Topo

"O turismo mal organizado mata", diz condutor sobre acidente em Capitólio

Vídeo de turista mostra momento exato do acidente nos cânions de Capitólio, em Minas Gerais - Reprodução/Arte UOL
Vídeo de turista mostra momento exato do acidente nos cânions de Capitólio, em Minas Gerais Imagem: Reprodução/Arte UOL

Eduardo Vessoni

Colaboração para Nossa

11/01/2022 09h29

Deslizamentos, intempéries ou quedas de rochas não são nenhuma novidade para estudiosos das Ciências da Terra. Mas esses riscos naturais podem ser fatais quando uma área é explorada de forma massiva, como em Capitólio, a cerca de 300 quilômetros de Belo Horizonte, onde um imenso bloco despencou sobre barcos, no Lago de Furnas, matando 10 pessoas, no último dia 8 de janeiro.

"A pandemia trouxe mais turistas ao ambiente natural, mas por outro lado teve também um aumento desproporcional no número de acidentes. E isso traz uma imagem negativa para o setor", analisa Luiz Del Vigna, diretor executivo da Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura (Abeta).

Para Ion David, especialista em turismo de aventura, havia um descontrole das atividades turísticas no local do acidente, conhecido também como "Mar de Minas". Segundo ele, até pouco tempo, havia congestionamento no lago e, na impossibilidade de serem manobradas, as lanchas precisavam sair de ré.

Já existe uma certa regulamentação, mas ainda assim muita lancha entra no lago, deixando rastros de óleo na água e levando passageiros sem coletes. Há muita imprudência. O turismo náutico ali precisa de uma atenção um pouco maior", sugere.

Ion acredita que, provavelmente, a música alta em uma das embarcações, uma das constantes críticas de quem visita o local, teria sido um dos motivos de alguns dos barqueiros não terem ouvido o alerta emitido por outros passageiros, segundos antes do desplacamento de um imenso paredão rochoso.

"Apesar do turismo desordenado, foi realmente uma fatalidade. Mas no turismo de aventura precisamos estar atento o tempo todo e prontos para respostas rápidas", alerta Ion.

Porém, para a ciência isso não é tudo.

Turismo desordenado

Embarcações paradas em frente a cânions de Capitólio, em Minas Gerais (foto de arquivo) - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Embarcações paradas em frente a cânions de Capitólio, em Minas Gerais (foto de arquivo)
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Para Joana Sánchez, professora de geologia da Universidade Federal de Goiás, antes da exploração turística nos cânions de Capitólio, seria necessário uma análise estrutural da região com dados dos tipos de rochas locais, bem como a medição de suas fraturas e as possibilidades de cederem.

"A visitação em áreas naturais tem crescido muito e está desordenada", analisa Joana, que é também uma das coordenadoras de um grupo de trabalho na Unesco que vai determinar 100 lugares de interesse geológico e valor internacional.

Diante do cenário, ela acredita que Capitólio precisa de um inventário geológico que inclua informações como a capacidade de carga das rochas, principalmente, "pelo risco de degradação e de uso".

Imagem aérea do Lago de Furnas, em Capitólio, Minas Gerais - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Imagem aérea do Lago de Furnas, em Capitólio, Minas Gerais
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Em nota divulgada à imprensa, a Sociedade Brasileira de Geologia informou que o acidente "expõe um grave problema relacionado com a gestão territorial em regiões destinadas ao geoturismo no Brasil", como a ausência de laudos técnicos que identifiquem os riscos geológicos e as medidas de segurança em áreas turísticas.

Ainda segundo a SBG, na última década, o Brasil foi o quinto país do mundo em "número de vítimas associadas a eventos geológicos".

Em uma região como Capitólio, conhecida pela abundância de quartzo em constante transformação pelas pressões naturais e variação de temperatura, fraturas e quedas são normais. O que faltou mesmo foi monitoramento.

De maneira nenhuma, os barcos poderiam chegar tão perto daqueles paredões, pois as rochas próximas das cachoeiras sofrem muita erosão e intemperismo. Em época de chuva, quando a água acumula entre as fraturas, vários blocos se soltam", esclarece a professora.

Lanchas de passeio nos cânions Capitólio, Minas Gerais - Rafael Dios/Unsplash - Rafael Dios/Unsplash
Lanchas de passeio nos cânions Capitólio, Minas Gerais
Imagem: Rafael Dios/Unsplash

Na alta temporada ou em feriados, a cidade mineira de cerca de 8.700 habitantes vê a população crescer até quatro vezes. Segundo autoridades, no momento do acidente havia entre 70 e 100 pessoas no atrativo.

Assim como explica Manfriny Leonel (@vivenciacanastreira), condutor que atua na região da Serra da Canastra, o turismo em Capitólio começou a se desenvolver muito rapidamente, a partir de 2015, e teve que se desenvolver às pressas.

O turismo mal organizado mata. Espero que as pessoas acordem e tomem consciência em buscar capacitações", alerta Manfriny, que até o acidente de Capitólio conduzia trilhas no destino.

Condutor Manfriny Leonel, em Capitólio - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Condutor Manfriny Leonel, em Capitólio
Imagem: Arquivo pessoal

Como ele mesmo lembra, um dia antes do acidente fatal no Lago de Furnas, uma cabeça d'água já havia surpreendido turistas no local, e condutores aproximaram suas embarcações para os turistas verem o fenômeno de perto.

"Eles querem agradar os passageiros de várias formas, mas não têm filtro para avaliar a segurança. Os barqueiros colocaram as pessoas em risco", conclui.

A própria Defesa Civil de Minas Gerais já havia emitido, horas antes do acidente, um alerta sobre uma possível cabeça d'água em cidades como Capitólio, São João Batista da Glória e São José da Barra.

Em outubro de 2020, a produtora de conteúdo Natalie Soares (@sundaycooks) esteve em Capitólio e se surpreendeu com a infraestrutura local.

Embarcação navega em frente a cânions de Capitólio, em Minas Gerais (foto de dezembro de 2020) - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Embarcação navega em frente a cânions de Capitólio, em Minas Gerais (foto de dezembro de 2020)
Imagem: Getty Images/iStockphoto

"O lugar é muito bonito, mas com um gerenciamento um pouco precário de todos aqueles recursos naturais. Eles [os empresários] poderiam aprender com outros destinos que são referência no Brasil", sugere.

Natalie desaprovou também o alto volume de turistas que a região recebia na época de sua visita e a falta de estrutura, como sinalização dos atrativos e acessibilidade nada amigável para visitantes com mobilidade reduzida.

Por conta da pandemia, paguei mais caro para fazer um passeio de lancha que era vendido para 14 passageiros, mas quando cheguei no barco tinha 22 pessoas. Eles alegaram que não contavam crianças [como passageiro]", relata.

Natalie Soares, que esteve em Capitólio em outubro de 2020 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Natalie Soares, que esteve em Capitólio em outubro de 2020
Imagem: Arquivo pessoal

A produtora de conteúdo lembra também que a estrutura do píer de embarque era improvisada e que a embarcação contratada não tinha informações claras sobre segurança a bordo.

"Foram fazendo [turismo] sem pensar em uma infraestrutura mais sustentável. É muito exploratório e sem um plano de gestão a longo prazo", finaliza Natalie.

Procurado por telefone e por e-mail, o secretário de turismo de Capitólio, Lucas Arantes Barros, não respondeu a nossos pedidos de entrevista.

A reportagem tentou também contato com agências de turismo da cidade, porém sem nenhum retorno.

Um dos barqueiros contatados via mensagem direta em rede social informou que a maioria dos condutores de lanchas da cidade "está optando por não falar, pois está saindo muita coisa ruim em nosso nome".

"A gente não tem nada a ver com o ocorrido", completou.

Vista dos cânions do Lago de Furnas, Capitólio, em Minas Gerais - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Vista dos cânions do Lago de Furnas, Capitólio, em Minas Gerais
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Inicialmente divulgada como sendo jurisdição da Marinha do Brasil, a fiscalização do local do acidente é responsabilidade da prefeitura, segundo LEI nº 12.608, de 10 de abril de 2012, cujo artigo 8º diz que as "ações de proteção e defesa civil" competem aos municípios, que também devem "identificar e mapear as áreas de risco de desastres" e "promover a fiscalização das áreas de risco de desastre".

Falta fiscalização

Para Luiz Del Vigna, um dos problemas no Brasil é a informalidade no setor turístico, o que muitas vezes leva o turista a contratar, equivocadamente, serviços que nem sempre estão de acordo com as normas técnicas ou que são conduzidos por profissionais despreparados.

Com o acidente em Capitólio, estão falando em rever as regras de segurança. Não tem que rever nada, tem que aplicar as regras [já existentes], enfatiza Luiz.

Embarcações navegam entre cânions de Capitólio, em Minas Gerais (foto de 2016) - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Embarcações navegam entre cânions de Capitólio, em Minas Gerais (foto de 2016)
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Como avisa Luiz, ao contratar uma empresa do gênero, o turista deve procurar saber primeiro se existe um sistema de gestão de segurança implementado, com documentos como Plano de Atendimento de Emergência, com diretrizes e estratégias em casos de acidentes, e o Termo de Conhecimento de Risco, que costuma ser assinado pelo turista que realiza atividades como mergulho ou rapel.

As atividades recreativas no Lago de Furnas seguem interditadas e o turismo aquático no destino foi interrompido por tempo indeterminado.