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Hostel office: repórter se isola no interior de Minas e conta a experiência

Gabriela Mendes em seu hostel office - Arquivo pessoal
Gabriela Mendes em seu hostel office Imagem: Arquivo pessoal

Gabriela Mendes

Colaboração para Nossa

14/06/2021 04h00

Hostels são um tipo de hospedagem que têm, como principais atrativos, o baixo custo e a possibilidade de conhecer gente, socializar. Porém, com a pandemia, este modelo de estadia ficou insustentável. Em tempos de isolamento social, tudo que as pessoas procuram é um cantinho isolado. Como isso seria possível em um ambiente compartilhado? Fiquei com essa dúvida.

Foi assim que eu decidi entrar em contato com o hostel Diogenes, em Conceição de Ibitipoca, no sudeste de Minas Gerais e a 265 quilômetros do Rio de Janeiro. Ele está oferecendo uma proposta bem diferente do modo como costuma funcionar: o Ibitioffice. O trocadilho, muito utilizado em vários estabelecimentos da pequena cidade (como, Ibitipão, Ibitilândia, Ibitibeer), respondia à pergunta.

Afinal, seria possível vislumbrar um novo formato de hospedagem, como uma extensão temporária da sua casa e transformar a paisagem monótona do homeoffice em um cenário deslumbrante em meio à Serra da Mantiqueira.

O custo? A partir de R$ 400 mensais para um quarto privativo de casal e R$ 250 em períodos de segunda a sexta (salvo semanas com feriados). Como base de comparação, em tempos normais, a diária para um casal na pousada custa R$ 200, o que fazia a mensalidade ser um bom atrativo financeiro.

Resolvi testar esse tipo de estadia estendida, porque, para mim, era urgente sair da dinâmica da cidade, que, neste período, vem se resumindo a ficar trancada em um apartamento.

A proposta de passar alguns dias trabalhando em uma outra rotina, em meio à natureza, me atraiu muito.

Conexão garantida?

Gabriela contou com vários "escritórios" - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Gabriela contou com vários "escritórios"
Imagem: Arquivo pessoal
Um deles, era na varanda do hostel - Gabriela Mendes - Gabriela Mendes
Um deles, era na varanda do hostel
Imagem: Gabriela Mendes

Como eu estava de passagem, mas não a passeio, a primeira preocupação era se a internet daria conta do trabalho, para fazer reuniões de vídeo, por exemplo. Ibitipoca ainda não tem fibra óptica e o proprietário me avisou que a conexão poderia ficar instável em alguns dias. Como garantia, eu tinha meu 4G de reserva, mas, para minha surpresa, ele não foi necessário. A internet funcionou sem cair, escrevi meus textos e fiz chamadas de vídeo sem nenhum problema.

O conforto era outra preocupação e o hostel não se adaptou para ter um ambiente de escritório. Porém, como o espaço é grande e muito aberto, a cada hora do dia eu pude escolher um "escritório" diferente.

De manhã cedo, enquanto estava frio, sentei aonde pegava sol, na mesa da cozinha. Depois que meu corpo esquentou, mudei para a varanda do quarto. Passado um tempo, resolvi pegar uma cadeira de praia e me sentei próxima à horta.

Segurança na pandemia

Quarto do Diogenes Ibitipoca, em Minas Gerais - Felipe Mattos - Felipe Mattos
Quarto do Diogenes Ibitipoca, em Minas Gerais
Imagem: Felipe Mattos

Na minha perspectiva, não faria nenhum sentido sair da minha casa, onde eu estaria em segurança, para encarar uma hospedagem cheia, com pessoas que estivessem viajando sem preocupação e precauções quanto à pandemia, ainda correndo o risco de infectar os moradores da pequena cidade.

Saber quais eram os protocolos de segurança e qual era a postura do dono do hostel, era indispensável para mim, desde antes de sair de casa.

É verdade que a estrutura do Diogenes facilita muito o distanciamento, porque a área de lazer e cozinha são bem grandes e abertas. Além disso, o que aconteceu foi que, durante minha estadia, não havia nenhum outro hóspede, o que facilitou muito minha circulação e bem-estar.

Cozinha do Diogenes Ibitipoca, em Minas Gerais - Felipe Mattos - Felipe Mattos
Cozinha do Diogenes Ibitipoca, em Minas Gerais
Imagem: Felipe Mattos

De qualquer forma, a capacidade de todas as hospedagens de Ibitipoca está limitada a 50%. Ou seja, do total de 47 pessoas que poderiam ficar no hostel, agora o limite são 23, acomodadas em 17 quartos. Quanto aos dormitórios compartilhados, apesar de não ser uma exigência do setor hoteleiro, no Diógenes, a reserva está sendo feita apenas para grupos, não para pessoas desconhecidas.

Além disso, depois que os quartos são desocupados, há um intervalo de 48h para começar a limpeza, reduzindo o risco de quem faz a faxina e também do próximo hóspede que for usar o quarto. Janelas são abertas para circular o ar, todas as paredes e móveis são desinfetados, assim como a roupa de cama, que é limpa na lavanderia do próprio hostel (que, inclusive, pode ser usada sem custo adicional).

O café da manhã também teve mudanças. O que era antes, uma grande mesa de buffet, passou a ser individualizado, por quarto ou grupo, em mesas distantes, sempre com um álcool em gel disponível. O bar, que antes era palco de shows e viradas de noite, fechou para o público e está aberto apenas para os hóspedes, sem agitação. Hoje em dia, ele só serve cerveja.

Hostel x coronavírus

Área de convívio do Diogenes Ibitipoca, em Minas Gerais - Felipe Mattos - Felipe Mattos
Área de convívio do Diogenes Ibitipoca, em Minas Gerais
Imagem: Felipe Mattos

A pandemia teve um grande impacto econômico e o setor de turismo foi um dos mais atingidos. O dono do hostel, Felipe Mattos, estima que perdeu mais de R$ 20 mil nos sete meses em que a pousada ficou fechada, até outubro de 2020. Porém, apesar da reabertura, o setor ainda caminha em passos lentos, entendendo quais serão os novos moldes para hospedar com segurança e tirar a conta do vermelho.

Atualmente, ele tem recebido hóspedes por períodos curtos, em finais de semana e feriados e seus desafios são ligados à falta de cuidado de quem está viajando.

São poucos os que me perguntam antes como funcionam as medidas de segurança do hostel. Aquela minha preocupação com café da manhã, se eu não falar, ninguém está ligando".

Porém, ele percebeu a diferença de abordagem das pessoas que procuram o Ibitioffice, que costumam ser clientes mais preocupados com como o hostel está lidando com a pandemia.

Turistar é possível (de N95)

Durante a semana, a vila de Ibitipoca é uma calmaria só. A máscara modelo N95 é indispensável para a circulação, evitando a propagação do vírus.

Vista de Ibitipoca, em Minas Gerais - Gabriela Mendes - Gabriela Mendes
Vista de Ibitipoca, em Minas Gerais
Imagem: Gabriela Mendes

A maioria dos restaurantes só abre a partir de quinta-feira e faz delivery, mas o serviço presencial é feito com distanciamento e, por sorte, eles têm bastante espaço ao ar livre. Pratos e talheres vêm embalados individualmente e recebi até uma sacolinha para colocar a máscara na hora de comer. O toque de recolher é restrito e, às 22h, todos os estabelecimentos devem estar com as portas fechadas.

Já o parque, que antes tinha lotação de mil pessoas por dia, está recebendo apenas 500 e tem agendamento prévio no site. Nos mais de 1,4 mil hectares, não faltam espaços vazios e é difícil encontrar alguma aglomeração.

O único local em que isso acontece é na Janela do Céu, o ponto mais famoso, que pode ser evitado em finais de semana e feriados. É preciso ficar atento, pois o parque pode fechar sem aviso prévio em datas em que a cidade estiver mais cheia.

Valeu a pena?

Vista do Diogenes Ibitipoca, em Minas Gerais - Gabriela Mendes - Gabriela Mendes
Vista do Diogenes Ibitipoca, em Minas Gerais
Imagem: Gabriela Mendes

A proposta é interessantíssima para quem está trabalhando remoto e não aguenta mais olhar para as mesmas quatro paredes de um apartamento. Passar algumas semanas ou um mês morando em um local diferente em meio à natureza é um respiro em tempos de isolamento.

Em qualquer lugar que você esteja pensando em ir, é importante perguntar sobre a internet e sobre o conforto do quarto, dos espaços comuns, da estrutura do hostel e das medidas de segurança.

Além disso, usar máscara no convívio social é essencial. De preferência N95. É comum ir para lugares mais isolados e "esquecer" que estamos em meio à uma pandemia, mas é muito importante ter cuidado ao sair de grandes centros e não infectar os moradores, já que pequenas cidades turísticas costumam ter pouco acesso à hospitais.

E, é claro, em períodos de lockdown mais pesados, esse (e qualquer) tipo de viagem deve ser evitado.

De resto, eu confesso que não vejo a hora de separar mais alguns dias para voltar ao Ibitioffice.