Topo

Por que críticos (quase) sempre falam mal dos restaurantes que você gosta?

Diferença de expectativas e padrões são raiz do conflito entre críticos e público - Thinkstock
Diferença de expectativas e padrões são raiz do conflito entre críticos e público Imagem: Thinkstock

Rafael Tonon

Colaboração para o UOL, em São Paulo

19/08/2016 20h30

Deu na revista: “é o endereço do momento”. O caderno de gastronomia do jornal falou que o restaurante “cria uma atmosfera que convida o cliente a sair da zona de conforto”. Nas redes sociais, um blog sentencia: “uma das cozinhas mais interessantes da cidade”.

Empolgado, você se programa para conhecer o estabelecimento. Chega, pede as entradas mais recomendadas, foca no prato principal que foi unanimidade em todas as avaliações e investe até na sobremesa “de delicadeza rara”. Mas quando volta para casa, percebe que o sabor final da experiência foi de amarga decepção. O que será que deu errado? Será que é você que não sabe apreciar a boa comida?

Comer não é complicado, já diria François Simon, um dos críticos gastronômicos mais importantes da França, que por anos assinou temidas resenhas no jornal “Le Figaro”. Grosso modo, sentamos-nos à mesa quando o estômago nos dá um pontapé e levantamos dela quando a fome acaba. Mas a questão é que sair para comer é mais do que isso. É uma administração de expectativa, uma equação que já tem um resultado final preestabelecido, o que significa que as variáveis (serviço, ambiente, comida) precisam trabalhar de acordo para fazer valer o preço que você irá pagar.

Expectativas
As expectativas de um crítico tendem a ser muito diferentes das do público em geral, partindo do pressuposto que eles estão lá para fazer uma avaliação do restaurante, enquanto, nós, o público, estamos ali pela diversão. “Existe o gosto do crítico, moldado segundo alguns princípios de, vamos dizer, um dito bom gosto, uma alegada qualidade; e a preferência popular, que, na maioria das vezes, usa formatos que a crítica considera mais simples e menos rigorosos”, afirma o crítico gastronômico e curador da área Luiz Américo Camargo.

O crítico Luiz Américo Camargo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O crítico Luiz Américo Camargo: disparidade entre gosto do crítico e do público
Imagem: Arquivo pessoal


Entre essas duas pontas, há uma disparidade enorme: de objetivos, de interesses, de experiências – um crítico precisa ter comido muitos pratos para poder avalia-los, em todo tipo de restaurante e de preferência em diversos lugares do mundo. Isso não acontece em outras profissões. Nem todo mundo advoga ou constrói casas. A questão é que todos nós comemos, e todos nós temos, portanto, uma opinião sobre aquilo que comemos

E também existe “um lado de implicância, quando não preconceito, por parte da crítica”, admite Luiz Américo.

“Mas o crítico precisaria ser mais flexível? Depende. Por exemplo: a grande maioria das pessoas come macarrão mole. Eu, como crítico, deveria então defender a massa muito cozida? Não. Porque acredito que o macarrão al dente (massa mais firme) é mais agradável, mais digestivo e elegante. É quase uma tomada de posição contra uma preferência muito mais consagrada”, defende.

Subjetividade
Para Luiz Américo, escrever sobre comida é algo que envolve forte carga de subjetividade. “Uma ideia que sempre usei é: o crítico de comida, diferentemente dos de música ou cinema, nunca irá compartilhar o mesmo objeto com seus leitores. Os filmes, livros, discos, são os mesmos para todo mundo. Um prato é único, só você o come”, afirma.

É o mesmo argumento da empresária e restauratrice Cristiana Beltrão. Há 18 anos no comando do restaurante carioca Bazzar, Cristiana criou há quase uma década um blog para reunir suas resenhas gastronômicas. “Na análise de um restaurante, assim como em tudo na vida, não conseguimos nos despir das paixões, das influências, do ambiente, da companhia e outros fatores", acredita. "Minha opinião é a de quem ama o que faz, e o faz há muito tempo. Bom é tudo aquilo que me arrebata, e aí posso falar de uma infinidade de casas ‘menores’ ou ‘cheias de defeitos’, que me encantaram por estar com a companhia certa”, conta.

"Um retrato que um crítico pode fazer com base em todas as suas influências e experiência prévia podem não refletir absolutamente o que o público busca", explica Cristiana.

Portanto, uma refeição pode ser completamente diferente inclusive para pessoas que estiverem na mesma mesa, comendo a mesma coisa. “Um restaurante com menu fixo precisa agradar a todos. O crítico pode achar incrível, mas o público jamais é uniforme. Numa mesma mesa, dois não entenderão o cardápio, um tem horror a fusões, o outro não come peixe. Pronto, três detestaram, mas é um sucesso de crítica... de uma só pessoa”, exemplifica.

Conflito de gerações
Ryan Sutton tem um desafio enorme quando escreve suas críticas para o Eater, o maior portal de gastronomia dos EUA, onde atua como crítico de restaurantes em Nova York. Ele fala para um público de 6,5 milhões de leitores – todos provavelmente com opiniões divergentes das suas. "A crítica de restaurante não pode ser tipo 'gostei' ou 'não gostei'. É uma contação de história, uma reportagem. É acessar a história que o restaurante quer contar, mas de uma maneira que nem mesmo a casa ou seus clientes teriam pensado”, ele diz

Isso significa, para Sutton, que os melhores críticos conseguem identificar o que o restaurante está tentando fazer e se ele está, de fato, conseguindo Ele acredita que as principais redes de avaliação digitais, como o Foursquare, o TripAdvisor e o Yelp, têm muito mais esse papel de indicação do que os próprios críticos. “Por que eu tenho que dizer que prato vale a pena comer se as redes fazem isso de forma muito mais efetiva, com avaliações e respostas reais de consumidores?”, questiona.

“Os leitores veem nossas críticas porque querem ouvir a nossa versão para a história que o restaurante está tentando contar”, diz. “O crítico, como um chef, não está ali para dar o que o leitor quer, mas para desafiar as normas existentes e provocar reflexões”, conclui.

No final, vale lembrar os ensinamentos do mestre francês François Simon. “O restaurante não é mais um exercício imposto, nem o pátio de um quartel”, escreve ele no livro “Comer é Um Sentimento” (ed. Senac São Paulo). “Faça o que quiser, o que lhe der vontade de fazer. Quer comer uma salada simples de entrada em um restaurante gastronômico? Claro, não há problema. Não importa, você agiu de acordo com seu prazer, e isso não tem preço”. Já a conta tem o dela. E, no fim, é melhor que você saia satisfeito na hora que tiver de pagá-la.