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Casal brasileiro está de quarentena dentro de uma Kombi na Colômbia

Manoela e Rodrigo viajavam pela América do Sul quando a Colômbia entrou de quarentena e ficaram "ilhados" em Medellín - Arquivo pessoal
Manoela e Rodrigo viajavam pela América do Sul quando a Colômbia entrou de quarentena e ficaram "ilhados" em Medellín
Imagem: Arquivo pessoal

Luciano Nagel

Colaboração para Nossa

05/04/2020 04h00

Manoela Petry e Rodrigo Arnhold, ambos com 26 anos, cumprem quarentena desde o dia 25 de março confinados em uma Kombi na cidade de Medellín, na Colômbia.

O veículo está estacionado, sem permissão de deslocamento, em uma praça do bairro La Floresta, região central da cidade. O casal tem viajado pelos países da América do Sul desde maio do 2019, quando deixou o município de Montenegro, região do Vale do Caí, no Rio Grande do Sul.

''Ingressamos em território colombiano no dia 4 de março pelo passo entre Tulcán, no Equador, e Ipiales. Na Colômbia, na fronteira já se falava muito sobre a pandemia de coronavírus. Tinha barraca da Cruz Vermelha, postos do Ministério da Saúde, pessoas com luvas e máscaras. Mas depois, nas outras cidades pelas quais passamos, tudo parecia tranquilo, não havia aquele pânico da população", conta Manoela. "Tanto que, chegando em Medellín, tivemos alguns dias para conhecer a cidade antes de o país anunciar o fechamento das fronteiras".

O presidente da Colômbia, Iván Duque, fechou o país no dia 17 de março. A medida é válida até 30 de maio e tem como objetivo impedir a disseminação do novo coronavírus.

Além dos controles nas fronteiras, ordenou o fechamento de bares e discotecas e criou um sistema de denúncia contra os que violam as medidas contra a pandemia. A quarentena obrigatória foi decretada em 25 de março e se estende oficialmente até 13 de abril.

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Eles passam cerca de 20 horas dentro da Kombi por conta da quarentena e do policiamento ostensivo
Imagem: Arquivo pessoal

"O governo colombiano não descarta que ela seja prorrogada até o dia 30 de abril. Até lá, vamos nos virando, fazendo o que dá para fazer dentro dos limites", diz Rodrigo. "Podemos sair da Kombi apenas para ir ao supermercado mais próximo para comprar alimentos ou à farmácia. E só pode um pode vez, então estamos nos revezando''.

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A Kombi, sem permissão de deslocamento, está estacionada em uma praça no bairro La Floresta, região central da cidade
Imagem: Arquivo pessoal

O casal conta que, logo na chegada ao bairro onde estão estacionados, foram muito hostilizados pela comunidade. Em uma das ocasiões, um senhor chegou a culpá-los por trazer o coronavírus ao país. ''Ele passou gritando que éramos os responsáveis", lembra Manoela.

Outras moradores também nos ofendiam e ameaçavam chamar a imigração para nos mandar embora",

Foram três dias de ofensas "presos" à Kombi. "Depois, as pessoas perceberam que não tínhamos culpa de nada", diz a jornalista. "Agora, a comunidade está mais receptiva. Muitos oferecem água e perguntam se precisamos de algo mais".

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Leitura, yoga e jogos eletrônicos ajudam a passar o tempo dentro do veículo
Imagem: Arquivo pessoal

Nos limites da Kombi

A rotina de quem cumpre a quarentena dentro de uma Kombi não é fácil, garante o casal. Para driblar a monotonia do isolamento em pouco espaço, a dupla cozinha, faz yoga, pula corda na calçada, lê e se entretém com jogos no celular e filmes. ''Fizemos tudo isso para passar o tempo, afinal, ficamos em média 20 horas no veículo", diz Rodrigo.

Não podemos nos distanciar muito da Kombi, além disso, o policiamento é ostensivo. Eles multam, mesmo, quem desobedece ao decreto"

"Para tomar banho e fazer as necessidades, temos autorização para usar o banheiro do supermercado próximo à praça", conta o técnico em edificações. A rotina também é seguida pelos ''vizinhos'' do casal, um grupo de chilenos e argentinos na mesma situação.

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Rodrigo pula corda para se exercitar próximo à kombi: eles não podem distanciar-se do veículo
Imagem: Arquivo pessoal

Repatriação complicada

Manoela e Rodrigo estão em contato permanente com a Embaixada do Brasil em Bogotá para tentar a repatriação. No entanto, a situação deles é pontual. Diferente de outros brasileiros que ficaram retidos em diversos países, não basta apenas conseguir voos para voltar ao país. "Não podemos abandonar a Kombi aqui", explica Manoela. "Por enquanto, a Embaixada não tem nenhum plano imediato que possa nos ajudar".

De acordo com o casal, eles estão estudando com a Embaixada algumas alternativas. "Uma delas é tentar um acordo com Equador, Peru e Colômbia parar abrir as fronteiras e passarmos de Kombi junto com outros estrangeiros, argentinos e chinelos, que estão em veículos", diz a jornalista. Outra opção que está sendo analisada é embarcar a Kombi em um navio da Marinha em direção ao Brasil. "Mas são apenas hipóteses; não temos retorno de nada ainda''.

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No caminho para El Calafate, na Patagônia Argentina
Imagem: Aqruivo pessoal

O início da viagem

A paixão por aventuras e viagens mundo afora foi uma das razões que uniu o casal, em 2011, e fez com que comprassem uma Kombi e a transformassem em sua casa sobre rodas. O veículo (ano 2013), batizado como Analuz, foi "tunado" com gabinetes, sofá, frigobar, fogão, pia, máquina de lavar e até painéis de energia solar.

A ideia de Manoela e Rodrigo era viajar pelos países da América do Sul até chegar a Cartagena das Índias, na costa caribenha da Colômbia. No período de quatros anos, eles investiram cerca de US$ 30 mil para a aquisição e reforma do veículo, combustível, alimentação, despesas com mecânica e gastos extras para realizar a road trip.

No dia 10 de maio de 2019, partiram em sua Kombi da cidade de Montenegro, no interior do Rio Grande do Sul. Percorreram o litoral do Uruguai e da Argentina até chegar em Ushuaia, o "fim do mundo", na Patagônia. ''Passamos cinco meses viajando pelo território argentino e cruzamos algumas fronteiras com o Chile para conhecer cidades como Puerto Natales, Chile Chico, Pucón e Atacama'', conta Manoela.

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Na Ruta 68, via que corta regiões desérticas do norte da Argentina
Imagem: Arquivo pessoal

Dos 11 meses de viagem na Kombi, dormiram apenas quatro noites longe do veículo. ''Foi em Puerto Natales, na Patagônia Chilena. Estava extremamente frio e uma família de chilenos nos ofereceu um quarto com calefação", lembra Rodrigo.

Outros países entraram em sua rota nos meses seguintes: Peru, Equador e Colômbia. Apesar da hostilidade nos primeiros dias em Medellín, eles têm uma boa impressão do povo colombiano. "As pessoas são muito amáveis, hospitaleiras e alegres. Depois que tudo isso passar, vamos seguir para nosso destino, Cartagena das Índias", planeja Manoela.

Em nota divulgada na última sexta-feira (03), o Ministério das Relações Exteriores afirmou que ''a Embaixada em Bogotá informou que foi oferecido ao casal a possibilidade de retorno ao Brasil por via aérea, em avião que pode ser fretado especificamente para a repatriação dos brasileiros. O casal decidiu não abandonar seu veículo e esperar a reabertura das fronteiras terrestres e do trânsito interestadual na Colômbia para retornar ao país''.