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Rafael Leick

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Dá para ter orgulho? Bolsonaro ignora o lucrativo setor do turismo LGBTQIA+

Casal gay se prepara para viajar, no aeroporto de Guarulhos - Getty Images
Casal gay se prepara para viajar, no aeroporto de Guarulhos Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

28/06/2022 10h15

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Em 28 de junho se celebra o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+ e, como muitos destinos apostam no turismo para gays, lésbicas, bissexuais e pessoas trans, a comunidade que ama viajar tem muito do que se orgulhar. Já o Brasil, nem tanto. Desde 2019, o governo Bolsonaro fez vista grossa para segmentos que poderiam ser muito benéficos para dar um fôlego para nossa economia.

O turismo certamente é um deles. Em 2018, o Brasil já era a 11ª economia de turismo do mundo. É inegável o nosso potencial turístico.

Mas o governo federal retirou o incentivo ao turismo LGBTQIA+ do Plano Nacional de Turismo em maio de 2019, quebrando um acordo de cooperação assinado entre o Ministério do Turismo, a Embratur e a Câmara LGBT do Brasil um ano antes, válido até 2023. Além disso, conteúdos referentes ao tema também foram removidos do site do Ministério do Turismo.

É o caso da cartilha "Dicas para atender bem turistas LGBT", da notícia sobre o acordo assinado com a Câmara LGBT e de um texto sobre destinos gay-friendly no Brasil, que escrevi para eles em 2017. O próprio presidente deu declarações dizendo que o "Brasil não pode ser país do turismo gay".

É, presidente? Se o Brasil fosse o país do turismo gay, talvez estaríamos numa situação melhor. Se o nosso turismo tem potencial, o turismo LGBTQIA+ tem ainda mais.

Casal gay andando de mãos dadas na praia - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

Turismo LGBTQIA+ como potência econômica

Para quem acha que essa é uma fatia do turismo que só diz respeito a quem faz parte da comunidade, vamos aos fatos.

Em pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva, divulgada na semana passada, 15% da renda do turismo internacional vem do turismo LGBTQIA+. O estudo ainda aponta que 30% do turismo LGBTQIA+ é mais rentável que o convencional.

Na Parada LGBT+ de SP, que ocorreu no último dia 19, o número de turistas mais que dobrou, se comparado ao último levantamento do Observatório do Turismo da SPTuris em 2019, que já tinha tido uma movimentação financeira expressiva.

A Parada LGBT+ é o terceiro maior evento de São Paulo - Rafael Leick/Viaja Bi! - Rafael Leick/Viaja Bi!
Imagem: Rafael Leick/Viaja Bi!

O Rio de Janeiro é apontado como uma das cidades mais desejadas pelo público LGBTQIA+ para viagens no pós-pandemia. Ipanema, que tem uma área com bandeira do orgulho fincada na areia, foi eleita, no início de 2022, a segunda melhor praia do mundo para a comunidade por votação feita pelo site GayCities. Ainda no Brasil, a Bahia está entre os cinco destinos mais procurados do país pelo segmento, segundo a Câmara LGBT.

Dados da OutNow de 2019 mostram que o turismo LGBTQIA+ movimenta, por ano, US$ 218 bilhões no mundo. E o Brasil é o segundo maior mercado, movimentando mais de US$ 63 bilhões a cada ano.

Em pesquisa realizada pela Associação Internacional de Turismo LGBTQ+ (IGLTA) em 2021, avaliando as perspectivas de viagem da comunidade no pós-pandemia, 56% das pessoas brasileiras entrevistadas disseram querer participar de algum evento de orgulho LGBTQIA+ como próxima atividade turística. A segunda opção mais mencionada foi viagens em grupo (21%). Na pesquisa global, a proporção se manteve, com 43% e 25%, respectivamente. Orgulho e viagem fazem parte dos planos de um público economicamente potencial para o Brasil.

Bandeira arco-íris, LGBT, na praia de ipanema - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

E isso não é um movimento novo. Já em 2017, segundo o Fórum de Turismo LGBT, o segmento crescia mais que a média da indústria (11% contra 3,5%). No mesmo período, a Organização Mundial do Turismo (OMT) já apontava que os turistas da comunidade LGBTQIA+ representavam cerca de 10% do fluxo mundial anual de viajantes, mas 15% da despesa total dos usuários no setor, ou seja, turistas que gastam mais.

"Este segmento pode ser um poderoso veículo para o desenvolvimento econômico, inclusão social e competitividade dos destinos turísticos", disse o secretário-geral da OMT, Taleb Rifai, na ocasião.

Também são pessoas que viajam quatro vezes a mais que a média, com agenda mais flexível, já que a maioria não está presa ao calendário escolar, um incentivo econômico para a baixa temporada. Esses casais são conhecidos, no turismo, pela sigla DINK ("dual income, no kids"), com duas fontes de renda, mas sem crianças.

Bandeira do orgulho LGBTQIA+, viagem - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Essa é, inclusive, uma tendência que começa a mudar, já que muitos destinos que se distanciam da visão limitada do governo, vêm se preparando para receber famílias de diferentes configurações em suas atrações turísticas, incluindo as homoparentais, aumentando sua receita potencial. Ver famílias lideradas por casais homoafetivos, pais gays solo ou mães travestis, por exemplo, vai se tornar cada vez mais comum, querendo ou não.

Vista grossa para investimentos

E enquanto todos os dados mostram a potência que é o turismo LGBTQIA+ e diversos destinos do mundo apostam forte no segmento, especialmente no pós-pandemia, o Brasil de Bolsonaro retrocede e faz vista grossa para a renda que o país poderia receber.

Em pleno Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, é triste ainda ter esse "reconhecimento" de sermos o país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo e não apostarmos em um dos segmentos mais lucrativos do turismo.

Casal de muheres com filho na praia - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

A coluna solicitou informações e explicações ao Ministério do Turismo sobre ações feitas para a promoção do segmento desde 2019, a reinclusão do turismo LGBTQIA+ na próxima edição do Plano Nacional de Turismo, como está o acordo de cooperação para promoção do turismo LGBTQIA+ e a razão pela qual a Parada LGBT+ de SP, que o próprio MTur diz em seu site ser uma das maiores do mundo, não foi contemplada na série "Retomada dos Grandes Eventos", disponível em seu canal online. Questionamos ainda o motivo de conteúdos referentes ao turismo LGBTQIA+ terem sido removidos do site do ministério.

O Ministério do Turismo não respondeu. A coluna será atualizada se tivermos algum retorno.