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Passagens e pacotes estão em promoção; mas vale o risco comprar agora?

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Imagem: Getty Images/iStockphoto

Marcel Vicenti

Colaboração para Nossa

14/04/2020 04h00

A baixa demanda por viagens causada pela pandemia de covid-19 está gerando, neste momento, diversas promoções de passagens de avião e pacotes turísticos.

Em boa parte dos casos, são descontos dados para jornadas programadas para o segundo semestre deste ano e para 2021 - épocas em que, para as previsões mais otimistas, a crise sanitária pode já estar sob relativo controle e o mundo do turismo se encontrará mais ativo.

Em uma pesquisa realizada com grandes agências de turismo do país, Nossa identificou descontos de até 38% para bilhetes aéreos e de até 65% para pacotes que incluem passagem e hospedagem, em viagens marcadas para o final de 2020.

Mas vale a pena aproveitar estas pechinchas em um momento de crise e imprevisibilidade? Para saber isso, Nossa conversou com especialistas em economia, turismo e direitos do consumidor, que falaram sobre os riscos de contratar uma viagem agora. Confira.

Cuidado com a flexibilização dos contratos de trabalho

Especialista em finanças e coordenador do curso de administração do Ibmec, Samuel Barros diz que, hoje, "há uma avalanche de promoções de viagens, algumas excessivamente em conta".

"Antes de aproveitar estes descontos, a pessoa precisa garantir que, na época em que a viagem for realizada, ela poderá se ausentar do emprego. Pode ser que o passageiro não esteja em condições de viajar no período agendado", diz ele, apontando para o fato de que, com as flexibilizações de contratos de trabalho ocorridas por causa da crise do coronavírus, muitos profissionais podem ter suas férias antecipadas nos próximos meses.

Isso pode mudar totalmente a ordem dos períodos de férias das empresas e impedir que trabalhadores realizem viagens previamente marcadas.

E é fundamental agregar um elemento importante nesta questão: além de tempo, a pessoa precisa estar segura de que possuirá dinheiro para realizar a viagem, principalmente em um mundo que, ao que tudo indica, terá sua economia seriamente afetada pelo coronavírus.

De acordo com Ricardo Rocha, professor de finanças do Insper, o viajante deve avaliar detalhadamente como os gastos com uma viagem irão impactar suas reservas financeiras.

Viagem coronavírus - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Atenção redobrada com viagens internacionais

É preciso ter cuidados adicionais ao contratar, neste momento, viagens internacionais, mesmo que elas estejam programadas para o final do ano ou 2021.

Primeiramente, porque não é possível saber exatamente em qual nível estará, no segundo semestre ou no ano que vem, a cotação do dólar (que, atualmente, encontra-se acima dos R$ 5).

"O ideal é esperar até 2021 para viajar para o exterior", recomenda Alan Guizi, professor do curso de turismo da Universidade Anhembi Morumbi. "Para quem quiser aproveitar as promoções que existem hoje, recomendo buscar viagens internacionais para o segundo semestre de 2021, quando é possível que o dólar esteja mais baixo".

Samuel Barros, por sua vez, prevê que o mundo irá mudar depois da crise. "Existe a possibilidade de que alguns países mantenham suas fronteiras fechadas ou aumentem o controle de circulação [de estrangeiros dentro de suas fronteiras]. Por isso, é melhor viajar primeiramente pelo Brasil, esperando para ver como o mundo se comporta. Depois que tudo estiver mais tranquilo, vale a pena começar a pensar em viagens internacionais. E o incentivo ao turismo nacional pode ajudar nossa economia a sair um pouco melhor deste caos".

Viagens nacionais: quando fazer?

"Acredito que o segundo semestre de 2020 será o momento em que as viagens serão retomadas, iniciando pelas viagens domésticas", prevê Alan Guizi, professor do curso de turismo da Universidade Anhembi Morumbi. "Muitos eventos de calendário e festividades foram remarcados para o próximo semestre, aumentando as motivações de viagens para esse período".

Guinzi também diz que "pode valer a pena aproveitar as promoções para viagens dentro do Brasil para o fim do ano, quando as pessoas vão querer recuperar o tempo em que ficaram em isolamento para aproveitar uma boa praia, uma cidade histórica ou destinos do interior".

Viagem cancelada - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Perigo de ser prejudicado por falências

Professor de finanças do Insper, Ricardo Rocha recomenda "frieza para avaliar se a companhia aérea ou o hotel contratados estarão em funcionamento no futuro. São empresas sólidas? Elas têm capacidade para resistir à crise?", indaga. Rocha diz que, mesmo aproveitando promoções e pagando barato por uma viagem, a pessoa tem que avaliar os riscos de, eventualmente, por causa de possíveis falências, perder dinheiro.

Opinião parecida tem Alan Guizi. Para ele, os viajantes precisam estar atento na "capacidade das empresas aéreas e hoteleiras de sobreviver à pandemia. Nunca é positivo pensar em falências, mas o momento é grave para o turismo". Segundo Guizi, eventuais fechamentos de empresas turísticas podem levar ao cancelamento de viagens que sejam compradas agora.

Diretor da Múltiplas Soluções, consultoria especializada em turismo, Marcos Alves avisa que já há empresas de turismo demitindo funcionários e diminuindo sua infraestrutura. "Por conta disso, a cadeia do mercado turístico já está sendo quebrada", conta ele. "Há o risco de que isso cancele viagens".

Perigo de encontrar o destino da viagem sem vida

Viagens contratadas neste momento (mesmo que marcadas para o segundo semestre de 2020 ou para ano que vem) também podem ser prejudicadas por uma demora na retomada do mercado do turismo no destino que a pessoa pretende visitar.

Professor de finanças da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP), Fábio Gallo diz que os destinos turísticos terão que passar por uma "reconstrução" quando a crise abrandar. "A crise atual é diferente de qualquer coisa que já vimos no passado", avalia ele. "Não sabemos em que condições serão reabertas as atrações nos grandes centros de turismo. Haverá um período de reconstrução, as pessoas vão mudar seu comportamento e até o conceito de lazer provavelmente será repensado".

Viagem aeroporto - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

As promoções irão continuar?

Samuel Barros, do Ibmec, não acredita que as promoções de viagens durem muito. Segundo ele, a baixa procura por viagens pode gerar o fechamento de serviços turísticos (como hotéis e voos), reequilibrando a balança entre oferta e demanda e, assim, permitindo que os preços voltem a subir.

Professor do Insper, Ricardo Rocha diz que os preços do mercado do turismo podem subir novamente no momento em que os brasileiros mais abastados (que não tenham sido tão afetados pela crise) voltem a viajar. Segundo ele, os preços das passagens aéreas não se manterão baixos se estas pessoas resolverem viajar e houver um número reduzidos de voos.

E o que fazer se a viagem for cancelada?

"As empresas de turismo passam por uma crise muito complicada e sem precedentes", diz o advogado João Pedro Biazi, mestre e doutorando em direito civil pela Universidade de São Paulo (USP). Segundo ele, existe o risco de que muitas destas empresas não aguentem a pressão gerada pela pandemia e não consigam prestar seus serviços porque entraram em recuperação judicial ou falência.

Biazi relata que, nestes casos, o cliente corre o risco de entrar em um "difícil e burocrático" caminho para reaver o dinheiro gasto na compra da viagem.

E como o cliente deve reagir se, por exemplo, o hotel que estava incluso em seu pacote turístico entrar em falência e for substituído por outro estabelecimento hoteleiro?

Caso haja este tipo de problema, Biazi aconselha que, primeiramente, ambas as partes adotem o diálogo. "Estamos vivendo em um momento muito atípico", avalia ele. "Dentro desta perspectiva, é recomendável que o consumidor tente resolver qualquer problema de um modo conciliatório e colaborativo. As empresas de turismo querem se manter capitalizadas e estão dispostas a buscar soluções rápidas e sem briga para eventuais problemas. Estes caminhos pacíficos são preferíveis à opção de um litígio".

E se o cliente se sentir lesado e sem canais de diálogo com o prestador de serviços? "A pessoa pode procurar diretamente o Procon e, em último caso, buscar uma solução no Poder Judiciário, contratando um advogado", explica Biazi.

E vale lembrar algo muito importante: na tentativa de minimizar a crise econômica provocada pela pandemia, o governo federal vem publicando medidas provisórias que alteram as regras de cancelamento e reembolso de serviços turísticos.

Se for comprar uma viagem neste momento, saiba, em detalhes, como estão as regras de cancelamento e reembolso da passagem aérea ou do pacote turístico no qual você está interessado.