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Reportagem

Patriotismo falido: os megabustos de presidentes dos EUA largados na mata

37º22'N, 76º45'O
Antigo Parque dos Presidentes
Toano, Virgínia, Estados Unidos

Uma viagem ao Monte Rushmore, aquele monumento que homenageia quatro presidentes americanos e que a gente acaba conhecendo por osmose de tanto que ele já apareceu em filmes e séries, inspirou a criação de um parque ainda mais patriótico. Sim, é possível.

Não são quatro, mas 43 chefes de Estado enaltecidos em pedra em grandes dimensões. Mas, diferentemente do Rushmore, que é um dos locais mais visitados dos Estados Unidos, a atração não deu certo.

O Parque dos Presidentes durou apenas seis anos. O que restou dele parece cenário do mais patriótico filme de terror já feito, segundo a revista "Smithsonian".

É como se a escola de samba mais insossa da galáxia decidisse homenagear o Tio Sam. Restos de carros alegóricos sem cor jazem em um descampado que aos poucos os consome em uma longa Quarta-Feira de Cinzas.

Outro caso de atração turística que ficou mais interessante após fechar as portas. Uma ode ao americanismo que a pátina do tempo acabou deixando ainda mais pitoresca.

Que lugar era esse?

Antigo Parque dos Presidentes
Antigo Parque dos Presidentes Imagem: Reprodução/Instagram

O Parque dos Presidentes abriu as portas em 2004 nos arredores da cidade de Williamsburg, na Virgínia. Foi uma parceria entre Everette Newman, um dono de terras local, e o escultor David Adickes, que foi atingido pela flecha de inspiração do Monte Rushmore ao viajar para a Dakota do Sul.

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Era um museu aberto, um parque por onde os visitantes podiam passear e descansar entre 43 bustos de todos os presidentes da história do país. Alguns tinham até 6 metros de altura.

Mas os US$ 10 milhões investidos na empreitada não tiveram o retorno esperado. Em 2010, quando o busto de Barack Obama estava sendo feito, o parque fechou as portas.

O motivo do fracasso seria, em parte, a localização. O parque ficava escondido atrás de um motel e um tanto afastado das atrações de Williamsburg, cidade histórica com uma rica herança colonial.

Então, Howard Hankins, um fazendeiro da região que tinha ajudado na construção do parque, sugeriu uma solução temporária. Newman, frustrado por ter que devolver o terreno, pediu que ele destruísse os bustos. Mas Hankins, achando que não era o melhor a se fazer, ofereceu suas próprias terras.

A fazenda de 161 hectares poderia abrigar os bustos até aparecer uma solução. Bastava transportá-los por 16 quilômetros.

"Bastava". Como se fosse simples.

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O cemitérios dos presidentes de pedra

Antigo Parque dos Presidentes
Antigo Parque dos Presidentes Imagem: Reprodução/Instagram

Cada busto, que pesa entre cinco e nove toneladas, teve que ser içado da base por um guindaste, o que acabou quebrando o pescoço dos presidentes. Para piorar, os operadores fizeram um furo no topo da cabeça para que o guindaste pudesse puxar as peças por uma estrutura de aço dentro delas.

Em seguida, os bustos viajaram de caminhão até a propriedade de Hankins. Lá, foram instalados lado a lado em um terreno.

Provavelmente havia maneiras mais sutis de transportar obras de arte dessas dimensões. Milhares de anos atrás, os egípcios esculpiam obeliscos muito mais pesados e os transportavam por centenas de quilômetros - e os romanos, ao roubá-los, atravessaram o Mediterrâneo com eles!

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Mas foi o que Hankins conseguiu fazer na época. Salvou os bustos com um trabalho de uma semana, a um custo de US$ 50 mil, sem levar em conta os danos causados às peças, segundo a "Smithsonian".

A falta de conhecimento nesse tipo de missão ficou clara nos muitos estragos em uns bustos e nos poucos em outros. Enquanto os primeiros bustos a chegarem à fazenda têm narizes quebrados e pedaços de rosto ausentes, os últimos estão mais inteiros.

É uma evidente demonstração de experiência adquirida durante o processo, não antes. Abraham Lincoln acabou com um buraco acima da nuca, numa referência involuntária e tragicômica a seu assassinato.

Os bustos atravessaram a década abandonados às intempéries, ganhando rachaduras e sinais de desgaste. O mato cresceu, e as chances de reabrir o parque desvaneceram, ainda mais com tanto estrago nas obras.

Infelizmente, não é possível visitar o local. Pelo menos não por vias legais e comerciais, então para chegar perto só batendo na porta e pedindo para ver ou em algum tour esporádico autorizado pelos donos.

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Paralelo inusitado

Bela Kun Memorial, Szobor Park, Budapeste
Bela Kun Memorial, Szobor Park, Budapeste Imagem: tobago77 - stock.adobe.com

A decrepitude dos bustos e o tamanho descomunal deles faz lembrar um outro parque do tipo. O Memento, na Hungria, é um cemitério de estátuas do período socialista do país (1945-1989).

Inaugurado em 1993 como uma celebração da democracia, ele reúne uma série de bustos, monumentos e estátuas dedicados aos líderes soviéticos e húngaros das décadas anteriores. Removidas das praças e ruas de Budapeste, as obras, nesse novo cenário, ofereceriam uma releitura de um passado recente que o país queria superar.

Hoje, o Memento está na lista dos sete patrimônios mais ameaçados da Europa, feita pela organização Europa Nostra. A falta de recursos do parque coloca a conservação das obras do período socialista em risco.

Caso um dia feche as portas e seja abandonado, o Memento poderá ficar ainda mais parecido com o que restou do Parque dos Presidentes. Amontoados de estátuas com significados gastos, empoeirados e esquecidos no tempo, eles mostrariam como americanos e seus antigos inimigos soviéticos são mais parecidos do que gostariam.

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