Topo

Apesar de vindimas comprometidas por covid-19, vinícolas esperam boa safra

Sem festa, com máscaras: vinícolas da Europa e EUA passam vindimas sem festa - AFP
Sem festa, com máscaras: vinícolas da Europa e EUA passam vindimas sem festa
Imagem: AFP

Rafael Tonon

Colaboração para Nossa

10/10/2020 04h00

As festas que celebram a vindima, a época de colheita e vinificação das uvas, tiveram que ser canceladas na Quinta de Lemos, na região do Dão, em Portugal. A celebração é uma tradição que remonta os tempos romanos, em que se celebrava a colheita com música e muita bebida em homenagem à Baco, o deus do vinho.

Ao contrário dos anos anteriores, em que pessoas de várias partes do mundo se programavam para estar na vinícola entre agosto e setembro para os almoços, jantares e a tradicional pisa das uvas, este 2020 foi atípico sem as celebrações em torno da colheita.

Não lembro de ter tido um ano em que não celebramos", diz Hugo Chaves, enólogo da Quinta de Lemos.

A pandemia mudou a dinâmica das colheitas em muitos países produtores, já que elas costumam concentrar mão de obra no período entre os parreirais e também no trabalho da adega, onde as uvas são fermentadas.

Colheita das uvas antes da pandemia, na Quinta Nova, em janeiro de 2020 - Arquivo Quinta Nova - Arquivo Quinta Nova
Colheita das uvas na Quinta Nova antes da pandemia
Imagem: Arquivo Quinta Nova

"Este ano, a prioridade foi salvaguardar a saúde dos nossos colaboradores, então tivemos atenção redobrada e não pudemos contratar mais apanhadores", explica Chaves. Na Quinta, são cerca de 20 trabalhadores experientes, muitos deles no grupo de risco, já que são idosos.

A pisa a pé tradicional na vinícola conta com com calcadores de inox (um tipo de proteção metálica para os pés) por questões de higiene, mas ainda são feitas pelos homens, já que muitos defendem que ela permite uma rápida e suave extração dos compostos do bago, ao contrário da pisa mecânica.

Interrupção em séculos de tradição

Em algumas outras quintas, como a do Vesúvio, no Douro, foi a primeira vez que que não houve festa das vindimas desde que foi fundada, em 1827, interrompendo o ciclo da pisa a pé, iniciado há quase dois séculos na região.

A alternativa nesse ano foi encaminhar as uvas para lagares mecânicos. Para a produção dos vinhos, quase não há diferença. O que se sente é a falta da parte festiva que acompanha essa época, a celebração de um ciclo que se encerra.

Neste ano, máscaras e álcool em gel ganharam protagonismo entre as uvas. E o cuidado com a limpeza ficou ainda mais exigente, ainda que, na maioria das vinícolas, a vinificação reúne uma série de práticas (da prensagem à fermentação) que são sempre intercaladas com limpeza e higienização meticulosa.

Funcionárias separam os cachos de uva do Chateau Haut-Bailly, em Bordeaux (França) - AFP - AFP
Funcionárias separam os cachos de uva do Chateau Haut-Bailly, em Bordeaux (França)
Imagem: AFP

Distanciamento e até EPI

Na Espanha, a vinícola Marqués de Vizhoja criou um protocolo que impede o trabalho por duplas, como é comum entre os cachos, um de frente para o outro.

"Neste ano, tivemos apenas uma pessoa por linha. Até hoje, os trabalhadores sempre estiveram cara a cara, mas este ano eles só terão que fazer um dos dois lados da vinha para que nunca haja contato pessoal", explica Javier Peláez, diretor técnico e proprietário da vinícola.

Na Califórnia, os cuidados foram redobrados e contentores e garrafas passam por desinfecção contínua, por exemplo. Na Longhorn Ridge Vineyard, em Napa Valley, foram instaladas divisórias de plexiglass, inclusive nas linhas de embalagem e engarrafamento, onde os funcionários trabalham mais próximos.

"Queremos manter todo mundo saudável e seguro", afirma Richard Bruno, enólogo da vinícola. Os EPI dos trabalhadores passaram a contar também com viseira de acrílico, além das máscaras.

Além da pandemia, o clima

Chamas atingem a vinícola Merus Wines, no Napa Valley, California - AFP - AFP
Chamas atingem a vinícola Merus Wines, no Napa Valley, California
Imagem: AFP

Muitas vinícolas do estado americano ainda seguem em vindima, não só pela questão da covid-19, que as obrigou a diminuir o fluxo de pessoas trabalhando, mas também por uma pausa imposta por conta dos incêndios na região.

O fator climático, aliás, se tornou um fator de preocupação a mais neste ano. Na Quinta de Lemos, uma geada antecipada promoveu uma quebra de produção das uvas, cujos com os primários foram queimados pela baixa temperatura.

"Tivemos uma quebra de cerca de 20% em relação à média dos anos anteriores", explica Chaves. Este ano, a vinícola espera produzir 120 mil litros entre tintos, brancos e espumantes.

Na Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, também na região do Douro, foi preciso correr para que a vindima não fosse prejudicada pelas chuvas. "Optamos por fazer uma vindima mais curta, para não sermos pegos pelo mau tempo", explica Ana Mota, responsável pela área de viticultura.

Drama com resultado saboroso

Colheita no Chateau Haut-Bailly, na França - AFP - AFP
Colheita no Chateau Haut-Bailly, na França
Imagem: AFP

O desafio, nesse sentido, é que isso exige mais pessoas, o que não era possível em tempos de pandemia.

"Precisamos trabalhar mais sem perder de foco os cuidados que o momento exige, sempre de máscaras e mantendo as distâncias", ela diz. Neste ano, a vindima contou com cerca de 45 trabalhadores nas parreiras e na adega, 30% a mais do que o costume.

Segundo a especialista, os últimos cinco anos foram especialmente atípicos em termos climáticos, e este não foi diferente. "Foi uma vindima menor, com menos 25% a 30% das uvas. Há pessoas na região que tiveram quebra 50% a 60% de produtividade", ela completa.

Mas Ana garante que, em termos de qualidade, não há dúvidas que será um excelente ano. "Pelo perfil dos vinhos que acabaram de fermentar, eles estão mais exuberantes, muito aromáticos. A safra 2020 vai ser especial", aposta.

Alguma coisa tinha que ser mesmo muito boa neste ano, não é?", ri.