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Casal mochileiro larga tudo e monta motorhome para cruzar as Américas

Fernanda e Noelma viajaram a Europa, tiveram seus planos interrompidos e hoje montam um motorhome para cruzar as Américas - Arquivo pessoal
Fernanda e Noelma viajaram a Europa, tiveram seus planos interrompidos e hoje montam um motorhome para cruzar as Américas
Imagem: Arquivo pessoal

Hygino Vasconcellos

Colaboração para o Nossa, de Porto Alegre

11/11/2020 04h00

A vontade de largar tudo e pegar na estrada esteve adormecida por anos. Mas no ano passado, o que era distante se tornou realidade para a personal trainer Noelma Coelho Teles Biasin, 35 anos, e a fisioterapeuta Fernanda Benites Biasin, 33 anos. Juntas há 11 anos, o casal decidiu tirar a cidadania italiana e viajar de carro pela Europa ao lado dos dois cachorros.

Mas a viagem foi interrompida em março deste ano pelo coronavírus. De volta ao Brasil, elas decidiram reformar uma van de 2007 e montar por conta própria o motorhome. Com o veículo, pretendem partir para o extremo da América do Sul, no Ushuaia, e tomar rumo ao Alasca, nos Estados Unidos. A ideia é ficar até dois anos viajando.

Por dia, elas ficam cerca de sete horas envolvidas na transformação da van em motorhome. O processo ocorre na casa dos pais delas em Santos e Peruíbe, no litoral paulista. E o passo a passo é compartilhado no Instagram (@omundoeeelas) e no canal do YouTube.

Casa completa - e dois cães a bordo

Pouco a pouco, a nova casa vai tomando forma. Apesar de passar os dias envolvidas, elas negam desgaste pela atividade manual. "Eu não acho cansativo. Na verdade, eu fico na expectativa de mexer no carro. Se eu pudesse, eu ficava todos os dias direto", conta Fernanda.

O casal pretende terminar a reforma até o final do ano e já pegar a estrada. Até agora elas estão dentro do cronograma, mas dois fatores acabam arrastando um pouco a reforma: a espera pelas peças vindas da China e as idas do veículo à oficina.

Fernanda e Noelma e os companheiros de viagem Luque e Toby, em Paris - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Fernanda e Noelma e os companheiros de viagem Luque e Toby, em Paris
Imagem: Arquivo pessoal

Quando pronto, o motorhome de cinco metros quadrados terá banheiro com chuveiro a gás, uma mini cozinha e dormitório. Além disso, o veículo vai ter três painéis solares que vão garantir autonomia de até oito dias para o casal. E claro, espaço para os dois cães do casal: Luque, de 17 anos, e Toby, de sete anos. Os pets as acompanharam no mochilão pela Europa e agora também vão encarar o tour pelas Américas.

Antes da Europa, as duas já tinham feito em 2016 uma viagem de carro pela Califórnia, nos Estados Unidos. Passaram 18 dias conhecendo diferentes cidades e pontos turísticos. Só conseguiram fazer a viagem em um período de férias em comum dos trabalhos das duas. "Aquilo ali virou paixão", conta Noelma.

A bordo de um minicooper, Noelma e Fernanda passaram cinco meses viajando pela Europa - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A bordo de um minicooper, Noelma e Fernanda passaram cinco meses viajando pela Europa
Imagem: Arquivo pessoal

Corrida para voltar ao Brasil

A viagem na Europa começou na metade do ano passado. Primeiro, permaneceram quatro meses na Itália até que saísse a cidadania da Fernanda e o permesso de soggiorno de Noelma (visto de permanência concedido para o companheiro do cidadão italiano). Depois, elas compraram um mini cooper e passaram cinco meses viajando. A ideia inicial era visitar os 28 países da União Europeia, mas devido ao coronavírus a viagem foi encurtada.

Nós estávamos seguindo o objetivo, já estávamos no sétimo país. Foi quando os nossos amigos começaram a mandar mensagens perguntando como é que nós estávamos e foi aí que descobrimos o que estava acontecendo.

De primeira pensamos em voltar para a Itália, mas foi aí que descobrimos que as fronteiras já estavam fechadas. Então resolvemos seguir para o sul de Portugal para aguardar. O maior medo era uma das duas ficar doente e não conseguirmos cuidar uma da outra. "

Juntas há 11 anos, Noelma e Fernanda foram para a Itália para começar a viagem - que foi interrompida pela pandemia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Juntas há 11 anos, Noelma e Fernanda foram para a Itália para começar a viagem - que foi interrompida pela pandemia
Imagem: Arquivo pessoal

O casal resolveu ir para o sul de Portugal e alugar uma casa por um mês enquanto decidiam o que fazer: voltar para o Brasil ou esperar a pandemia passar. Depois de alguns dias, bateram o martelo por retornar às terras tupiniquins. "A gente conseguiu voltar três dias antes de fechar as fronteiras de Portugal. A gente iria voltar em junho e tentamos antecipar. A Lufthansa cancelou o voo três vezes e depois devolveu o dinheiro", observa Noelma.

Apesar da viagem encurtada, a ida para Europa despertou nelas a vontade de montar o próprio motorhome. Quando elas ainda estavam na Itália, passaram a ver preços de vans. "Era muito caro, tinha que ser muito antigo para valer a pena. Além disso, as cidades são pequenas, não tem mão de obra específica", observa Noelma.

Medo da violência

Casadas há dois anos e meio, Noelma e Fernanda não escondem a apreensão de começar essa nova fase da viagem, agora de motorhome.

Acredito que este medo toda mulher tem. Quando começamos a pensar em viajar de motorhome, a pergunta que mais fazíamos é se era seguro.

Este receio sempre tivemos, mas o cuidado já começou em outras ocasiões. Uma regra que tínhamos é que, se uma das duas se sentisse insegura ou incomodada com o lugar que iríamos dormir, era só dizer que pegaríamos as nossas coisas e procuraríamos outro lugar", conta Fernanda.

Casal em Mont Saint-Michel, na França - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Casal em Mont Saint-Michel, na França
Imagem: Arquivo pessoal
Fernanda, Noelma e as companhias caninas em Sevilha, na Espanha - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Fernanda, Noelma e as companhias caninas em Sevilha, na Espanha
Imagem: Arquivo pessoal

Elas contam que nunca sofreram preconceito "escrachado" pela orientação sexual delas. Mas já perceberam situações indiretas.

Quando estavam na Itália, um policial complicou para liberar para Noelma o permesso. "Nos disseram que nunca tinham feito. E a gente estava com a certidão de casamento, transcrita para o italiano, e mesmo assim o policial não estava querendo fazer porque achou que fosse fraude. No fim, acabou fazendo", conta Fernanda.

Como vão a lugares desconhecidos, as duas adotaram uma postura de reserva entre elas. "Um dos cuidados é não demonstrar afeto, não beijar em público. Na rua a gente sempre tomou muito cuidado, não pelo que os outros vão pensar, mas mais por questão de segurança", conta Noelma.

Como pagar tal viagem

Antes de partir para a Europa, o casal ficou guardando dinheiro por dois anos ao economizar 60% a 70% dos salários. E passaram a vender pertences e bens, como o carro, a moto e a própria casa. Parte da reserva financeira foi consumida nos nove meses que elas permaneceram na Itália, com o retorno do Brasil e na transformação da van em motorhome.

Fernanda e Noelma compraram um microonibus para transformar em um motorhome para cruzar as Américas - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Fernanda e Noelma compraram um microonibus para transformar em um motorhome para cruzar as Américas
Imagem: Arquivo pessoal

"Ainda temos 40% dessas reservas", observa Noelma. Nesta nova fase da viagem, o casal pretende impulsionar o blog e o canal no Youtube para garantir um pouco de dinheiro por ali.

Além disso, Noelma e Fernanda decidiram reformar e equipar por conta própria o motorhome devido aos preços altos cobrados pelas empresas, que variam entre R$ 10 mil a R$ 100 mil. Com isso, acabaram economizando na mão de obra, que corresponde a grande parte do valor cobrado.

E, no final das contas, quanto será gasto? A Sprinter foi comprada por R$ 37 mil de uma empresa que aluga vans para transporte escolar. Além disso, elas fixaram um teto de R$ 10 mil para arrumar o veículo, como manutenção, troca de pneus, ajustes na lataria. E outros R$ 18 mil para montagem do motorhome, como a compra de climatizador, isolamento, entre outros itens. Ou seja, pelo menos R$ 65 mil.

Tendo em vista que vai ser nossa casa, acho que vai ser barato", entende Noelma.