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Brasileiros retidos na África do Sul vivem drama: 'Sem previsão de volta'

José Luiz e Thatiane, de Campinas (SP), tinham volta marcada para o dia 1º, mas voo foi cancelado. Estão tentando outra alternativa para retornar ao Brasil - Arquivo pessoal
José Luiz e Thatiane, de Campinas (SP), tinham volta marcada para o dia 1º, mas voo foi cancelado. Estão tentando outra alternativa para retornar ao Brasil Imagem: Arquivo pessoal

Eduardo Vessoni e Marcel Vincenti

Colaboração para Nossa

01/12/2021 04h00Atualizada em 01/12/2021 10h11

Desde que a variante ômicron foi detectada na África do Sul, no final da semana passada, brasileiros que se encontravam no país e em outros territórios do continente africano têm relatado dificuldades para conseguir voltar para casa.

Isso porque, desde 27 de novembro, estão proibidos voos com destino ao Brasil que tenham origem ou passagem na África do Sul, Botsuana, Lesoto, Namíbia, Zimbábue e Essuatíni (antiga Suazilândia). Também há restrições a viajantes procedentes ou com passagem nos últimos 14 dias antes do embarque por esses países.

Só na África do Sul, são 318 brasileiros impossibilitados de retornar, cuja situação começou a piorar com os sucessivos cancelamentos de voos para o Brasil.

"A última opção seria viajar via Etiópia, mas as passagens chegam a custar R$ 23 mil e os voos estão lotados", conta a mineira Márcia Lessa, em entrevista a Nossa.

No site do Consulado-geral do Brasil na Cidade do Cabo, as únicas informações disponíveis para brasileiros até o fechamento desta matéria são uma lista de acomodações de baixo custo no destino e um link de cadastro de interesse de retorno de brasileiros retidos na África do Sul.

Aeroporto de Joanesburgo no dia 27 de novembro: voos cancelados à medida que os países fechavam suas fronteiras para a África do Sul - AFP - AFP
Aeroporto de Joanesburgo no dia 27 de novembro: voos cancelados à medida que os países fechavam suas fronteiras aéreas para a África do Sul
Imagem: AFP

"Hoje (30) fomos ao consulado e fomos bem atendidos. Mas a pessoa foi sincera ao dizer que não tem nada programado para um voo de repatriação", descreve a paulista Thatiane Faria Oliveira Moreira, na África do Sul com um amigo desde o dia 23 de novembro.

A única ajuda que poderiam dar seriam indicações de lugares mais baratos para ficar ou ajudando brasileiros para que consigam formar grupos para negociar um preço melhor de tarifa em hotéis"

"A Embaixada em Pretória e o Consulado em Cape Town estão reunindo os dados de brasileiros nessas condições para avaliar possíveis medidas junto às autoridades sul-africanas e empresas aéreas que permitam o retorno de todos", divulgou a embaixada. Em comunicado enviado a Nossa na manhã desta quarta-feira, o órgão informou também a confirmação de que as companhias aéreas British Airways e a Virgin Atlantic retomam seus voos hoje (1º).

Leia os depoimentos de brasileiros retidos na África do Sul:

Márcia Lessa
Pedagoga de Timóteo (MG)

Márcia Lessa - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

"Desde sexta-feira (26), meu prazer de viajar foi comprometido em função desse fechamento de fronteiras. Eu viajei via Qatar, no Oriente Médio. A companhia aérea já cancelou meu retorno e, inicialmente, disseram que só havia voos para o dia 31 de dezembro.

Eu me sinto abandonada pelo governo brasileiro. A nossa expectativa é que houvesse um voo de repatriação.

O consulado do Brasil na Cidade do Cabo diz que está tentando renegociar com as companhias aéreas e nos deu uma lista com hotéis baratinhos.

Mas não é só isso. Sou hipertensa e meu remédio vai acabar. Será que eu vou conseguir comprar aqui sem receita médica?

Meu orçamento é limitado e eu teria que voltar ao trabalho no dia 7 de dezembro. Os prejuízos são muitos.

A ansiedade está a mil e estou sem perspectivas, a gente só quer voltar para o nosso país. Eu espero que o governo brasileiro se solidarize conosco e dê um jeito de nos tirar daqui."

Thatiane Faria Oliveira Moreira e José Luiz Ramirez Borquez
Professora e engenheiro, de Campinas (SP)

Thatiane Faria Oliveira Moreira e José Luiz Ramirez Borquez - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

"Chegamos na Cidade do Cabo no dia 23 de novembro para ficar oito dias e agora estamos só aguardando. Aqui tudo está funcionando normal, sem nenhuma restrição, inclusive os passeios turísticos.

De sexta para sábado (27), tivemos a notícia que as companhias aéreas não estavam mais voando para o Brasil. Foi um dia extremamente tenso porque ficamos procurando o que deveríamos fazer.

Entramos em contato com a Qatar Airways e o Hotel Urbano, e um ficava jogando a responsabilidade para o outro. E a gente no meio daquele ping pong, naquela indecisão, e ninguém sabia dar uma informação correta.

Ficamos no hotel tentando resolver os problemas e começou a dar mais problema do que solução. O consulado aqui estava fechado e o Itamaraty não retornou nosso contato.

No domingo, tentamos falar com a Qatar, mas o guichê estava fechado. No aeroporto, ninguém sabia informar nada e só nos deram um papelzinho com o telefone da companhia aérea, que a gente já estava ligando há muito tempo e ninguém atendia nem respondia email.

Hoje, dia 30 de, a agência informou que arrumou outro hotel para nós por mais três dias. Mas a Qatar já disse que os voos para o Brasil só sairão no dia 16 de dezembro."

Tatiane Salles e Fernando Bittencourt
Bibliotecários, de São Paulo (SP)

Tatiane Salles e Fernando Bittencourt - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

"Eu e o Fernando, meu amigo, viemos de férias e estamos aqui desde o dia 23 de novembro. Conseguimos fazer os primeiros passeios, mas quando começaram as notícias sobre a variante, a gente ficou bem preocupado.

Quando chegou a notícia do fechamento das fronteiras, daí bateu o desespero porque nossa previsão de retorno era amanhã [1º de dezembro].

Agora, temos que nos programar de novo. Antes fazíamos algumas refeições em restaurantes e agora vai ficar bem complicado porque tem que pagar estadia e alimentação.

Mesmo com os supermercados para a gente comprar comida, vai ficar bem complicado, financeiramente, para os próximos dias.

Hoje, a agência informou que teremos mais duas noites de hotel. Mas, depois, a gente que lute. Cinco diárias para meu amigo e eu, por exemplo, está custando R$ 1.200. Fica bem pesado mesmo.

A expectativa é que se resolva o quanto antes para que a gente não precise ficar até o dia 16 de dezembro."

Tayná Silva

Tyná Silva - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

"Meus pais e eu viemos para a Cidade do Cabo em uma viagem de férias e chegamos aqui no dia 24 de novembro e o nosso retorno seria no dia 2 de dezembro.

No dia 26 fomos pegos de surpresa com a notícia da descoberta da nova variante e, em seguida, já recebemos um aviso da nossa companhia aérea de que o voo estava cancelado.

A empresa informou que deveríamos procurar o nosso agente de viagem para remarcação ou reembolso, que é uma luta para conseguir. Desde então, a gente está sem saber o que fazer.

Já descartamos a possibilidade de um voo de repatriação pela falta de respaldo, de informação e de retorno que a gente tem do governo. Estamos praticamente abandonados aqui e dependemos de nós mesmos para correr atrás de companhia aérea e lugares para fazer conexões que aceitem brasileiros.

Os preços das passagens estão absurdamente altos, é algo fora da realidade de muitos brasileiros que estão aqui. É inviável, a gente não conseguiria pagar esses valores que estão pedindo.

E aguardar até o dia 16 seria muito mais gasto. Seria praticamente um mês a mais de viagem. Todo mundo está ficando muito preocupado, inseguro e desesperado. Estamos vivendo um dia de cada vez, vendo a melhor situação e tentando nos ajudar entre os brasileiros."

Patricia Gomes
Joanesburgo (África do Sul)

"Moro aqui desde abril com meu filho de 4 anos e meu marido. Viemos quando a pandemia estava bem forte no Brasil e sem nos despedir dos amigos e parentes.

A gente estava com a viagem programada para o Brasil para o dia 12 de dezembro para reunir a família em Curitiba, que estamos sem ver há quase dois anos.

Mas com essa nova cepa, nos bloquearam em vários lugares do mundo, nossos voos foram cancelados e estamos aqui presos também.

Felizmente, nossa situação não é tão ruim como a dos turistas porque a gente tem uma casa, mas é bem frustrante não conseguir ir paro Brasil.

Já consideramos ir para outro país, mas as únicas opções seriam via Etiópia, com a Ethiopian Airlines, ou Alemanha (Lufthansa), mas com esses preços surreais fica fora de cogitação.

Hoje cotamos passagens para três pessoas (dois adultos e uma criança) e deu 160 mil rands (R$ 56.642, aproximadamente) na classe econômica. Estamos aguardando, mas não sei até quando que a gente pode aguardar."

Em 28 de novembro, passageiros aguardam confirmação de voos no aeroporto de Joanesburgo, na África do Sul - Reuters - Reuters
Em 28 de novembro, passageiros aguardam confirmação de voos no aeroporto de Joanesburgo, na África do Sul
Imagem: Reuters

Vida que segue

Apesar das notícias alarmantes divulgadas nos últimos dias, Márcia Lessa não notou nenhuma mudança na rotina dos sul-africanos que moram na Cidade do Cabo.

"Além dos cuidados básicos, como uso de máscara e álcool em gel, a vida segue normal por aqui. Tudo funcionando de boa e lotado de turistas", descreve a viajante, que deveria retornar no dia 2 de dezembro e já começa a procurar um local para ficar. E completa:

Parece que estou em outro mundo, que nem existe essa nova cepa"

Para Tayná Silva, "não tem alarde, nem desespero. Não mudaram nenhum protocolo, está tudo assim como no começo. Não tem nada fechado, nem lockdowm. O clima é bem tranquilo".

Embora o mundo só pareça ter atenção voltada para o sul da África, o Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC) afirmou, na última sexta-feira (26), que é alto o risco de que uma nova variante se espalhe pela Europa..

Ontem (30), a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo informou também a confirmação dos dois primeiros casos importados da variante ômicron no Brasil.

Em nota a que Nossa teve acesso, o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, afirma profunda decepção com a decisão de vários países de proibir viagens provenientes de nações do sul da África.

A única coisa que a proibição de viagens fará é prejudicar ainda mais as economias dos países afetados pela ômicron, minando sua capacidade para combater a pandemia"

O mandatário afirmou também que as restrições são "injustificadas e discriminam injustamente a África do Sul e seus países vizinhos".