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Antes do Stanley: os métodos da Antiguidade para manter a bebida gelada

Como gelavam a bebida nos banquetes da Grécia Antiga? Spoiler: não era em copos Stanley - Universal Images Group via Getty
Como gelavam a bebida nos banquetes da Grécia Antiga? Spoiler: não era em copos Stanley
Imagem: Universal Images Group via Getty

Felipe van Deursen

Colaboração para Nossa

21/01/2022 04h00

Hit do verão e motivo de ostentação (de um lado) e deboche (de outro) nas redes sociais, os copos da marca Stanley, que preservam a temperatura por algumas horas, são apenas mais um apetrecho em uma luta longa e justa travada pelo ser humano. Há séculos e séculos, no calor, nós só queremos uma bebida gelada.

Cerca de 2.600 anos atrás, os chineses tinham à disposição o jian, grande recipiente de bronze que, cheio de gelo, mantinha alimentos e bebidas refrigerados. Sim, basicamente um cooler milenar — muito mais pesado e muito mais bonito do que aquele que a gente enche de sal e álcool para gelar a cerveja mais depressa.

Jian, o que garantia a bebida gelada na China - Heritage Art/Heritage Images via Getty Images - Heritage Art/Heritage Images via Getty Images
Jian, o que garantia a bebida gelada na China
Imagem: Heritage Art/Heritage Images via Getty Images

Romanos usavam a neve das montanhas. Persas mantinham casas de gelo, os yakhchal, edifícios cônicos de até 20 metros que tinham poços profundos para manter gelo.

A "geladeira" yakhchal - DeAgostini/Getty Images - DeAgostini/Getty Images
A "geladeira" yakhchal
Imagem: DeAgostini/Getty Images

Gregos também tinham seus apetrechos, que brilhavam nos simpósios, a festa da elite na Grécia antiga. Era uma reunião de homens, com regras específicas de etiqueta, em que eles bebiam, faziam jogos, discutiam, filosofavam, bebiam mais, recitavam, divertiam-se com músicos e dançarinas e bebiam mais um pouco. Alguns clássicos gregos, de autores como Sócrates, Platão e Xenofonte, descrevem ou são ambientados em um simpósio (termo do grego "symposion", ou "beber junto").

A bebida por excelência nesses eventos era o vinho, que era misturado com água em uma grande urna chamada krater. O copo mais comum era uma taça de duas hastes, cylix.

A espécie de urna krater, acessório da Grécia Antiga - Universal Images Group via Getty - Universal Images Group via Getty
A espécie de urna krater, acessório da Grécia Antiga
Imagem: Universal Images Group via Getty

Por volta de 520 a.C., os simpósios ganharam uma novidade, o psykter, um recipiente com formato semelhante a um cogumelo que servia para resfriar o vinho. Era só enchê-lo de bebida e colocá-lo para boiar no krater com água fria ou neve. Alguns autores acreditam que era o contrário, ou seja, vinho no krater e gelo no psykter. Porém, não se sabe ao certo.

No livro "Athenian Vase Construction" ("Produção de vasos atenienses", sem edição brasileira), Toby Schreiber, ceramista e pesquisadora do Museu Getty, nos Estados Unidos, explica que o formato do psykter explica seu uso, pois permite que uma grande área da superfície fique em contato com o líquido gelado sem tombar e desperdiçar o conteúdo. Aliás, para ela, faz muito mais sentido o vinho ficar no psykter, não no krater, pois assim ele gelava mais rápido.

Vai um golinho no cylix - Universal Images Group via Getty - Universal Images Group via Getty
Vai um golinho no cylix
Imagem: Universal Images Group via Getty

Além disso, o objeto tinha um caráter lúdico, algo importante em qualquer festa. Era um vaso luxuoso que entretinha os convivas, era ricamente ilustrado e servia para o dono da festa se exibir.

"Quando mexido por uma concha enquanto flutuava no krater, o psykter devia balançar e girar, de modo que pudesse ser visto por todos os lados", explicam os autores de "Understanding Greek Vases" ("Compreendendo Vasos Gregos", sem edição brasileira), outro livro publicado pelo Getty. "Ao levar isso em conta, o pintor do vaso não concebeu as imagens em painéis separados. Elas continuam ininterruptas."

Ou seja, o recipiente contava uma pequena história, com imagens "em movimento". Dá para vislumbrar como esse "filminho", boiando em movimento dentro do grande vaso que tinha utilidade central no simpósio, entretia mentes já embebidas em vinho.

Psykter ajudava a entreter além de manter a bebida "no jeito" - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Psykter ajudava a entreter além de manter a bebida "no jeito"
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Divertido e decorativo, o psykter caiu no gosto dos simpósios. Grandes museus do mundo, como o Britânico, o Louvre e o Metropolitan, em Nova York, preservam exemplares do utensílio.

Colorido, bonitinho e um objeto caro para manter a bebida gelada. Era praticamente o copo Stanley de Atenas.

A cerveja estava bem geladinha

Copo Stanley, amado e odiado, ganhou as redes - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Copo Stanley, amado e odiado, ganhou as redes
Imagem: Reprodução/Instagram

A Stanley é uma marca americana centenária especializada em copos e outros produtos térmicos. Até dois anos atrás, apesar de tradicional, era pouco conhecida no país.

Em 2019, chegou a suspender temporariamente a produção do copo. Mas entre seus então escassos fãs havia influenciadoras de Instagram que conseguiram convencê-la a reaver a fabricação e a se posicionar mais estrategicamente no mercado e, especialmente, na internet.

Poucos anos antes, a marca, que pertence ao conglomerado PMI Worldwide, chegara ao Brasil pelo Sul, por meio de garrafas térmicas, essenciais no consumo de chimarrão. Tudo sem alarde.

Em meados de 2021, a Stanley explodiu nos EUA. As canecas esgotaram rapidamente, assim como um outro lançamento da empresa, copos em tons pastéis, produto com alta probabilidade de virar post no Instagram.

Copo Stanley promete manter a cerveja bem gelada por horas - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Copo Stanley promete manter a cerveja bem gelada por horas
Imagem: Reprodução/Instagram

"Há alguns copos parecidos e um pouco menores no mercado, mas eles não são tão bonitos", disse ao site americano Buzzfeed News Ashley LeSueur, uma das criadoras do guia de compras The Buy Guide, perfil que diz ter "ressuscitado um produto morto". À medida que outros influenciadores passaram a divulgar a Stanley, ela virou moda.

No Brasil, o movimento veio pouco depois, mas não tanto pela linha "camping", mas sim pela "bar". Até meados de 2020, as buscas pela marca no Google no país eram praticamente inexistentes. Começaram a subir e subir até disparar em dezembro do ano passado. O faturamento da PMI na América Latina cresceu 700% desde 2018.

Aí, o copo já tinha virado objeto de desejo e de discussão. Foi presente de Natal e é um meme constante. Afinal de contas, o copo mais barato à venda no site oficial custa R$ 149. Com esse valor é possível comprar uma caixa térmica simples de 20 litros, um saco de gelo e 12 latas de cerveja vendida como premium no supermercado. Se pegar uma promoção ainda sobra para o amendoim.

Meme Stanley - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Preço caro, alta popularidade e demanda nas alturas são a combinação redondinha para a pirataria se alastrar. A Stanley já sentiu isso e informa, alarmada, em seu site oficial: "E aí, legião, tudo bem? Chegou ao nosso conhecimento a existência de inúmeros produtos falsificados no mercado e sites enganosos se utilizando da marca Stanley com o objetivo de aplicar golpes em nossos consumidores." A marca lista algumas dicas para quem realmente quer evitar comprar copos piratas.

Modinha grega

Que fim levaram os "cogumelos térmicos" dos gregos? No século seguinte, por volta de 480 a.C., já não havia mais nenhum psykter em uso. Provavelmente, como havia outras maneiras, um tanto mais práticas, de resfriar o vinho, ele foi posto de lado. De repente, não tinha mais tanta graça.

Psykter, a modinha "das antigas" - Sepia Times/Universal Images Gro - Sepia Times/Universal Images Gro
Psykter, a modinha "das antigas"
Imagem: Sepia Times/Universal Images Gro

Os registros de uso de gelo de neve no krater são anteriores e posteriores ao psykter, ou seja, enquanto o krater teve presença mais permanente no cotidiano, o psykter foi uma moda passageira. Uma moda que durou algumas décadas, é verdade, mas ainda assim uma modinha.

Passado o oba-oba que ele poderia causar nos simpósios, boiando e girando com suas belas imagens, as pessoas voltaram ao krater raiz e sem firulas. O importante, no fim das contas, é a bebida gelada. O quanto antes.