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O que é ser do Sul: "Três países com apenas algo em comum: o inverno"

As araucárias compõem a paisagem no interior dos estados sulinos - Getty Images
As araucárias compõem a paisagem no interior dos estados sulinos
Imagem: Getty Images

Colaboração para Nossa

com a curadoria de Tainá Müller

29/04/2021 04h00

O sul do país é constituído de três países. Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina só têm o inverno em comum: as geadas que cobrem os telhados.

O paranaense é prático, o gaúcho é passional e o catarinense é reservado.

Não há como não sentir a diferença alvissareira atravessando as fronteiras.

Paraná

Paraná é verde, do equilíbrio, da serenidade. Um bosque dentro de um globo de neve. Terra que se curte devagar, girando a paisagem.

Paraná se entremostra, não se expõe de modo direto, não cobra dez por cento. É self-service. O visitante enfrentará a missão de conhecer sozinho.

Distrito de Paiquere, em Londrina, Paraná - Getty Images - Getty Images
Distrito de Paiquere, em Londrina, Paraná
Imagem: Getty Images

Não é aldeia da passeata, do sermão, da mobilização. Não se grita no Paraná, mas se ouve.

É a agricultura casada com o urbanismo. Por detrás da fachada do casarão, um prédio ultramoderno rege as nuvens.

Espaço com régua, simétrico, de copas domadas, de árvores datilografadas em duas vias.

Cataratas do Iguaçu, Foz do Iguaçu, Paraná - Sam W Stearman/Getty Images - Sam W Stearman/Getty Images
Cataratas do Iguaçu, Foz do Iguaçu, Paraná
Imagem: Sam W Stearman/Getty Images

Até as curvas são linhas retas. Geografia equilibrada, ordenada, perfeita a ponto do caminhante pensar que ele é o único erro. É tão organizada que divide os bairros por áreas de interesse.

Seus habitantes esnobam obediência ecológica. Não pisam na grama e nas certezas.

Estado amigável, dos instrumentos de sopro, não dos instrumentos de corda. Cheiroso como o banho da manhã, não cheiroso em demasia como o banho da noite.

Museu Oscar Niemeyer, Curitiba, Paraná Brasileiro  - Guilherme Stecanella/Unsplash - Guilherme Stecanella/Unsplash
Museu Oscar Niemeyer, Curitiba, Paraná
Imagem: Guilherme Stecanella/Unsplash

Paraná é o medo da chuva. Todo mundo fica em casa quando chove. Só os motoboys circulam. Nada parece ser importante o suficiente para que os moradores possam sair de casa — só o sol, só a vitamina D. Ser caseiro em Curitiba é uma missão. Amigos se encontram se forçados por visita de família distante.

Paraná é um café forte sem açúcar, sem adoçante, sem enfeites.

São Jorge D'Oeste, Paraná - Filipe Coimbra/Unsplash - Filipe Coimbra/Unsplash
São Jorge D'Oeste, Paraná
Imagem: Filipe Coimbra/Unsplash

As pessoas não vão rir à toa. Não é fácil furtar um riso.

Paraná oferece pistas para correr, mas todos andam devagar. As ruas usam roupas de grávida, largas e diagonais.

Os passantes esquadram o vazio, introvertidos. São funcionais, não perdem atenção com informações desnecessárias. Piada ao paranaense acontece após muita intimidade.

Quem escolhe residir ali é pela quietude do amor, não pela paixão escandalosa. Não se vende adesivo bairrista.

Jardim Botânico, Curitiba, Paraná Brasileiro - Vitor Mendes Stafusa/Unsplash - Vitor Mendes Stafusa/Unsplash
Jardim Botânico, Curitiba, Paraná Brasileiro
Imagem: Vitor Mendes Stafusa/Unsplash

Curitiba é o coração da praticidade. De acordo com Cristovão Tezza, as obras na capital foram feitas para caber num selinho (Jardim Botânico, Ópera do Arame, Museu Niemeyer), envolvidas em estruturas metálicas e de vidro.

Paraná é uma correspondência aberta com o vapor. Para não estragar o envelope.

RIO GRANDE DO SUL

O Rio Grande do Sul é laranja, da extroversão, da energia.

O gaúcho não se aproxima com calma. Cumprimenta alto, gritado, estapafúrdio. Não confunda com assalto: é seu jeito mesmo. Tenta assustar na primeira vez, para a amizade soar mais tranquila dali por diante. É o inverso do baiano, a voz não é mansa para se erguer naturalmente com o avanço da conversa.

Pampa gaúcho, Rio Grande do Sul - Getty Images - Getty Images
Pampa gaúcho, Rio Grande do Sul
Imagem: Getty Images

É tudo ou nada, é agora ou nunca. É Gre-Nal. Um atropelo de vogais. Um "eiiii", um "oiiiiii", um "bah". Sem chance. Sem recuperação. Um abuso para os mais travados.

Conjuga o tu como se fosse você, por pura personalidade.

Canta o hino rio-grandense de cor e salteado. Canta o hino de seu clube de cor e salteado. Não abandona um argumento mesmo quando percebe que está enganado.

Porto Alegre, Rio Grande do Sul - Getty Images/EyeEm - Getty Images/EyeEm
Porto Alegre, Rio Grande do Sul
Imagem: Getty Images/EyeEm

Aceita ser vítima de piada de um familiar. A mesma piada na boca de um estranho é preconceito. Recebe qualquer um de braços abertos para depois investigar. Não admite neutralidade e empate, muito menos voto de Minerva. É preciso escolher, está do lado dele ou contra ele. Cuidado, o silêncio é compreendido como oposição.

Basta elogiar algo de sua Querência que ele vira turista. Repete os programas para ser encontrado. Comparece quatro vezes no mesmo lugar até ser reparado. Continua aparecendo até ser esquecido.

Cais Mauá, Porto Alegre, Rio Grande do Sul - Eduardo Rocha/Getty Images/iStockphoto - Eduardo Rocha/Getty Images/iStockphoto
Cais Mauá, Porto Alegre, Rio Grande do Sul
Imagem: Eduardo Rocha/Getty Images/iStockphoto

Desafia com a mesma facilidade que apazigua. Faz as pazes no dia seguinte quando ama. Quando odeia, bem, dirá que nunca o conheceu.

Seu time é o melhor do mundo, sua cidade é a melhor do mundo, sua carne é a melhor do mundo. Às vezes é. Tão gaúcho que conta que é gaúcho para os próprios gaúchos.

Quem toma chimarrão, ronca acordado. É engraçado passear pela Usina do Gasômetro ou Brique da Redenção no domingo. A térmica é um filho aprendendo a caminhar. Balançando de mãos dadas com seus pais.

"Quem toma chimarrão, ronca acordado" - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
"Quem toma chimarrão, ronca acordado"
Imagem: Getty Images/iStockphoto

A capital é o humor do Luís Fernando Verissimo, o interior é o tempo e o vento, a resiliência de Érico, seu pai.

O crepúsculo transforma os rios ou o pampa no teto de uma igreja. É o momento de rezar e agradecer ao infinito por morar aqui.

SANTA CATARINA

Santa Catarina é azul, da mansidão, do infinito.

O catarinense representa uma ilha cercada de ilhas. Ele gosta de estar na rua como se estivesse em casa. Seu quintal é o oceano. Não verá um catarinense explicando o que é ser catarinense. Não há manual de explicações. Não faz propaganda se seu paraíso. Estão acostumados com a beleza.

Praia do Campeche, Florianópolis, Santa Catarina - Henrique Hanemann/Unsplash - Henrique Hanemann/Unsplash
Praia do Campeche, Florianópolis, Santa Catarina
Imagem: Henrique Hanemann/Unsplash

É uma tecelagem de segredos, com confecção de mistérios. Guardam as rusgas e discussões para as quatro paredes. Dificilmente testemunhará um bate-boca na rua.

De uma miscigenação espanhola, açoriana e germânica, recorrem à ironia do dialeto. O catarinense ofende para dentro. Quase sussurrado. Um bombom com licor no seu recheio. Você procura o chocolate e encontra a bebida.

As gírias são engraçadas porque contidas: boca mole (abobado), pau de vira tripa (pessoa alta e magra), quebrar os cornos (machucar a cabeça), jaguara (quem não se pode confiar), bobiça (bobagem).

Luzerna, Santa Catarina - Martins Cardoso/Unsplash - Martins Cardoso/Unsplash
Luzerna, Santa Catarina
Imagem: Martins Cardoso/Unsplash

É o Estado em que mais se compra à vista, porque os consumidores têm uma preocupação em garantir uma sobrevida diante das dificuldades: não se gasta mais do que aquilo que se recebe. Mantêm a precaução de separar as economias para futura emergência.

Conservam a nostalgia familiar de adquirir uma casa própria e contar com um lar para chamar de seu. Privilegiam as raízes em detrimento das viagens e aventuras.

Santo Antônio de Lisboa, Florianópolis, Santa Catarina - Cassiano Psomas/Unsplash - Cassiano Psomas/Unsplash
Santo Antônio de Lisboa, Florianópolis, Santa Catarina
Imagem: Cassiano Psomas/Unsplash

Não se envolvem em polarizações ideológicas, conservadores no objetivo de defender a segurança.

O catarinense nunca é pego com as calças nas mãos, até porque sempre tem alguma roupa por baixo.

Quando extrapolam, é a maior loucura, encarnada em baladas eletrônicas e Oktoberfest. São os mais doidos justamente porque são os mais calmos o tempo todo. A explosão é catarse para relaxar e tudo voltar ao normal.