Cerco e deportações em Gaza: negar comida é a forma mais cruel de guerra

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No início da semana, a ativista climática Greta Thunberg foi detida pelo Exército israelense após participar de uma missão humanitária com destino à Faixa de Gaza.
A bordo do barco Madleen, ela e outros ativistas — entre eles, o brasileiro Thiago Ávila e Silva Oliveira — tentavam romper simbolicamente o bloqueio marítimo imposto por Israel e entregar ajuda alimentar a uma população faminta.
Interceptados em águas internacionais pela marinha israelense, os ativistas foram detidos (alguns sem acesso imediato a advogados) e deportados do país.
A tentativa do grupo evidencia o nível de desespero que tomou conta da comunidade internacional diante daquilo que já é descrito como um dos maiores colapsos humanitários dos tempos recentes.
Desde março, com o endurecimento do bloqueio israelense, Gaza praticamente não recebe alimentos. Para tentar responder à pressão internacional, Israel autorizou a criação da Gaza Humanitarian Foundation (GHF), uma entidade privada, opaca e com forte apoio dos EUA.
Israel bloqueou por completo a entrada de ajuda humanitária no território. A medida veio após o colapso de um cessar-fogo e, oficialmente, visava pressionar o grupo extremista Hamas.
O resultado, entretanto, foi outro: mais de 2 milhões de pessoas encurraladas, sem acesso a comida, água ou medicamentos. Em abril, um relatório apoiado pela ONU já alertava que a fome atingia um em cada cinco habitantes. Desde então, a situação só piorou.
Mas os dados divulgados pela GHF são outros: dão conta de que cada cesta de alimentos contém entre 63 a 65 porções para alimentar 5-6 pessoas por até quatro dias e que já foram distribuídas mais de 140 mil cestas, totalizando cerca de 9 milhões de refeições.
Especialistas e testemunhas, entretanto, questionam a veracidade dos dados: a GHF estaria distribuindo mais pacotes por dia do que agências da ONU experientes, o que é considerado inverossímil.
Representantes da ONU e de outras instituições, além de moradores locais, afirmam que havia apenas de 5 a 6 paletes de caixas nos centros, não milhares como divulgado. Em contextos como este, os discursos costumam fazer mais barulho do que os números que de fato podem ser verificados.
Também alegam que os kits da GHF apresentam baixa qualidade nutricional, com predominância de carboidratos. As cestas contêm principalmente alimentos secos que precisam ser cozidos, mas a falta de água e combustível impede seu preparo, já que Israel bloqueia a entrada de gás, e a água potável é escassa.
Caixas com arroz, farinha e óleo. Nada fresco, tudo muito pouco nutritivo. Sem suplementos, sem fórmula infantil. Um pacote racionado de sobrevivência, entregue sob a mira de soldados e de balas.
A quantidade de calorias por "refeição" distribuída (1.750 kcal) está abaixo do mínimo recomendado para a sobrevivência em situações de emergência (2.100 kcal), o que reforça a crítica à qualidade e suficiência da ajuda.
A imprensa e órgãos internacionais têm relatado casos de famílias que caminham até oito horas para chegar aos pontos de distribuição. Ao centralizar os pontos de entrega e cercá-los com militares, dezenas de civis foram mortos apenas por tentar conseguir um pacote de comida.
A situação descrita sugere que a distribuição de alimentos está sendo feita de forma arbitrária e perigosa, contribuindo para uma clara percepção de que a fome está sendo instrumentalizada como ferramenta de controle e punição.
Enquanto os centros da GHF seguem sob tensão e ONGs tradicionais denunciam falta de acesso, iniciativas independentes como a liderada por Greta enfrentam repressão direta.
O futuro da assistência a Gaza está agora mais incerto do que nunca, em meio à escalada militar, politização da ajuda e desmantelamento progressivo de mecanismos neutros de socorro.
Organizações como o Norwegian Refugee Council continuam tentando operar no terreno: distribuem água potável por caminhões, roupas via vouchers e apoio legal.
Mas evitam direcionar civis aos pontos da GHF por considerá-los áreas perigosas e violadoras de princípios humanitários básicos. Relatos indicam que famílias caminham horas para tentar receber comida e acabam se tornando alvo de tiros e bombardeios.
Barrar outras formas de ajuda que tentam chegar a Gaza só comprovam que a sobrevivência da população local não é prioridade para o governo israelense. Pelo contrário, revela desprezo pela vida civil e também instrumentaliza a fome como arma.
Em Gaza, negar comida a uma população faminta, enquanto se promete um milagre logístico impossível (e notadamente ineficaz), talvez seja uma das formas mais perversas de conflito. Porque a fome, hoje, é mais do que um efeito colateral da guerra — ela é a própria arma.
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