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Desafio no Himalaia: como é voar para o aeroporto mais perigoso do mundo

No meio de cadeias montanhosas, a pista de aeroporto de Lukla tem só 527 metros de extensão - Getty Images
No meio de cadeias montanhosas, a pista de aeroporto de Lukla tem só 527 metros de extensão Imagem: Getty Images

Marcel Vincenti

Colaboração para Nossa

02/07/2022 04h00

Uma pista de pouso pequena, localizada no meio do Himalaia, frequentemente encoberta por densa névoa e que já foi palco de acidentes aéreos fatais.

Assim é, em uma breve descrição, o aeroporto de Tenzing-Hillary, no vilarejo nepalês de Lukla — e que é considerado, por muitas pessoas, como o mais perigoso do mundo.

Em 2010, o local foi classificado, pelo canal televisivo "History Channel", como o "aeroporto mais extremo" do planeta. E não é exagero: é preciso ter estômago forte para aterrissar lá.

Localizada a cerca de 2.850 metros de altitude e enfiada em uma extensa zona montanhosa, sua pista de pouso tem só 527 metros de comprimento — comparando, uma das pistas do aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, tem 3.700 metros de extensão.

A pista do aeroporto de Lukla é parcialmente inclinada e sem espaço de manobras - Saiko3p/ iStock/Getty Images Plus - Saiko3p/ iStock/Getty Images Plus
A pista do aeroporto de Lukla é parcialmente inclinada e sem espaço de manobras
Imagem: Saiko3p/ iStock/Getty Images Plus

Além disso, um de seus extremos termina em um despenhadeiro e, no outro, há um paredão.

E os desafios para a habilidade dos pilotos e para as emoções dos passageiros não terminam aí.

A pista é também parcialmente inclinada, estreita e se encontra rodeada por diversas casas — quase não há espaço para manobras terrestres.

Avião em decolagem no aeroporto de Lukla: vizinho a vila sherpa nos Himalaias - Getty Images - Getty Images
Avião em decolagem no aeroporto de Lukla: vizinho a vila sherpa nos Himalaias
Imagem: Getty Images

O tempo, por sua vez, não ajuda. Esta região do Nepal é frequentemente afetada por mudanças climáticas súbitas: densas camadas de névoa cobrem, de repente, toda a área, atrasando voos e dificultando as aterrissagens e decolagens.

"O pouso é surreal porque o avião praticamente não desce, ele vem numa certa altitude e de repente a pista aparece e o piloto já começa a frear e reverter o motor. Ele corre atrás do que pode para parar na pista inclinada", conta Gustavo Ziller, de 47 anos, que viaja para o Nepal desde 2013 e gravou o vídeo abaixo:

Como é voar para Lukla?

Viajantes do mundo inteiro pousam no aeroporto de Tenzing-Hillary para, dali, começar uma longa caminhada rumo ao Everest — o nome do aeroporto, aliás, é uma homenagem a Tenzing Norgay e Edmund Hillary, os primeiros homens que chegaram ao cume da montanha mais alta do planeta.

E uma das pessoas que já aterrissou muito por lá é o brasileiro Danniel Oliveira (@dannieloliveira), especialista em viagens pelo Nepal.

Já pousei em Lukla quatro vezes. Três vezes de avião e uma vez de helicóptero. E sempre com o objetivo de fazer o trekking ao campo base do Everest"

Danniel Oliveira já pousou no aeroporto de Lukla quatro vezes, de avião e helicóptero - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Danniel Oliveira já pousou no aeroporto de Lukla quatro vezes, de avião e helicóptero
Imagem: Arquivo pessoal

"As viagens aéreas para Lukla normalmente saem do aeroporto de Kathmandu [a capital nepalesa]. Os trajetos duram menos de uma hora. E, no caso dos aviões, os voos costumam ser feitos com pequenas aeronaves para menos de 20 passageiros", conta.

E qual é a sensação de realizar esta viagem?

"É muito difícil descrever o que passou pela minha cabeça na primeira vez que voei para Lukla", relata o brasileiro. "Foi uma mistura de medo e outras fortes emoções por saber que estava indo para o aeroporto mais perigoso do mundo".

Danniel conta que, nestes trajetos, as aeronaves saem de aproximadamente 1.400 metros de altitude (onde está Kathmandu) e vão para os mais de 2.800 metros metros de altitude de Lukla.

"O aeroporto está está no meio do Himalaia, com diversas montanhas ao redor e muitas nuvens no caminho. Há frequentemente muita turbulência, com os pequenos aviões tremendo bastante", diz.

E as aeronaves estão, com certeza, entre as menores que já voei. Você senta e vê ao seu lado o motor, que vibra muito"

Passageiros em voo entre Katmandu e Lukla  - Gabriel Tarso/Divulgação - Gabriel Tarso/Divulgação
Passageiros em voo entre Katmandu e Lukla
Imagem: Gabriel Tarso/Divulgação

Acidentes fatais

O medo que Danniel enfrentou ao viajar pela primeira vez ao aeroporto de Tenzing-Hillary está longe de ser infundado.

O local, afinal, tem um histórico de acidentes e mortes.

Em 2008, por exemplo, uma aeronave se chocou com uma encosta perto da pista durante uma aterrissagem no meio de muito nevoeiro, em um acidente que causou a morte de 16 passageiros e dois tripulantes.

Já em 2017, um avião de carga também bateu ao chegar perto do aeroporto com tempo encoberto.

E o próprio Danniel se sentiu perto de uma situação dramática.

Em 2019, fiz um voo de Kathmandu para Lukla e, três dias depois, o mesmo avião bateu em um helicóptero no aeroporto. Três pessoas morreram"

Imagem de avião acidentado no aeroporto de Tenzing-Hillary em abril de 2019 - Andrey Rykov/Getty Images - Andrey Rykov/Getty Images
Imagem de avião acidentado no aeroporto de Tenzing-Hillary em abril de 2019
Imagem: Andrey Rykov/Getty Images

E, mesmo quando não é o local dos acidentes, o aeroporto de Tenzing-Hillary pode virar palco de imagens assustadoras.

"Em 2015, um amigo enfrentou um terremoto enquanto estava fazendo um trekking na região de Lukla. Ele, então, voltou para aeroporto para tentar pegar um voo que o tirasse dali", diz Danniel. "O problema é que os corpos dos estrangeiros que haviam morrido por causa do terremoto também foram levados ao aeroporto, para que fossem enviados para seus países. E os corpos ficaram na pista, cobertos com sacos plásticos. Esta é uma história que me marcou muito".

Atrasos constantes

"Voar para Lukla é sempre tenso", afirma Danniel. "Os voos costumam ser marcados para as 6h ou 6h30 da manhã. Ou seja, acordamos em Kathmandu de madrugada, saímos do hotel, vamos para o aeroporto e realizamos o check-in. E aí é sentar e aguardar".

O brasileiro conta que "nunca soube de um voo que saiu na hora".

Pista do aeroporto de Tenzing-Hillary vista da perspectiva do piloto - Ilaria Cazziol/Getty Images/iStockphoto - Ilaria Cazziol/Getty Images/iStockphoto
Pista do aeroporto de Tenzing-Hillary vista da perspectiva do piloto
Imagem: Ilaria Cazziol/Getty Images/iStockphoto

Em todas as vezes que voei, enfrentei pelo menos quatro horas de atraso. E houve uma vez em que esperei por 11 horas para embarcar. O mau tempo estava impedindo os voos"

Porém, mesmo com tantos contratempos e perigos, muitos viajantes não deixam de pousar em Lukla durante suas jornadas pelo Nepal.

Para subir caminhando as lindas montanhas rumo ao Everest, afinal, é muitas vezes preciso encarar a assustadora descida no aeroporto de Tenzing-Hillary.