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OPINIÃO

A volta por cima de uva que era de 3ª categoria e hoje brilha nos vinhos

Imagem: Getty Images
Rodrigo Barradas

Do UOL

25/05/2025 05h30

Como sou chegado em vinho há bastante tempo, vivi uma época em que a carignan era considerada uma uva de segunda ou terceira categoria. Robert Joseph, ao avaliar os vinhos do Languedoc no livro "French Wines", sugeria que eles eram melhores quanto menos contivessem "a chata carignan" no corte.

A verdade é que o Languedoc, nos anos 90, ainda era uma região mais voltada para a produção de vinhos em quantidade, e a produtiva e resistente ao calor carignan era usada como cavalo de batalha, sem muita preocupação com qualidade.

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Mas essa história mudou. Hoje, não só no Languedoc-Roussillon, é bem mais comum encontrar belos vinhos com boas quantidades de carignan em corte com outras uvas típicas da região (como grenache, syrah, cinsault e mourvèdre) e até alguns em que ela brilha sozinha.

Uma parte do segredo é reduzir, no vinhedo, a produtividade das videiras. Essa é a razão pela qual as vinhas velhas da casta, naturalmente menos produtivas, serem valorizadas.

O Chile faz parte dessa renascença

Aí pela virada do século, alguns viticultores chilenos começaram um movimento de valorizar vinhas antigas de regiões como o Vale do Maule. Ali, toparam com plantas antigas de carignan praticamente esquecidas.

Fizeram ótimos vinhos e até criaram um grupo chamado Vigno (uma maneira estranha e marquetável de dizer "Vignadores de Carignan).

As castas país e cinsault passaram por processo semelhante por lá. O bacana é que a redescoberta da cepa no Chile ajudou a reposicionar a imagem do país no mercado internacional, que tinha dificuldade em reconhecer o magro país como produtor de vinhos artesanais de qualidade.

Mas tem carignan em outros lugares

Acredita-se que a mediterrânea carignan tenha origem na região de Aragón, na Espanha, onde é conhecida principalmente como cariñena (existe até uma região vinícola com esse nome por lá). Ela também é uma das uvas do corte de Rioja (onde a chamam de mazuelo) e tem importância na Catalunha (onde, miseravelmente, a chamam de samsó, que é homófona da cinsault mencionada ali no bloquinho sobre Chile). Também está presente em outras partes do país de Cervantes.

Mesmo na França, a cepa não está restrita ao Languedoc-Roussillon, estendendo sua presença a quase todas as áreas de clima mediterrâneo, como a Provence e o sul do Rhône.

Na Itália, a casta está presente na Sardenha, onde vai pelo nome de carignano. Aliás, ali também tem a sua frequente companheira grenache (cannonau, para os habitantes da ilha).

Pelo Mediterrâneo, também se encontram plantações de carignan na Tunísia, Argélia, Marrocos, Chipre e Israel. Procurando bem, dá para achar nos Estados Unidos, na Croácia, em Malta, na Turquia, na África do Sul, na Austrália e até na China.

Mas afinal, que gosto tem um carignan?

As frutas dominantes no perfil aromático dos vinhos de carignan são as vermelhas, como framboesa e cranberry (oxicoco, diabos), às vezes pretas, como amora e ameixa, e algumas especiarias, como cravo. Na boca, vem também um tom terroso e meio sanguíneo, com uma sugestão de carnes defumadas. Normalmente produz vinhos de corpo médio e com boa acidez, apesar de ser uma uva do calor.

Feira Naturebas vem aí

Não sou um entusiasta de feiras de vinhos. O que poderia ser uma boa oportunidade de conversar com produtores e entender suas propostas sempre acaba virando um acotovelamento de gente querendo enxugar na maior velocidade possível os vinhos mais famosos do evento. Ou um desfile de esnobismo enológico.

A Naturebas, que começou lá em 2013, é diferente (embora sempre role algum acotovelamento também). Talvez por se concentrar em vinhos (e outros produtos) mais próximos do universo do vinho natural, acaba criando um clima mais informal e divertido.

E vem mais uma edição aí, nos dias 21 e 22 de junho, no Pavilhão da Bienal, em São Paulo. Vai ter um monte de produtores brasileiros e alguns estrangeiros, além dos balcões das importadoras. Se eu der sorte, vou até me deparar com algum Rimbert (mencionado aqui embaixo) no estande da De la Croix. Enquanto escrevo esta newsletter, em 21/5, ainda há ingressos para ambas as datas (R$ 239 mais taxas).

Mais informações em feiranaturebas.com.br.

SAIDEIRA

Esse tava bom
Jean-Marie Rimbert, do Languedoc, é um defensor da carignan há mais de 25 anos. Seus vinhos são sempre muito francos e feitos com cuidado (organicamente). Utiliza a cepa em cortes nos seus AOCs Saint-Chinian (como o Travers de Marceau e o delicioso Le Mas au Schiste). Este é aqui, o Carignator 2019, um vin de France, é todo de carignan. É rústico, franco e muito aromático (frutas vermelhas e pretas, especiarias doces, algo floral). Custa R$ 240 na importadora.

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O Odfjell Orzada carignan 2021 é ótimo, com aromas de fruta do bosque pretas e vermelhas, algo meio animal no aroma, bastante fresco e completo na boca, com taninos finos e algo terroso. É feito com uvas orgânicas cultivadas em secano (sem irrigação) no Vale do Maule. Estagiou de 12 a 14 meses em tanques de inox e não passa por madeira. Está no ponto certo para beber. Infelizmente, acabou na importadora, então exige uma procura por lojas ou, melhor, uma viagem ao Chile.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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