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Reportagem

Jackpot! Dupla conquista o mundo com coquetéis guiados pelas cores em SP

Tente desacelerar Gabriel Santana... e falhe miseravelmente. O nome à frente de um dos bares de maior destaque na cena coqueteleira de São Paulo e do Brasil é velocidade 2x. E ele não está só.

Complementar ao Santana (barman) que dá nome ao Santana (bar), Vinícius Demian é um jovem talentoso e imensamente mais calmo. Neste Yin-yang, e com uma diferença de dez anos de experiência, os opostos brilham.

Numa tarde em que os toques finais eram dados a mais uma noite de agito, a dupla contou uma história daqui, a outra de lá e como elas se cruzam — e estão em plena decolagem para conquistar o mundo.

Fascinado criativo

Gabriel Santana, em 2022
Gabriel Santana, em 2022 Imagem: Pedro Knoll

Do Rio Pequeno, em São Paulo, para o primeiro avião, Gabriel sempre se disse "rueiro" de carteirinha. Inquieto, aos 16 anos, após a morte do pai, foi para a Austrália aprender inglês. No rumo de volta, ainda pingaria por Nova Zelândia e Chile (onde a prática de snowboard o levaria para a Europa. Mas segura aí).

Na volta, a vida tinha que começar "pra valer" e, por sugestão da mãe, caiu na faculdade de gastronomia. Além do empurrão, agradeçam a ela a potente trilha do Santana. Direto da área de rádio, é ela a responsável pela deliciosa playlist do bar.

"Me interessei bastante, aprendi, fui criativo e me diverti estudando ao mesmo tempo. Nunca fui um cara muito na sala de aula e a gastronomia dava um pouquinho de ação ali pras coisas", lembra dos tempos de HOTEC.

Entre formação e colação de grau, pegou uma passagem para a Suíça (onde um amigo que fizera na Austrália garantia que "surfar" nas montanhas era ainda mais legal).

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Peguei uma passagem pra três meses pra ver como é que era, né? E é o limite do visto. Já na primeira semana consegui arrumar trampo. Chegou o envelope no final do mês e falei 'pô, os caras pagam bem, véi', relembra.

Após em situação irregular, em que chegou a vender pão de mel, a única forma era fazer uma faculdade. E hotelaria foi a escolha mais óbvia. O entrave era um só: o bendito francês da Ecole Hôtelière de Genève.

"Nunca fui muito cara da sala de aula, mas agora eu precisava ser. A aula acabava às 16h, ficava até umas 20h na faculdade estudando, e 'boom', já ia pros extras. Voltava pra casa 4 horas da manhã", diz... e acelera como se tivesse ainda energia dos 20 anos.

Entre perrengues, recuperações, estágio em cozinha, fascínio pela técnica molecular, Gabriel se empolga em lembrar do "TCC maravilhoso", dos "dez endereços", dos jogos de bola, do snowboard, do sonho de ter um restaurante ao conhecer a administração de um hotel direto do departamento de compras do Mandarin Oriental de Genebra.

Gabriel Santana
Gabriel Santana Imagem: Tales Hidequi

O que faltava? Experiência de salão. E, em 2013, toca para Nova Orleans, nos Estados Unidos, para agora lidar com gente (muita gente), do serviço de quarto aos restaurantes. Até que nos três últimos meses de Waldorf Astoria encontrar "só" o The Sazerac Bar.

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Eu não fazia ideia do que era, mas dava pra ver que o negócio era classe. Quando eu comecei a ver os caras, num briefing, um mano falou que tinha gordura de pato no drinque. E aí eu comecei a brisar que os caras tavam cozinhando líquido e falando com as pessoas ao mesmo tempo. Jackpot. É isso daí que eu quero fazer.

De volta à Suíça, pediu para seguir no salão e, agora, de olho no bar. Batendo na porta do Halles de l'Île, em frente ao hotel, fez seu primeiro Daiquiri.

"Voltou em 15 segundos. Um cara disse 'fala pro seu bartender dar um rolê em Cuba, depois ele volta'. O que eu ia fazer? Estudar".
Uma das fontes eram os vídeos dos participantes do World Class, a "Copa do Mundo" dos bartenders. Competitivo que só ele, Gabriel não pensou duas vezes: fez sua inscrição com apenas três meses de bar.

No primeiro ano, quarto lugar. No segundo, medalha de ouro e a certeza de que o destino estava revelado. Gabriel agora era bartender "desde criancinha".

Agora era hora de voltar, com uma reserva no bolso e um projeto para tocar. Nascia o Benzina, na Vila Madalena. E uma amizade com o outro personagem dessa história-entrevista.

Jovem elegância

Vinícius Demian
Vinícius Demian Imagem: Divulgação
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Para Vinícius, a hospitalidade começou em pizza. Dos 13 aos 18 anos, na zona norte de São Paulo, foi numa pizzaria que aprendeu, do salão à entrega a domicílio, como lidar com clientes.

"Acho que o jeito de lidar e de tratar com o cliente é o mesmo. Pelo menos o intuito é o mesmo".

Quando ao chegar à maioridade, sem saber o que fazer - "como a maioria das pessoas com 18 anos não sabe" - foi ao dono da pizzaria pedir um lugar em seu outro estabelecimento, um bistrô.

Ainda sem certeza se era o rumo que queria tomar, e entre a entrada e a fuga de um curso de paisagismo, um cliente que batia cartão no bistrô revelou uma nova vontade.

Todo dia ele pedia um conhaque, mas de vez em quando ele pedia um Bloody Mary. E acho que foi uma das primeiras pessoas que me fez um elogio. E fui tentar fazer um curso de bar e ver se eu vou pegar gosto ou não, lembra.

No curso iniciante da Associação Brasileira de Bartenders, ganhou seu primeiro campeonato. Num próximo passo, na mesma escola estava ao lado de professores como Márcio Silva, Mestre Derivan, Kennedy Nascimento e Felipe Rara, que o levou para o famoso Brasserie des Arts.

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Depois de um ano, atrás de novos ares, viu no Instagram que um projeto novo nascia (o Benzina).

"Fui um dia no escritório e vi o Gabriel entrevistando a galera de bermuda. Falei 'pô, acho que aqui é um lugar legal'."

Num teste que durou duas noites, Vini esteve, com Gabriel, nos dois anos do lugar. "Foi um marco, era uma coisa meio diferente demais pra época. Era descontraído, informal, jovem, mas também tinha uma coisa muito interessante rolando. Gabriel tava lá quando ganhou o WorldClass Brasil [sim, além do suíço, em 2017, Santana levou o caneco no brasileiro, em 2019], e tem gente espalhada por Tan Tan, Picco, em Portugal. Foi uma escola muito boa ali."

Na pandemia, quando o Benzina fechou e a ideia do bar de Santana surgia, Vini também viu estrelas. Competindo pelo mesmo WorldClass do amigo, chegou às semifinais em 2021 e, em 2022, se consagrou campeão.

Vinícius Demian
Vinícius Demian Imagem: Predo Kroll

Acho que muito do que rolou lá foi reflexo do que já tinha passado aqui. O Speed Challenge foi com clássicos e a gente tem uma carta de cem clássicos para mais. Então, eu só fiz o que eu faço todo dia em um lugar diferente, entrega.

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Com experiência em competição internacional (a final mundial foi na Austrália), Vinícius conheceu gente como o francês e "multibar" Remy Savage e decidiu se aproximar das referências na área.

Da pizzaria da zona norte, agora Vini chegava ao Le Syndicat de Paris, onde só se usa produto feito na França.

Conheci muita coisa e quando decidi que França não seria mais o meu lugar, ia voltar a ser o Brasil, a primeira pessoa que eu liguei, a primeira pessoa que eu pensei em falar foi o Gabriel de novo e ano passado eu voltei.

Os reflexos dessa experiência em Paris estão no atual momento do Santana. Mas faltou história aí: como nasceu o Santana Bar?

Da garagem...

No fechamento do Benzina, em 2020, Gabriel já estava com "a cabeça fermentando" e decidiu que abriria um bar.

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Com ponto decidido e estação de bar pronta, a pandemia chegou e o endereço mudou por decisão dos sócios, seus amigos de infância Fernando Moyses e César Rivitti.

Me ligam e falam 'vem aqui na Joaquim Antunes, 1026'. Aí eu já fiquei puto, mas olhei lá pra dentro e falei... 'é aqui, velho'.

Santana Bar
Santana Bar Imagem: Tales Hidequi

Gabriel diz que não sabe como, mas "fizemos acontecer". E Vinícius estava desde o dia 1. "Ele era um moleque, agora ele é um homem", elogia.

"E aí começou o Santana Bar, no meio da pandemia. Dia 13 de outubro de 2020. Era eu e ele no bar. Aí bum, bum, bum. Vrum! Se passaram quase cinco anos e o Santana Bar é o que é hoje".

Na volta de Vini, a experiência parisiense agregou ao que a equipe já planejava: uma mentalidade criativa e que tira o melhor de cada um — atrás e na frente do balcão.

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Equipe Santana Bar
Equipe Santana Bar Imagem: Tales Hidequi

A carta atual, por exemplo, uniu a moda e o design que Vini acompanhou de perto na capital francesa, aos tons da cartela Pantone às experimentações técnicas da mixologia.

Nisso surgiu um dos favoritos da coluna em 2025: o Moonless Night, com soda de cola própria (com baunilha, noz moscada, café, semente de coentro e água de coco), bases alcoólicas (Fernet, Amaro e Singleton 12 anos e Johnnie Walker Double Black, para um highball potente e negro. Surpreendente e elegante até a alma.

Moonless Night
Moonless Night Imagem: Tales Hidequi

Outro novo querido é o Tomato Cream, também um highball, mas super refrescante, preparado com duas versões de Zacapa e soda de abóbora, damasco, mel, coco e tomates verdes. Uma tuile crocante com páprica defumada e flor de sal traz o toque salino.

Tomato Cream
Tomato Cream Imagem: Tales Hidequi
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A conjunção tão perfeita de talentos também ganhou com os jeitos diferentes da dupla.

Sempre fui um cara louco, meio desorganizado, vou na emoção. Quando ele chegou, a gente começou a planificar as coisas. Entendi que eu preciso ter uma agenda. Cada um aqui tem uma personalidade, uma vida diferente, uma caminhada diferente, mas acho que é isso que faz a equipe ser tão maravilhosa assim, se orgulha Gabriel.

... aos prêmios

Vinícius Demian e Gabriel Santana, em 2021
Vinícius Demian e Gabriel Santana, em 2021 Imagem: Divulgação

A dupla e o bar não são novatos, nem alheios aos elogios e honrarias.

Como campeões da competição da Diageo, ambos concordam que não basta ganhar, precisa manter o pique.

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Se você sabe usar, acho que pode ser muito benéfico. Aproveitar o interesse das pessoas no seu trabalho e conhecer gente. Servi meu drinque para o Erik Lorincz, encontrei ele outras vezes. Isso é legal demais, acredita Vini.

Para mim, foi saber usar essa porta. Primeiro para voltar ao meu país. E quando competi aqui, precisava me reafirmar, porque ninguém me viu aqui ganhando lá na Suíça. E qualquer desafio diário aqui é maior que de lá, então também serve como escola. Saber usar a parada é um upgrade, diz Gabriel.

Em 2022, o bar despontou entre as promessas pelo 50 Best Discovery, mas a expectativa de estar na lista dos 50 Best Bars ainda não se concretizou.

"Fiquei meio frustrado. Aí no segundo ano não entramos de novo, mas aí eu já comecei a entender a parada, nosso tamanho, as responsabilidades. A gente vai fazer quietinho o nosso trabalho e uma hora paga. O importante essa casa cheia", avalia Gabriel.

Recentemente, o Santana Bar entrou para lista dos top 10 da "Tales of the Cocktail", sendo o único representante brasileiro entre os "Best International Cocktail Bar" homenageados na América Latina e Caribe.

A recepção do prêmio foi inesperada, como descreve Gabriel:

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"Tava no meu dia de folga. Vi os caras parabenizando um bar do México e o Exímia. Falei 'deixa eu dar uma olhada nessa lista. Aí tem lá o SubAstor, a equipe e tal. Quando eu passo na segunda página, indo procurar o Exímia..."

"Ele ficou uns 5 segundos mudo", responde Vini.

Demorou pra cair a ficha. Não queria beber nada esse dia, mas aí já me deu vontade de um shot de rum. Cada ano que passa, a gente tá tendo novas conquistas. E tô sem pressa, velho. Sem ganância nem nada. Vamos fazendo o nosso trampo. E uma hora vai chegar, conclui Gabriel.

*Trilha sugerida para harmonização com essa coluna: "A Message to You Rudy" , The Specials.

Quem quiser bater um papinho, sou a @sigaocopo no Instagram.

Reportagem

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