Sumiço de balão rumo ao Polo Norte criou um dos maiores mistérios do Ártico

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80º12'N, 32º27'L
Monumento à Expedição Polar de Andrée
Kvitoya, Svalbard (território da Noruega)
Em 1876, um jovem sueco visitou a Exposição Universal, realizada na Filadélfia (em comemoração ao centenário da independência dos Estados Unidos). O evento, histórico, mudou a vida dele.
A exposição, que contou com dom Pedro 2º e a imperatriz Teresa Cristina na abertura, apresentou ao mundo produtos que marcariam as décadas seguintes. Pela primeira vez, o público pôde ver o telefone, a máquina de escrever e o ketchup.
Mas aquele homem, chamado Salomon August Andrée, ficou encantado com outra tecnologia em voga, os balões. O interesse pelos alísios (ventos regulares leste-oeste) e o contato com balonistas famosos definiram os rumos de sua vida.
Andrée retornou à Suécia. A partir de 1885, trabalhou no escritório de patentes do país e desenvolveu uma carreira de cientista com pesquisas nas áreas de condução de calor e eletricidade do ar.
Nessa época de grandes avanços tecnológicos, havia também, entre os exploradores, uma corrida para chegar aos poucos locais que ainda eram desconhecidos na superfície do planeta. Um deles era o Polo Norte.
Andrée era um produto bem acabado de seu tempo. Nascido na era da exploração do Ártico, ele decidiu se aventurar pelas altas latitudes do hemisfério norte.
No século 19, centenas de pessoas tentaram chegar ao Polo Norte. Ninguém conseguiu, muitos morreram, todos usaram barcos ou trenós.
Andrée concluiu que seria possível entrar nessa corrida com sua paixão tecnológica. Ou seja, ele não só queria ser o primeiro homem a chegar ao Polo Norte como queria isso dispensando os meios mais comuns.
Ele chegaria lá de balão. Faltava convencer os outros.
A missão

Ao fazer diversas travessias de balão no mar Báltico, Andrée mostrou que era um piloto capaz de grandes feitos. Mas atingir o Polo Norte era algo em outra escala.
Em 1895, em uma palestra no Congresso Geográfico Internacional, em Londres, ele apresentou seu plano. Foi recebido com frieza ártica.
O público, formado por colegas estudiosos, contestou. Não há como controlar velocidade nem direção. E o frio? A fome? O isolamento? Será um fracasso, diziam as pessoas, incrédulas.
Mas Andrée não cedeu. Disse que levaria trenós e barcos de apoio, além remédios e comida por três meses. E mais: haveria mantimentos estocados em locais estratégicos em Svalbard, um território norueguês, e na Terra de Francisco José, um arquipélago russo.
O balão, de 30 metros de altura, seria envernizado para evitar vazamento de gás. Haveria beliches e tendas, velas para controlar a direção e cordas para manejar a altitude.
Além disso, ele afirmava ter muito conhecimento dos ventos, e acreditava que um vento norte constante o faria passar pelo Polo Norte e chegar ao Alasca em questão de dias.
Para tudo, Andrée tinha uma resposta pronta. Este é o momento em que palestrantes ocos e coaches inescrupulosos do nosso tempo teceriam loas a sujeitos do tipo, esses homens que se fazem de fortes e destemidos, que sabem o que querem e movem mundos para consegui-lo. Grandes empreendedores, machos-alfa de planilha.
Mas certas coisas precisam de ciência. Criar um submersível para ver o Titanic, colonizar Marte ou chegar ao Polo Norte não se concretizam com base no gogó. Palavrinhas escritas em um boné não tornam aquilo realidade apenas com força de vontade.
Mas Andrée era bom vendedor. Ele conseguiu convencer o rei sueco, Oscar 2º, a apoiar a causa patriótica. Alfred Nobel, então conhecido como o rico industrial que inventou a dinamite, patrocinou a empreitada. A missão chamou a atenção da imprensa internacional, que passou a acompanhar seus passos.
O balão, batizado de Örnen ("águia", em sueco), partiu de Danskoya, pequena ilha no arquipélago de Svalbard. Esse território, à época, não pertencia oficialmente à Noruega e era usado com base tanto para turistas no Ártico quanto para exploradores que tentavam atingir o Polo Norte.
A viagem teve início em 11 de julho de 1897. Além de Andrée, estavam a bordo Nils Strindberg, professor de física e fotógrafo, e Knut Fraenkel, engenheiro civil.

Não era a data prevista originalmente. No ano anterior, quando foi inflado pela primeira vez, o balão teve vazamento de hidrogênio — o gás era comum no balonismo até ser substituído pelo hélio, mais seguro.
O envelope foi reforçado e envernizado, mas o vazamento continuou. Alarmado, um membro original da tripulação, o meteorologista Nils Ekholm, pulou fora e foi substituído pelo engenheiro Fraenkel.
Andrée afirmava que seu balão podia ficar no ar por até um mês. Detalhe: nenhum balão havia voado por mais do que dois dias.
A teimosia venceu. Naquele dia de verão ártico, a missão decolou. Um pequeno susto fez o balão descer e tocar a água, mas logo ele recuperou o curso e seguiu pleno por uma hora, até sumir de vista.
Uma semana depois, um dos pombos-correio enviados por Andrée trazia a mensagem de que estava tudo bem na viagem. Depois disso, silêncio.
O mistério

Um mês depois, os jornais começaram a se perguntar. Onde está Andrée? Expedições tentaram descobrir o paradeiro do balão, sem sucesso.
O trio foi dado como morto. Somente no início do século 20 a humanidade chegaria de fato ao Polo Norte. Mas o paradeiro da missão de Andrée seguiu desconhecido.
Em 1930, cientistas noruegueses estudando geleiras desembarcaram em uma ilha desabitada de Svalbard chamada Kvitoya. Queriam aproveitar o verão quente para estudar o terreno.
Não demorou para encontrarem o que sobrou de um barco no gelo. Dentro dele, havia um gancho com a inscrição "Andrée's Pol. Exp. 1896".
A descoberta foi impressionante, e o destino da expedição finalmente veio à tona, 33 anos depois. E o melhor: com detalhes.
Uma missão específica para investigar o caso chegou à ilha. Descobriu os restos mortais de Andrée, Strindberg e Fraenkel. Encontrou diários pessoais, diários de bordo, câmera, filmes.
Os corpos foram enviados a Estocolmo, cremados e enterrados com homenagens. O material encontrado esclareceu o que se passou.
Andrée estava maravilhado e deslumbrado com o feito. "Não é um pouco estranho estar flutuando aqui sobre o Mar Polar? Ser o primeiro a flutuar aqui em um balão... Achamos que podemos muito bem encarar a morte, tendo feito o que fizemos", escreveu.
"Não será tudo isso, talvez, a expressão de um senso extremamente forte de individualidade que não suporta a ideia de viver e morrer como só mais um homem na multidão, esquecido pelas gerações vindouras?"
Já no segundo dia de viagem, o balão voltou a ter vazamento de gás. Voando a uma altitude mais baixa, ele enfrentou nevoeiro, que criou uma camada de gelo em sua superfície, aumentando o peso e reduzindo ainda mais a altitude.
A tripulação se livrou de equipamentos, a fim de reduzir o lastro. O balão começou a quicar a cada 50 metros.

Três dias após a partida, eles abandonaram a missão. Estavam a cerca de 480 quilômetros do Polo Norte.
O trio resolveu tentar alcançar a Terra de Francisco José, onde havia uma reserva emergencial. Mas o gelo os empurrava de volta para o oeste.

Em setembro, com a temperatura baixando e o verão deixado para trás, eles precisaram construir um abrigo de blocos de gelo. Sobreviveram à base de focas e ursos caçados.
Em outubro, o gelo em movimento os levou ao sul, até Kvitoya. Andrée fez seu último registro no diário no dia 8, porém boa parte está ilegível. Eles tinham recursos para sobreviver ao inverno, mas provavelmente morreram com uma doença. É a lacuna que falta para resolver o mistério.
O legado

Se nos anos 1930 Andrée teve um tratamento de herói nacional ao ser sepultado, com o tempo sua reputação mudou. Em 1967, em um romance histórico sobre o episódio, o escritor sueco Per Olof Sundman especulou que André se tornara um prisioneiro de seu próprio sucesso ao promover a expedição.
Ao conquistar até o rei e um multimilionário-celebridade como Nobel, criando expectativas irreais e inflamando o patriotismo na corrida pela conquista do Polo Norte, Andrée se enfiou em uma situação da qual não poderia mais sair. Lembremos que, para os suecos, o Polo Norte era como uma esquina escura do bairro vizinho, perigosa mas ao mesmo tempo tentadora de tão próxima.
Então, mesmo que quisesse, ele não poderia assumir diante da imprensa e da opinião pública que sua missão estava fadada ao fracasso. Isso, é claro, caso ele tenha vislumbrado tal derrota.
Porque, dada sua postura, talvez ele acreditasse piamente que seria bem-sucedido e não cogitava nada além do sucesso. Bem, de certa maneira, ele conseguiu um feito: um historiador sugeriu que sua desastrosa expedição inspirou o mestre americano do horror H.P. Lovecraft a escrever "Nas Montanhas da Loucura", clássico de 1936.
No mais, a trajetória de Andrée talvez nos traga um lembrete importante para os nossos tempos. Sempre desconfie de homens que têm resposta e opinião prontas para tudo.
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