Diogo Bercito. O preço também é algo atrativo, assim como a possibilidade de escolher diversos sabores e partilhá-los sem problemas com a família ou grupo de amigos.

Como no Brasil, vale o mix de sabores, com direito a cheddar, bacon, linguiça e mais Imagem: Reprodução

Memórias afetivas

O fator emocional é um dos maiores apelos das esfiharias entre os brasileiros. A empresária Luana Silva, 25, de Salvador (BA), mora há seis meses em Portugal e assumiu, há um mês, a Aladdin, restaurante fundado em 2016. O custo-benefício foi um fator importante para que ela investisse no quitute, mas ela sabia que haveria demanda por causa da memória afetiva do brasileiro com a esfiha.

"A gente quer trazer um pouco do Brasil para cá. Por isso encontramos pão de queijo e muita comida brasileira por aqui. Por mais que a gente saía do nosso país, queremos sentir um pouco o gostinho dele aqui em Portugal", diz Luana.

É o que mais escutamos dos nossos clientes, que faziam muito tempo que não comiam esfiha. É legal trazer um pouco do Brasil para cá"

Na Aladdin, as esfihas também dividem espaço com outras 'saudades' brasileiras, como as coxinhas Imagem: Reprodução Facebook

Há oito anos na capital portuguesa, a empreendedora Ana Paula Santos Frade, 39, gostava muito da comida árabe da forma como a conhecemos no Brasil. Por mais que Lisboa tivesse outras opções de pratos da região do Oriente Médio, ela sentia falta de esfihas e quibes. "E quando cheguei aqui não havia nada parecido, mal existia delivery", comenta, rindo.

Para Ana Paula, a iguaria lhe remete à infância. "Lembro que meus pais sempre nos levavam a uma casa de esfiha em um bairro próximo ao nosso. Às vezes eram um passeio de domingo à noite. Naquela época existia apenas as de carne e queijo", reflete. Por conta dessas lembranças, o prato é uma espécie de comida conforto.

É um aconchego, que como para matar a saudade de casa"

Para matar a saudade, ela botou a mão na massa. "Até achei algumas esfihas fechadas, mas não eram boas. Eu me aventurei a fazer duas vezes, porém dá muito trabalho." Descobriu, em 2019, que havia um restaurante de esfihas, em uma cidade próxima e que não entregava em sua casa. "Eu e uma amiga pedimos para os nossos maridos, ambos portugueses, irem buscar". Eles atravessaram a cidade atrás do quitute. "Eles quase nos mataram depois, porque disseram que aquilo era uma mini-pizza."

Para a adesão também do público português, a estratégia da Harabs's será comparar as esfihas com mini pizzas Imagem: Reprodução Instagram

"Espirra?"

Em uma mesa da sede do Harab's, em Benfica, bairro bastante tradicional de Lisboa, dois portugueses parecem animados para experimentar esfihas. Eles abrem o Wikipedia, procuram a história do quitute. Quando questionado do porquê da curiosidade: "Vi em um aplicativo de entrega, pareciam minipizzas, mas diferentes", explica um deles. Ambos não quiseram ser identificados.

Luana Silva diz que, por quanto, a Aladdin vai continuar focada na comunidade brasileira. Adriano, do Harab's, tem planos mais ambiciosos.

Depois de expandir as unidades, o próximo passo do empresário é conquistar o público português. O principal obstáculo, no entanto, é explicar o conceito do prato para os locais.

Eles nunca ouviram a palavra 'esfiha'. Diariamente acontece de alguém chegar e perguntar: 'mas o que é 'espirra'?'"

Unidade da rede de esfiharias em Portugal Imagem: Reprodução

Ele tentou evitar o engano abrindo mão do "H" e adotando a grafia "esfirra", com dois R. Não adiantou.

Agora, para tentar divulgar mais a iguaria entre os portugueses, ele tomou uma decisão a contragosto: criar um paralelo com a minipizza. "Elas não são iguais. A massa da minipizza é mais pesada e salgada. Mas contratamos uma empresa de comunicação e eles disseram que esse é o melhor caminho", afirma.

Porém, antes da mudança de estratégia, o dono do Harab's já havia feito algumas adaptações em seu menu: no almoço, há a opção de pedir duas esfihas acompanhadas de sopa. "Porque o português gosta de comer sopa mesmo no calor", explica.

Ele também incluiu, no cardápio, sabores como o de chourição e, mais recentemente, o de bacalhau — que vem desfiado na esfiha com creme de queijo, muito semelhante ao prato português Bacalhau com Natas.

"Há 20 anos, o português não comia sushi, não consumia peixe cru. E hoje é a comida do fim de semana deles", fala o empresário. "Eles são muito receosos para novidades, mas acredito que, com o tempo, eles deve aderir às esfihas. A comunidade brasileira ajuda muito, porque ela quer que as pessoas conheçam as comidas que ela come. Falamos com muito carinho da comida e os portugueses sempre acabam experimentando."

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