Pão de linguiça é tradição de Páscoa em família portuguesa. Conheça o folar
Na década de 1960, Teresa Pires Morgado e mais cinco irmãos, entre eles Cândida Rosa Pires, saíram da província de Trás-os-Montes, em Portugal, rumo a São Paulo. Cada um veio a seu tempo, com uma idade e por um motivo.
O contexto era a Guerra de Libertação. De 1961 a 1974, as antigas colônias de Portugal, Angola, Guiné-Bissau e Moçambique, lutavam por independência. Nesse período, moradores da metrópole enfrentavam dificuldades e vislumbravam viver num lugar de oportunidades. Assim, chegaram ao Brasil e trouxeram na bagagem ricas tradições, como o folar.
Típico da região de Trás-os-Montes, o pão com massa esponjosa, amarelinha e rica em ovos tem presença garantida nas comemorações de Páscoa.
Por ser recheado de porco, o ritual de Teresa, Cândida e família era esperar passar a Sexta-feira Santa e, com ela, a convenção católica de não consumir carne na data que marca a crucificação de Jesus.
É no sábado e no domingo, portanto, que as irmãs ficam a postos na cozinha para refogar linguiça portuguesa mais bacon e sovar a massa levemente firme. O processo agora é facilitado pela batedeira planetária e ganha um empurrãozinho do fermento biológico seco, que faz o folar crescer com rapidez.
Confira a receita completa clicando na imagem abaixo:
O pão é facilmente partilhado com os mais próximos pelo tamanho avantajado. A ideia é assá-lo numa forma grande e redonda e servi-lo em fatias. Segundo as "especialistas", os pedaços ficam ainda melhores regados com um bom azeite e num brinde com vinho tinto.
Padeiras de sangue
A mãe, Josefina Augusta Lavrador, foi quem ensinou as filhas a cozinhar, a costurar e a fazer atividades domésticas. Cândida conta:
"Era prendada. Sei até como fazer lã com pelo de ovelha. A gente tinha que saber fazer de tudo. Aprendíamos em casa".
Com o folar, não poderia ser diferente. Cândida diz que já nasceu comendo o pão regional e Teresa chuta que a receita está na família há pelo menos 120 anos.
A panificação está no sangue. Carmelina Rosa, avó paterna, morava em Bragança (Portugal) e era conhecida na cidade por ter um forno industrial.
Era igual aos que tinham as padarias, mas era comunitário. Quem sabia fazer pão, fazia em casa e levava para assar. Quem não sabia, encomendava um para minha avó".
O aparelho, as pás e a memória de Carmelina vivem até hoje na casa que foi declarada como patrimônio histórico e aberta para receber visitantes. "Ela foi tão importante que colocaram uma fotografia dela bem na frente".
Passo a passo em fotos
Portugal no Brasil
Se colocar o tempo na balança, Teresa e Cândida são mais brasileiras do que portuguesas. Mas o sotaque carregado revela que a conexão com terra natal não se esvai ao passar dos anos.
As irmãs visitavam o país europeu com frequência antes da pandemia. Mesmo com as atuais restrições, elas vivem numa espécie de Portugal que construíram em São Paulo.
Teresa é diretora da Casa de Portugal, conselheira do Centro Transmontano de Saúde e diretora do Lar da Provedoria Portuguesa (entidades luso-brasileiras de filantropia).
Ela também comanda a Taberna Cais do Porto, restaurante típico instalado desde 1996 no Estádio do Canindé, que pertence à Associação Portuguesa de Desportos. No cardápio, há pratos da terrinha, como alheira frita e bacalhau — no momento, a operação está voltada para o delivery.
A clientela é fiel. Nas noites sem isolamento social, a colônia portuguesa matava a saudade das origens ao som de fado ao vivo.
Vez ou outra, Teresa prepara o folar no restaurante ou em casa. Afinal, para satisfazer o apetite de quem ama, é possível abrir mão da tradição e fazer o pão fora de época. Ela explica:
Quando as pessoas comem um pedaço de folar, os olhos brilham. Lembram-se dos tempos antigos e dos seus amores".
Cândida não perde tempo quando isso acontece: "é tão bom que eu como com café de manhã ou à tarde. Quem também gosta de comer, vai tentar fazer. E se fizer uma vez, vai fazer duas". Com essa propaganda, fica difícil não colocar a mão na massa.
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