Rafael Tonon

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Opinião

Como a crise no preço do ovo pode ser um alerta para uma nova pandemia

A carne já estava com preços proibitivos. Depois, foi a vez do cafezinho de todo dia atingir valores recordes na xícara. Agora, é o preço do ovo que dispara — aumentando até 40% no mercado de atacado no Brasil.

Nos Estados Unidos, onde a crise é ainda mais aguda, padarias e confeitarias estão tendo que adaptar receitas à medida que uma dúzia de ovos chegou a 12 dólares nas prateleiras (o equivalente a mais de 60 reais).

No país ao norte, a escassez do ingrediente nos mercados lembra os tempos de pandemia, quando a "corrida pelo papel higiênico" marcou a busca desenfreada de consumidores por produtos essenciais.

A razão pela falta de ovos no mercado, entretanto, é muito mais preocupante do que poderíamos imaginar e levanta um alerta vermelho para tempos que preferiríamos esquecer.

Tudo tem uma relação direta com um surto de gripe aviária no continente americano, que começou a dar seus primeiros sinais em 2022.

Com dificuldades (e talvez um certo descaso) para conter os surtos, ainda que em muitos estados tenham sido tomadas algumas medidas eficazes, o problema tem se intensificado a ponto de se tornar uma possível epidemia, que, por sua vez, pode abrir caminho para uma nova pandemia.

Sim, a ideia de que possamos ter uma boa parte da população do planeta — se não toda ela — infectada por um novo tipo de vírus está mais próxima do que nunca.

O vírus da gripe aviária H5N1, que afeta principalmente galinhas, agora está infectando uma ampla gama de animais, incluindo mamíferos como gatos, veados e gado.

O vírus está causando mortalidade significativa em animais selvagens e domésticos, obrigando o abate em massa de aves contaminadas, o que impacta diretamente a oferta de ovos e leva à escalada de preços.

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Mas a falta do produto nos mercados nem é o pior problema. O que está alarmando os cientistas é a capacidade sem precedentes do H5N1 de saltar entre espécies — ou seja, de passar de galinhas para vacas, por exemplo.

Tradicionalmente, a gripe aviária infectava apenas animais que tivessem contato direto com aves contaminadas. No entanto, o H5N1 demonstra uma capacidade alarmante de atingir diversas espécies, algo nunca observado antes.

Em muitos rebanhos nos EUA, mas também em países como a Austrália, o vírus já foi encontrado no leite das vacas — que adquire uma coloração amarelada e uma textura mais espessa.

Além disso, há indícios de que o vírus pode estar se espalhando entre os rebanhos de maneira silenciosa. Ou seja, muitos animais estão apresentando casos de reinfecção, mas com sintomas muito mais leves (e, por isso, mais difíceis de detectar).

Em Idaho, rebanhos infectados na primavera voltaram a apresentar sintomas no final do outono, mas de forma mais branda, quase assintomática. Com isso, os criadores não percebem que os animais estão doentes e não os isolam, aumentando ainda mais as contaminações.

A reinfecção dos rebanhos sugere que o vírus H5N1 pode circular indefinidamente nas fazendas, criando oportunidades para evoluir para formas mais perigosas — como uma panela de pressão prestes a explodir.

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E há um sinal preocupante: o vírus da gripe aviária não só atingiu outras espécies, mas está circulando entre elas, o que sugere uma mutação acelerada e um risco crescente de se tornar incontrolável.

Se estamos falando de vacas leiteiras, ovos, gado, obviamente isso significa um impacto direto na pecuária e na agricultura, e, consequentemente, na nossa alimentação.

Especialistas já descobriram que gatos que comeram carne infectada pelo H5N1 ficaram gravemente doentes, e alguns morreram logo após a ingestão.

Se a carne que os nossos animais comem está infectada, isso sugere que a carne que consumimos também pode estar contaminada. Não necessariamente na minha casa ou na sua, mas será apenas uma questão de tempo?

Especialistas alertam que, como o vírus está se alastrando entre os rebanhos, ele pode evoluir e representar maiores riscos à saúde humana — tanto para os produtores de animais, que estão em contato diário com eles, quanto para os consumidores que ingerem esses produtos.

Estados em alerta

Mais de mil rebanhos já foram infectados nos EUA. Na Austrália, outra variante, a H7N8, tem causado surtos em estados como Victoria desde o início do ano, colocando as autoridades em alerta.

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Embora uma pandemia humana ainda não seja uma certeza, especialistas apontam que o risco já não pode ser ignorado e que as probabilidades aumentam a cada dia.

Ainda não é possível prever se o H5N1 ou outras variantes desenvolverão a capacidade de se espalhar facilmente entre humanos, mas, se certas mutações ocorrerem, o surto pode rapidamente sair de controle.

Cientistas vêm observando sinais preocupantes nos últimos meses que indicam o potencial do vírus para desencadear uma nova pandemia.

Autoridades federais americanas já começaram a ajustar seu discurso, destacando que a situação pode mudar rapidamente.

Isso reforça a necessidade de vigilância contínua e ações mais eficazes para conter a disseminação do vírus.

Não quero parecer alarmista, mas a forma como nos relacionamos com a comida pode estar nos enviando um sinal preocupante.

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A falta de ovo — ou a alta do preço — nos mercados deveria indicar um alerta muito maior. E, se esse cenário se agravar, nem poderemos assar bolos durante o próximo lockdown.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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