Meca de brasileiros em Buenos Aires, rua Florida sofre sem turistas
Queridinha de turistas brasileiros que visitam a capital argentina, a "calle" Florida sofre drasticamente as consequências do fechamento das fronteiras do país.
A medida, tomada inicialmente pelo governo de Alberto Fernández entre março e outubro do ano passado para frear os contágios de covid-19 e retomada em dezembro para impedir a entrada de variantes, provocou o fechamento de vários comércios e a ansiedade de lojistas que precisam das vendas para chegar ao fim do mês.
Héctor López Moreno tinha apenas 3 anos quando seu pai abriu a que hoje é uma tradicional loja de moda masculina, em 1947. Naquela época, a rua Florida era um lugar de passeio para argentinos que iam a cafeterias ou olhar vitrines das 6 lojas fundadas até então.
Segundo ele, que acompanhou de perto o desenvolvimento do local, principalmente a partir dos anos 1980, o lugar passou a ser mais frequentado por turistas, que antes da pandemia chegavam a 70% de quem passava pela rua.
Mas hoje a famosa rua comercial portenha está bem diferente. A circulação intensa de pedestres, a mistura de idiomas, as rodinhas de curiosos observando artistas de rua, e os vendedores ambulantes expondo produtos sobre mantas no chão deram lugar a persianas fechadas e estabelecimentos abertos, mas vazios.
Menos lojas exibem souvenirs com as vibrantes cores do Caminito ou ecoam axés dos anos 90 na tentativa de atrair o público brasileiro.
Menos calor humano
Tony, um paulistano com forte sotaque do bairro da Mooca, que trabalha há 10 anos na rua Florida, nem lembra mais de cabeça quanto vale o real. Apesar de trabalhar como "arbolito" ("arvorezinha" em espanhol, gíria que se refere a trabalhadores que tentam atrair pedestres para as casas de câmbio), ele já não passa o dia gritando "euro, dólar, real, peso chileno, peso uruguaio", devido à míngua de clientes.
Nunca vi essa rua assim. Sinto muita falta dos brasileiros, do calor humano, da felicidade, das pessoas falando alto.
A quarentena acabou com tudo, mudou muito, ficou triste", lamenta ele, que, além do bom clima, também sente falta da comissão oriunda dos cerca de 20 clientes diários, que depois da pandemia caíram para 5.
Antes do fechamento das fronteiras, caminhar pelas 10 quadras da rua Florida, que começa a um quarteirão da Praça de Maio e termina na elegante Praça San Martín, significava passar por diversos artistas dançando tango e requeria certa dose de paciência devido à grande quantidade de pedestres que transitavam em busca de olhar vitrines, comprar artigos de couro, souvenires, alfajores, doce de leite e outros produtos argentinos.
O fluxo de estrangeiros era um prato cheio para vendedores de shows e excursões, muitos brasileiros, que anunciavam em português as atrações disponíveis.
"Mas muitas agências acabaram fechando pela falta de turistas e, para sobreviver, alguns passaram a trabalhar para aplicativos de entrega", conta Tony, mostrando diversos lugares nas proximidades que estão fechados há meses, como duas casas de câmbio em esquinas opostas e uma famosa sorveteria onde costumava haver longas filas de brasileiros.
Boletos acumulados
"O que esperamos é o avanço da vacinação da população argentina e nos países vizinhos para podermos vencer esse vírus que está maltratando todo o mundo", diz López Moreno, que preside a Associação de Amigos da Rua Florida e afirma que 604 de 1500 estabelecimentos estão fechados.
Do total de locais que não conseguiram manter as portas abertas, 500 estão dentro das galerias da rua, onde abundam as placas de aluga-se e lojas onde se veem boletos fechados amontoados no chão.
Marta Gromeneda, que desde 1977 trabalha na galería El Caminante e desde os anos 1990 tem uma loja de artigos de couro, lenços e cachecóis no local, conta que muitos lojistas devem meses de aluguel e condomínio e tem quem não apareça no local desde março do ano passado. Quem continua indo, trabalha com menos luz e aquecimento para abaratar custos, e tenta vender o que dá para pagar contas e tentar manter a galeria aberta.
A dificuldade começou com as restrições de aberturas de lojas de março a setembro do ano passado, numa tentativa governamental de evitar a propagação da covid-19. E mesmo depois que os estabelecimentos puderam reabrir, os turistas ainda não podiam entrar no país.
Sem turismo não comemos e às vezes não temos dinheiro nem para pagar a luz. Passamos semanas inteiras sem receber ninguém. Nem na crise de 2001 estivemos tão mal, porque os brasileiros ainda vinham", diz, com tristeza, Gromeneda.
"Tinha brasileiro que vinha sempre, comprava dizendo que era para usar aqui mesmo na Argentina no ano seguinte", lembra, relatando que metade dos seus clientes eram brasileiros.
A euforia dos turistas por compras levava a que alguns vendedores das Galerías Pacífico — shopping center famoso pelas lojas de marca, pela beleza da arquitetura e pela pintura da parte interna da Cúpula do edifício — recebessem um cronograma dos cruzeiros que chegariam ao país, para pedir reforços nos dias de maior movimentação.
O relato é de uma vendedora do local, que pede para não ser identificada. Agora, na maior parte do tempo, os corredores estão vazios e os poucos clientes trabalham nas proximidades.
Mas muitos argentinos passaram a fazer home office por causa da pandemia, o que esvaziou os escritórios que eram alugados nos edifícios, o que gerou prejuízo para proprietários de apartamentos na rua Florida.
Pensando em melhorar a perspectiva da região para os próximos anos diante da evidência da gravidade do duplo impacto na economia local, a Federação de Comércio e Indústria da capital argentina apoia a mudança da regulação imobiliária da zona para que os apartamentos possam ser residenciais, visando o aluguel principalmente para universitários.
Tempero brasileiro
O chef André Finkler, que tem restaurante por quilo de comida brasileira no subsolo de uma galeria há 4 anos, teve que mudar sua estratégia de vendas. Antes, seu principal público eram brasileiros que visitam Buenos Aires e após alguns dias já queriam voltar a comer arroz e feijão, dupla que não é comum no país.
"Os turistas brasileiros eram 80% dos que vinham, eu tinha lugar para 40 pessoas e sempre tinha umas 15 esperando", diz ele, que após lidar com o fechamento da galeria na quarentena e com o fechamento de fronteiras que continua, Finkler viu seu negócio migrar rapidamente para o digital, e passou a vender principalmente por aplicativo para brasileiros que moram na cidade. Hoje, um dia bom termina em cerca de 90 pratos entregues.
Mais perto da Praça de Maio, em uma loja de souvenirs que dá para a rua, a venezuelana Niurka Guzmán, que chegou a Buenos Aires há dois anos, conta que antes nem conseguia andar direito pela loja pela grande quantidade de turistas que entravam no local por vez:
Isso sempre estava cheio, a gente terminava o dia esgotado. Hoje recebemos um ou outro argentino que viaja para cá, mas nunca estava vazio como você está vendo".
Já em uma loja de malas, o vendedor Brian Fellay e o gerente Sebastián Cisnero contam sentir falta do entra e sai de clientes: "Antes a gente até sentia falta de momentos de tranquilidade. Agora temos saudades dessa movimentação, porque às vezes passam 2 ou 3 horas sem ninguém entrar", relata ele, que diz sem hesitar quem eram seus principais compradores:
Os brasileiros, com certeza, que levavam malas e mochilas para levar compras para o Brasil. Fazíamos boas vendas e eles eram 70% dos nossos clientes".
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