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Rodízio de churrasco ainda é moda? Conheça a história do espeto corrido

Espeto corrido é um hit das churrascaria e tem autoria contestada por muitos, mas pode estar "fora de moda" - Getty Images/iStockphoto
Espeto corrido é um hit das churrascaria e tem autoria contestada por muitos, mas pode estar "fora de moda" Imagem: Getty Images/iStockphoto

Gabrielli Menezes

De Nossa

29/06/2021 04h00

Sentar-se à mesa, colocar para cima a cor verde do sinalizador e receber no prato picanha, maminha, coraçãozinho, linguiça e mais uma porção de lascas de carnes que saem dos espetos levados pelos garçons de um lado a outro do salão.

Esse sistema de rodízio até parece banal depois de anos de consolidação, mas em décadas passadas representou uma verdadeira revolução. Criado no Brasil em meados de 1960, o serviço causou euforia no país e não demorou a conquistar o mundo.

O que o rodízio fez para o Brasil é impressionante. Quem provava queria saber mais sobre o país, sobre como comprar terras e investir. O conceito virou uma embaixada", diz o empresário gaúcho Arri Coser, à frente do NB Steak desde 2013.

Fraldinha no espeto: vai de mesa em mesa no Barbacoa - Barbacoa - Barbacoa
Fraldinha no espeto: vai de mesa em mesa no Barbacoa
Imagem: Barbacoa

Assar carnes no espeto é tradição desde o fogo de chão. De acordo com Arri, o Rio Grande do Sul contava com algumas casas de carne à la carte no início da década de 1960. "Chamava-se espeto parado. Era um tripé que era colocado na mesa para apoiar o espeto e deixar ele lá". A carne só era trocada a pedido do cliente.

Ideia com vários "autores"

O pontapé para a criação dos rodízios foi fazer o espeto "correr" diante dos convidados. Segundo a Associação das Churrascarias do Estado de São Paulo (Achuesp), o primeiro a lançar moda teria sido a Churrascaria 477, em Jacupiranga, na divisa do estado de São Paulo e do Paraná.

A fim de solucionar a confusão dos garçons pelo excesso de público provocado pela festa do Senhor Bom Jesus de Iguape, o dono, Albino Ongaratto, resolveu que os funcionários serviriam todos os espetos de mesa em mesa.

O pesquisador das tradições gaúchas Antônio Augusto Fagundes endossa a versão de que o rodízio surgiu na Churrascaria Matias, em Sapiranga (RS). Já o ex-caminhoneiro e churrasqueiro Jandir Caumo é o terceiro a reivindicar a autoria.

Inspirado no restaurante Tia Maria, de Caxias do Sul (RS), onde as bandejas de comida eram trocadas assim que as pedidas esfriavam, ele implementou o espeto corrido em 1968, na Churrascaria Blumenauense, de Quatro Barras (PR).

Autoria do espeto corrido é reivindicada por vários brasileiros - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Autoria do espeto corrido é reivindicada por vários brasileiros
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Independentemente do local de nascimento, a dança dos espetos permitiu que os clientes saboreassem mais variedades de carne sem nem precisar olhar o cardápio. O preço fixo também abriu o apetite dos gulosos. Tornou-se possível comer, comer e comer sem pensar em quanto cada mordida somaria à conta final.

Mais opções do que uma boca pode provar

Comer à vontade carnes sempre quentinhas se espalhou como conceito pelas beiras das estradas e tornou-se um ícone dos caminhoneiros e viajantes.

"Na época, era comum ter um corte de porco, um de cordeiro, um de frango e dois de boi: a costela e uma parte da alcatra", diz Arri. Os acompanhamentos, servidos em bandejas de alumínio, limitavam-se em polenta, mandioca, farinha, arroz e feijão.

Linguiça no espeto: uma entre tantas opções - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Linguiça no espeto: uma entre tantas opções
Imagem: Getty Images/iStockphoto
Espetinho de coração de frango, um clássico das churrascarias - Gabriel Cabral/Folhapress - Gabriel Cabral/Folhapress
Coração de frango, um clássico das churrascarias
Imagem: Gabriel Cabral/Folhapress

Quando chegou às cidades, o rodízio ganhou uma estrutura melhor. Em 1970, surgiu o bufê. Com ele, os comensais passaram a ter mais opções do que seus paladares poderiam provar.

Os cortes de carne também se multiplicaram. Passou a ser mais comum ver uma churrascaria com vinte opções diferentes de espeto do que com cinco. E então chegaram às mesas picanha com alho e coração de frango.

Para dar conta de tanta comida, criou-se o sinalizador de papelão em forma de bolacha. Usado até hoje, a ideia é colocar o lado vermelho para cima quando o estômago dá o aviso de "chega".

O salão também acompanhou as mudanças com a instalação de ar-condicionado, cadeiras confortáveis e adega climatizada. A brigada teve que se adequar a regras de etiqueta, entre elas segurar o espeto da mesma forma.

Um cliente me dizia que o rodízio unia a rapidez do fast food americano, a elegância do serviço francês e a fartura dos italianos."

Apreciado pelo mundo

Portland - Portland Press Herald - Portland Press Herald
Churrascaria brasileira em Portland, a maior cidade de Óregon (EUA)
Imagem: Portland Press Herald

Apostando em fartura e variedade, as churrascarias ganharam terreno fora do país no fim de 1990 e começo dos anos 2000. A experiência gastronômica de estilo brasileiro conquistou não só a América do Norte, como a Europa, a Ásia e a Oceania.

Além de contar com a iniciativa de grupos brasileiros, como a Fogo de Chão e o Barbacoa, o setor ganhou força com o investimento de estrangeiros. Mesmo sem nacionalidade brasileira, muitos fundaram marcas de sucesso usando o churrasco em rodízio como chamariz.

"Quando eu estava à frente dos negócios fora, sempre vendi a ideia de que fazíamos a cozinha do Sul do Brasil para dar abertura para alguém fazer a cozinha da Bahia, da Amazônia e de outros lugares", afirma Arri, que abriu uma unidade da Fogo de Chão em Dallas, nos Estados Unidos, em 1997, cerca de vinte anos após fundar a rede em Porto Alegre.

O jeito mais fácil de mostrar a cultura do país é pela alimentação. O rodízio deu o primeiro passo."

A vez da "degustação de carnes"

Rodízio e serviço à lá carte se uniram em nova proposta de Arri - Divulgação - Divulgação
Rodízio e serviço à lá carte se uniram em nova proposta de Arri
Imagem: Divulgação

Em 2011, Arri Coser vendeu a sua participação no Fogo de Chão por US$ 230 milhões (cerca de R$ 1 bilhão na cotação atual) para a gestora de investimentos GP. A saída, porém, não foi um adeus do especialista aos negócios de carne.

Dois anos mais tarde, ele se juntou aos sócios da Na Brasa, fundada em 1990 em Porto Alegre. O negócio mudou de nome para NB Steak e estreou um novo conceito. Em vez de rodízio, Arri propõem um menu de degustação de carnes.

Os cortes são preparados direto na grelha de acordo com a ordem do cliente. Picanha e fraldinha são os únicos que seguem no espeto, mas só correm até a mesa quando são chamados.

"Quis eliminar os desperdícios. O bufê, por exemplo, trazia uma grande perda diária que me incomodava muito. Também passamos a olhar para a saúde e a quantidade de gordura em cada carne."

O novo serviço oferecido por Arri mantém a proposta inaugurada pelos rodízios: a de comer carnes à vontade a um preço fixo. É cada vez mais raro, porém, encontrar steakhouses abertas recentemente que compactuem com a mesma ideia.

Proposta das casas de carne é menos fartura e mais qualidade em produtos e serviços - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Proposta das casas de carne é menos fartura e mais qualidade em produtos e serviços
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Fartura da churrascaria saiu de moda?

Arri defende que não se trata do fim de uma tendência, mas da saturação dela.

"Já existem unidades suficientes em São Paulo e outras capitais. Por isso, o investimento necessário para fazer uma churrascaria que consiga competir no mercado de hoje é altíssimo".

Nesse cenário, a entrada no setor de negócios familiares, sem sócios investidores, é bem difícil. Mesmo quem tem o aporte financeiro, segundo ele, precisa achar uma brecha. "Às vezes só é possível abrir uma nova casa se alguma outra fechar. No varejo, isso é mais comum."