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Espumantes invadem o dia a dia e passam a ser apreciados de várias formas

Espumante não é tudo igual: saiba as variações e possibilidades de consumo - Getty Images
Espumante não é tudo igual: saiba as variações e possibilidades de consumo Imagem: Getty Images

Tânia Nogueira

Colaboração para Nossa

26/07/2022 04h00

O espumante deixou de ser uma bebida só de festas e comemorações. Boa parte dos consumidores já entendeu que um champanhe, um cava, um prosecco e especialmente o espumante nacional podem ser uma opção interessante para o aperitivo em casa, a mesa do bar ou para acompanhar as refeições.

Segundo a União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra), depois de uma queda em 2020, as vendas dos espumantes no Brasil dispararam em 2021 e ultrapassaram as dos vinhos finos. Foram 40,4 milhões de garrafas de espumante contra 36 milhões de garrafas de vinhos finos. De acordo com uma pesquisa da Ideal Consulting, as vendas de espumantes no país subiram 32% em 2021.

"Num primeiro momento da pandemia, com a paralisação de festas e eventos, houve uma retração no consumo de espumantes no mundo todo", diz Fabiano Ruiz, diretor executivo da Henkell Freixenet no Brasil, responsável por um em cada três espumantes importados consumidos por aqui.

"Mas as festas voltaram aos poucos e as pessoas se acostumaram a beber espumante no dia-a-dia, até em casa. Outra grande tendência é usar espumantes na coquetelaria. Pretendemos terminar o ano com um crescimento de 50% sobre o movimento de 2021".

Por que não abrir um espumante no fim da tarde quando se chega do trabalho em vez de uma cerveja? Afinal, ele é leve e fresco. Porém, também precisa ser econômico para atrair novos públicos. Para isso, uma das apostas são as versões em latinha e as produções nacionais.

Espumante pode substituir aquela cervejinha no fim do dia - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Espumante pode substituir aquela cervejinha no fim do dia
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Borbulhas made in Brasil

O Brasil é um grande produtor de espumantes. Produz rótulos de qualidade em todos os segmentos: 86% dos espumantes vendidos no Brasil são nacionais.

Temos tradição de mais de um século na produção de vinhos do estilo. Na "1ª Exposição de Uvas de Garibaldi", realizada na cidade gaúcha em 1913, o imigrante italiano Manoel Peterlongo Filho levou uma medalha de ouro pelo seu "Moscato Typo Champagne".

Esse é o primeiro registro oficial da produção de um espumante, mas Peterlongo chegou ao país em 1875. É difícil dizer desde quando ele produzia vinhos ao estilo de Champagne. Era uma produção caseira. A vinícola, desenhada para produzir espumantes, ele fundou só em 1915.

Peterlongo, a única vinícola brasileira a produzir Champagne - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Peterlongo, a única vinícola brasileira a produzir Champagne
Imagem: Reprodução/Instagram

Daí para a frente, várias outras famílias começaram a investir no estilo. Dê uma olhada nas fotos do casamento de seus avós. É provável que em cima da mesa houvesse uma garrafa de Peterlongo ou Salton.

Com a chegada da Chandon ao Brasil, em 1973, a produção ganhou uma escala maior e mais tecnológica.

Antes disso, a maioria dos espumantes no Brasil eram feitos pelo método tradicional, o mesmo usado em Champagne.

Isso consiste em fazer duas fermentações, a primeira num ambiente não vedado e a outra na garrafa. A fermentação, quando as leveduras transformam açúcar em álcool, sempre produz gás carbônico. Nos tanques costuma ter uma válvula de escape para esse gás. Já a segunda fermentação é feita na garrafa fechada justamente para aprisionar as bolhas de gás.

É um processo que demanda bastante trabalho e, portanto, hoje costuma ser reservado para espumantes de maior qualidade.

Foco no frescor

Espumante degustado direto do tanque - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Espumante degustado direto do tanque
Imagem: Getty Images/iStockphoto

A Chandon veio aprimorar aqui no Brasil o outro método mais comum, o charmat, no qual a segunda fermentação é feita em grandes tanques pressurizados (autoclaves). Neste método, a bebida é transferida para a garrafa já com gás. É um processo que tem um investimento inicial muito alto em maquinário. Portanto, costuma ser usado para produções em larga escala.

Uma característica bastante interessante dos produzidos pelo método charmat é o frescor, por conta de passarem menos tempo em contato com as borras (o que resta da levedura depois da fermentação). Esse contato, por meio de um processo conhecido como autólise, traz para o produto final notas amendoadas e de brioche no nariz e untuosidade na boca.

O Brasil é considerado um pólo de referência na produção de espumantes pelo método charmat, mas também produz grandes rótulos do método tradicional.

A Serra Gaúcha (em especial, Pinto Bandeira) é considerada um ótimo terroir para espumantes, mas hoje há espumantes de qualidade no Brasil inteiro, da Campanha Gaúcha ao Vale do São Francisco, na fronteira da Bahia com Pernambuco. Além do terroir, temos o know how.

Nada de esperar

Na hora de consumir seu espumante, quanto mais fresco, melhor - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Na hora de consumir seu espumante, quanto mais fresco, melhor
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Nacionais ou estrangeiros, poucos espumantes ou mesmo champanhes são feitos para guardar. Aqueles que passaram pouco tempo com as lias, como acontece com grande parte dos charmats, no entanto, devem ser consumidos o quanto antes já que o frescor é uma das suas maiores qualidades. Esse é o caso da maioria dos proseccos, por exemplo.

"O prosecco tem de ser bebido jovem", diz Luciana Secches, CEO da importadora Vignarosa, que traz para o Brasil os proseccos de mesmo nome produzidos por sua família na Itália.

Na Itália, o método das autoclaves é conhecido como Martinotti, em referência a Federico Martinotti, que teria patenteado o método em 1895, quinze anos antes do francês Eugène Charmat.

Novos ares, novos vinhos

Quais são as novas tendências quando se fala em espumantes? Depende de a qual consumidor nos referimos.

"Os millennials gostam de vinhos com um pouco mais de açúcar," diz o sommelier Tiago Locatelli. "Mas só o suficiente para amaciar. Se ficar doce, já tem rejeição. Já o consumidor experiente quer o espumante cada vez mais seco. Os da categoria nature são tendência no mundo todo, do Brasil a Champagne."

O Cave Geisse Nature foi um dos primeiros espumantes nacionais sem adição de açúcar. Isso só foi possível por sua maciez natural - Divulgação - Divulgação
O Cave Geisse Nature foi um dos primeiros espumantes nacionais sem adição de açúcar
Imagem: Divulgação

Nature é o espumante mais seco. Depois da segunda fermentação, os espumantes do método tradicional passam por um processo de retirada das borras que se chama degorgement. A garrafa, que até então estava com uma tampinha de cerveja, fica de ponta-cabeça e passa por uma máquina que congela as borras depositadas no gargalo.

Então, a tampa é retirada, a parte congelada é expelida pela pressão e o espaço que sobra é preenchido com o chamado licor de expedição. Esse licor é uma mistura do próprio espumante com açúcar.

No caso do nature, a garrafa só é preenchida com o próprio espumante, sem nenhum açúcar adicionado. Só será classificada assim, por sinal, se o açúcar residual, aquele da própria fruta que sobra da fermentação, não passar de 3 g/l.

O espumante brut, aquele que estamos mais acostumados a beber, tem de 6,1 g/l a 15 g/l. Já o extra brut, outra tendência, tem até 6 g/l. No Brasil, os da categoria nature estão muito na moda. Um muito conceituado é o Cave Geisse Nature, do enólogo chileno Mario Geisse, que chegou ao Brasil nos anos 1970, para trabalhar na Chandon e aqui descobriu um grande terroir.

Ótimo exemplar do estilo que  virou febre no Brasil, o Sur Lie Vaccaro,de Garibaldi, equilibra muito bem os aromas de frutas com os de fermentação que a levedura deixa, além disso, tem boa acidez - Divulgação - Divulgação
Exemplar do estilo que virou febre no Brasil, o Sur Lie Vaccaro, de Garibaldi, equilibra aromas de frutas com os de fermentação
Imagem: Divulgação

Um estilo que tem ganhado muita força entre os produtores brasileiros é o sur lie, que não passa pelo degorgement. Ele é vendido com as borras e a tampinha de cerveja. A ideia é que o consumidor escolha quanto tempo de autólise terá aquilo que vai beber. Na maior parte das vezes, os sur lies são também natures já que não é acrescentado nenhum açúcar e raramente o açúcar residual ultrapassa os 3 g/l.

"O sur lie é um estilo mais para conhecedores", diz Locatelli. "O consumidor, para apreciá-lo, em geral, tem de ter passado pelo brut, pelo extra brut e pelo nature". As borras ainda presentes podem causar certo estranhamento.

Mais diferente ainda, é o estilo pet-nát, que vem na onda dos naturebas. É produzido pelo método ancestral, no qual acontece uma única fermentação, mas ela começa no tanque e termina na garrafa. Ou seja, o espumante é engarrafado quando as leveduras ainda não consumiram todo o açúcar. Como é feito com leveduras da própria uva, é comum ter um toque funky (estranho).

Delicado e com aroma de frutas, o rosé Apagão, da vinícola Faccin, de Monte Belo do Sul, é um belo exemplar de pet-nát, estilo de espumantes naturais na moda (2) - Divulgação - Divulgação
Delicado e com aroma de frutas, o rosé Apagão, da vinícola Faccin, de Monte Belo do Sul, é um exemplar de pet-nát
Imagem: Divulgação

O Apagão Espumante Natural Rosé, por exemplo, é uma boa porta de entrada para esse estilo já que não tem esse aroma de fermentação. É um rosé bastante fresco e frutado. O rosé, aliás, também é uma tendência, mas isso é tendência para todos os tipos de produtos e consumidores.

No mercado brasileiro é possível também encontrar bons espumantes de várias partes do mundo. Vale a pena explorá-las. Fique atento em especial para os cavas espanhóis, os espumantes portugueses da região da Bairrada, os Franciacorta, como Ca' del Bosco e os Trento DOC da Itália, e alguns crémants, além dos champanhes, é claro.

No entanto, hoje há ótimos espumantes sendo feitos em diversas regiões do mundo que não têm tanta tradição na produção desse tipo de vinho. Esse é o caso, por exemplo, dos alentejanos Marquês de Borba Brut Rosé e Cartuxa Bruto Branco. Ambos são espumantes de guarda, ou seja, feitos para durar muitos anos, o que é raro.