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Acostumado com isolamento, astronauta da Nasa dá dicas de sobrevivência

Doug Wheelock durante missão espacial em 2010 - NASA/Victor Zelentsov
Doug Wheelock durante missão espacial em 2010 Imagem: NASA/Victor Zelentsov

Marcel Vincenti

Colaboração para Nossa

27/06/2020 04h00

"A vida durante a pandemia lembra a minha época de treinamento". É com esta frase que o astronauta norte-americano Doug Wheelock compara sua experiência em viagens espaciais, em mais de 20 anos de Nasa, com a de todo o mundo durante o isolamento social do coronavírus.

Como viajantes do mar, isolados em seus barcos (e que já contaram suas experiências em Nossa), Wheelock já teve que ficar 10 dias enclausurado em uma estrutura no fundo do mar, com água e comida racionadas, para testar como seria no espaço. Além disso, ele também já se isolou em uma região remota da Sibéria, onde passou dias sob um frio que chegou a -40ºC. O que prova que há vida na reclusão — ainda que, nesse caso, voluntariamente.

De sua casa em Ohio, nos Estados Unidos, o astronauta conta o que tirou de lição sobre situações de pressão e confinamento das missões que foram até a Estação Espacial Internacional.

Astronauta Doug Wheelock trabalhando fora da Estação Espacial Internacional, em 2010 - Nasa - Nasa
Astronauta Doug Wheelock trabalhando fora da Estação Espacial Internacional, em 2010
Imagem: Nasa

"Não entre em pânico"

Astronautas, logicamente, devem estar preparados para lidar com situações críticas e de grande perigo.

"O primeiro passo é não entrar em pânico. Somos treinados para manter a calma em situações críticas", diz Wheelock. "Como segundo passo, é importante fazer um inventário de todas as ferramentas que temos para solucionar determinado problema". E, segundo Wheelock, o terceiro passo é reiniciar a reconstrução do que foi danificado.

Para ele, toda esta linha de ações pode ser aplicada à vida de terráqueos afetados pela pandemia.

"O medo é um sentimento natural neste momento de quarentena. As pessoas estão com medo de perder o emprego, de perder renda e incertas do que pode acontecer no futuro", diz ele.

"Não entre em pânico", aconselha. "Em seguida, não se foque nas coisas que você perdeu ou que pode perder [como o trabalho]. Fique focado nas ferramentas que você ainda possui e que podem te ajudar a sair de uma situação complicada. E então, comece a reconstrução".

A tática do quebra-cabeça

Doug Wheelock em treinamento no Neutral Buoyancy Laboratory (NBL), nos Estados Unidos, em 2009  -  Nasa -  Nasa
Doug Wheelock em treinamento no Neutral Buoyancy Laboratory (NBL), nos Estados Unidos, em 2009
Imagem: Nasa

Na visão de Wheelock, muitas pessoas estão sentindo que sua vida foi completamente bagunçada pela pandemia. "É como se nossa existência fosse um lindo quebra-cabeça montado que, de repente, foi desfeito em mil pedaços", analisa ele.

Esta referência não é em vão: Wheelock conta que, em seus treinamentos, astronautas usam o processo de montagem de um quebra-cabeça como metáfora para se fortalecer psicologicamente e reconstruir cenários que sofreram abalos — o que pode ser aplicado à situação do mundo hoje.

O astronauta aconselha que as pessoas comecem a se reestruturar como se estivessem dando início à composição de um quebra-cabeça: pelas beiradas, sendo elas as nossas partes racional, emocional, física e espiritual - e que devem servir de alicerce para que todas as outras peças.

Mas como fazer isso?

Para a parte racional, Wheelock recomenda que se crie uma rotina em seu dia a dia, para sentir que se tem algum controle. Além disso, o astronauta recomenda o uso de um diário para clarear as ideias e fortalecer a mente.

Outro estímulo é o de buscar desafios. "Nesta quarentena, por exemplo, voltei a aprender a tocar violão, algo que eu não fazia desde jovem", conta Wheelock.

Doug Wheelock na Estação Espacial Internacional, em 2010 - Nasa - Nasa
Doug Wheelock na Estação Espacial Internacional, em 2010
Imagem: Nasa

Para a parte física, Wheelock sugere fazer exercícios com frequência, como os viajantes do espaço fazem na Estação Espacial Internacional, por exemplo.

A parte espiritual se refere à essência de cada um. "Analise qual é o grande propósito da sua vida, o que você quer se tornar e como quer impactar o mundo", aconselha Wheelock.

"A parte mais difícil é a emocional", avalia ele. "Na Estação Espacial Internacional, eu realizava chamadas de vídeo com minha família todos os domingos, além de trocar e-mails constantemente com eles", conta, dizendo que, nesta quarentena, quem está sozinho deve buscar algum contato com pessoas queridas.

"Ao final da pandemia, podemos emergir não apenas como sobreviventes, mas como pessoas melhores".

Por fim, Wheelock enfatiza que o importante é possuir propósito na vida e desafios para o futuro. E, nesta quarentena, ele já tem seus próprios: o astronauta foi escolhido para trabalhar no projeto que, em 2024, tem como missão levar novamente seres humanos à lua.