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Salário em dólar e pouca folga: como é trabalhar em um navio de cruzeiro

Rose Laterza, que trabalha como freelancer em navios - Arquivo pessoal
Rose Laterza, que trabalha como freelancer em navios Imagem: Arquivo pessoal

Lucila Runnacles

Colaboração para Nossa

22/06/2022 04h00

Viajar muito, conhecer pessoas de vários países, ganhar em dólar e morar em um lugar onde todo mundo tira férias: a oferta parece tentadora. Mas como é a vida real de quem trabalha em cruzeiros pelo mundo? Será que ser tripulante de navio é só luxo e glamour? Brasileiros contam ao Nossa as duas caras desta experiência; a realidade, os sacrifícios e os benefícios de viver e trabalhar a bordo.

"No meu primeiro contrato tive que investir R$ 4 mil para comprar a primeira passagem e fazer os cursos obrigatórios. Em pouco tempo recuperei o investimento e depois do primeiro contrato as companhias pagam as passagens de ida e volta ao Brasil", explica Augusto César (@dcasapromundo) que já tem 6 anos de experiência como tripulante.

Augusto César - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Augusto César
Imagem: Arquivo pessoal

"Eu passo o dia todo trabalhando. Isso aqui não é pra todo mundo, é bem pesado. Muita gente vem achando que só vai ficar passeando e tirando fotos, mas não é sempre assim. Trabalho todos os dias e não tenho um dia inteiro de folga. Só horários de descanso mesmo", conta Ana Line Lima (@analinesl).

Essa carioca é formada em turismo e hoje em dia trabalha na sua área em uma companhia de cruzeiros italiana. Ela vende excursões no navio e também acompanha os passageiros nos passeios.

Recrutadoras x companhias marítimas

Para conseguir um emprego em cruzeiros existem várias agências recrutadoras que oferecem vagas em navios. Os contratos costumam ser por temporadas que vão de seis a oito meses. Quem está começando pode procurar através de agências ou diretamente com as companhias marítimas.

"Eu aconselho diretamente com a companhia e deixar a agência para uma segunda opção porque quando o contrato é através de uma recrutadora, você depende deles para receber qualquer resposta. Quando você trabalha direto para o navio, a comunicação é bem mais fácil", aconselha Augusto, que trabalha para uma empresa americana.

Ana Line Lima - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Ana Line Lima
Imagem: Arquivo pessoal

Ana Line compartilha da mesma opinião. "Quando você é contratado diretamente pelo navio, você tem mais facilidade para escolher ou dizer onde tem experiência e gostaria de trabalhar. Geralmente quando é por agência eles te encaminham para as vagas onde mais precisa de gente, independente da sua experiência", diz.

Contrato freelance

Outra maneira de trabalhar em alto mar é tendo um contrato freelance por períodos mais curtos. Rose Laterza (@roselaterza) é professora de educação física e há 15 anos faz parte do time fitness a bordo.

Rose Laterza - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Rose Laterza
Imagem: Arquivo pessoal

"Faço temporadas no Brasil e na América Latina como professora de ginástica e dança dentro dos navios. Posso escolher trabalhar a partir de 15 dias ou fazer a temporada inteira", diz a paulista que atualmente trabalha para a Costa Cruzeiros.

Para ela, trabalhar em navio é uma experiência que não tem preço. "A energia do navio é contagiante, é realmente algo maravilhoso. Amo o que faço", compartilha.

Salário em dólar

Esse é um dos maiores atrativos para quem procura emprego em cruzeiros. Os salários quase sempre são em dólar e a tripulação tem acomodação e alimentação grátis durante todo o contrato. "Essa é a maior vantagem deste tipo de trabalho. Eu ganho o equivalente a 8 salários mínimos do Brasil", revela Augusto.

Augusto César - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Augusto César
Imagem: Arquivo pessoal

Existem diversas funções em um navio e a remuneração depende da responsabilidade de cada um. Quem trabalha no buffet dos restaurantes, pode ganhar uma média de US$ 900 por mês (cerca de R$ 4,6 mil).

Outro exemplo, um salário básico para trabalhar na área de excursões, é de US$ 1.100 por mês (cerca de R$ 5,6 mil) mais comissões de acordo com as vendas feitas a bordo. Além disso, o salário pode aumentar ao longo dos anos trabalhados na mesma empresa.

Mas se o objetivo é fazer um pé de meia, precisa ficar ligado para não gastar muito, como explica Augusto. "Comida e hospedagem não temos que pagar, mas tem três 'vícios' que, se não forem controlados, todo o salário vai embora em internet, cerveja ou cigarro. A internet no navio é bem cara; 10 minutos custam US$ 2 (cerca de R$ 10). Nesta empresa onde trabalho todos os tripulantes temos uma hora de internet grátis, mas o resto temos que pagar".

Nem tudo são flores

A distância, a quantidade de horas em pé e as poucas folgas são as maiores queixas de quem trabalha a bordo.

"Tem muitos chefes dando ordens diferentes, tem bastante pressão para alcançar os objetivos e não temos um dia inteiro de folga", reclama Augusto.

Ana Line Lima - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Ana Line Lima
Imagem: Arquivo pessoal

"Gosto do que faço mas sinto falta da comida brasileira, dos amigos e da família. Além disso, como trabalho muitas horas não tenho tempo para estudar. Quando tenho algumas horas de folga preciso escolher entre arrumar a cabine, colocar a roupa pra lavar, passear ou descansar", compartilha Ana Line.

Lado positivo

Além do salário ser atrativo é claro que existem outras vantagens. Dependendo do cargo no navio, os benefícios também são maiores. Alguns tripulantes podem fazer as refeições nos restaurantes dos passageiros e até mesmo ter uma cabine de uso individual.

"Aqui eu não preciso pegar ônibus para chegar ao escritório e já conheci 54 países desde que comecei a ser tripulante. Este trabalho também é uma experiência cultural", conta Augusto.

Ana Line já visitou cerca de 15 países trabalhando em navios. "Desde pequena sonhava em conhecer o mundo. Enquanto estou falando com você, estou curtindo Santorini. Quanta gente não gostaria de estar aqui também, né?", reflete.

O trabalho é duro, mas a tripulação também tem direito à festas dentro da embarcação e elas são famosas. "Não podemos participar das festas dos passageiros, mas as nossas são bem divertidas. As mais legais são as noites latinas", revela Augusto.

Rose Laterza - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Rose Laterza
Imagem: Arquivo pessoal

Dicas para encarar a vida em alto mar

"Speak english"

Quanto mais idiomas você falar, mais chances terá de conseguir uma posição melhor. Ter um inglês intermediário é quase imprescindível. Quando a pessoa não fala muito bem inglês quase sempre fica com cargos onde se tem pouco contato com os hóspedes e os trabalhos serão mais braçais, como limpeza.

"Se você não fala um pouco de inglês, nem embarque. Esse é o idioma mais falado em todos os navios e as instruções, os cursos, etc, são todos em inglês. Imagina que acontece uma emergência e você não entende o que os seus chefes estão falando?", diz Ana Line.

"E não vá achando que você vai aprender inglês a bordo. Aqui seu inglês só piora!", brinca Augusto.

Pernas, pra que te quero

Se prepare mentalmente para passar muitas horas de pé. "Se você não consegue ficar 10 horas de pé por dia, não venha!", adverte o santista.

Segundo ele, o esforço é tanto mental quanto físico. "Com os anos entendi que quanto menor for o seu salário aqui, mais tempo você vai passar trabalhando de pé no navio. Mas quanto mais tempo você passar sentado, maiores serão as suas responsabilidades", explica.

Não perca tempo

Se você tem vontade de trabalhar em navios, vá em frente! Augusto recomenda começar o quanto antes. "Não tenha medo, entenda que você vai trabalhar muito mas depois de alguns meses vai começar a ver os benefícios deste tipo de trabalho".

Aliás, este é um bom momento para entrar no mundo dos cruzeiros. Com a pandemia, muitos que já tinham trabalhado em navios acabaram encontrando outras áreas durante o tempo em que os barcos ficaram parados e quando o mercado reabriu, não embarcaram de novo.

"Tenho notado que a procura por tripulantes está sendo grande. Notei que muita gente neste navio está no seu primeiro contrato", ressalta Ana Line.